48h sem notícia

Famílias sobem o tom dos apelos por desaparecidos na Amazônia; Bolsonaro fala em "aventura"

Presidente culpa as vítimas e sugere que eles podem ter sido executados; família pedem mais empenho

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O repórter Dom Philips (esquerda) e o indigenista Bruno Pereira (direita) - Divulgação/Funai

Cerca de 48 horas após o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, Amazônia, o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), classificou, nesta terça (7), a viagem dos dois como uma "aventura" e que ambos podem ter sido executados.

"Realmente... Duas pessoas apenas, em um barco, em uma região daquela, né, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que eles tenham sido executados", disse ele em entrevista ao SBT. 

O fato de o presidente responsabilizar as vítimas pelo próprio desaparecimento foi criticado pelo colunista do UOL Leonardo Sakamoto. 

"Isso é um descaramento sem tamanho. Até porque foi o seu governo que deu um salvo-conduto a qualquer grupo que atropele as políticas de proteção ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais na Amazônia, tornando a região ainda mais insegura", escreveu Sakamoto em sua coluna. 

Apelos

Dom Phillips e Bruno Pereira faziam o percurso entre a vila ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte na manhã de domingo (05), quando desapareceram. O objetivo da viagem era visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lago do Jaburu, onde o jornalista faria entrevistas com os indígenas. 

O Vale do Javari abriga a maior quantidade de povos isolados do mundo. Dias antes do desaparecimento, o indigenista havia sido ameaçado. 

Enquanto prosseguem as buscas – bastante criticadas nas redes sociais por falta de empenho –, as famílias dos desaparecidos aumentaram o tom dos apelos públicos. 

Alessandra Sampaio, esposa de Phillips, gravou um vídeo curto, publicado nas redes sociais da jornalista Eliane Brum. 

"Queria fazer um apelo ao governo federal e para os órgãos competentes para intensificarem as buscas, porque a gente ainda tem um pouquinho de esperança de encontrar eles. Mesmo que eu não encontre o amor da minha vida vivo, eles têm que ser encontrados", disse ela, emocionada. 

 

Já a família de Bruno Pereira, em nota à imprensa lamentou a falta de notícias e pediu mais empenho das autoridades. Leia a nota na íntegra:

Já são 48 horas de angústia à espera de notícias sobre Bruno Pereira e Dom Philips, que desapareceram no domingo quando viajavam no Vale do Javari, Amazonas. Durante todo o dia de ontem, tivemos poucas informações sobre a localização deles, o que tem aumentado este sentimento. Mas também temos muita esperança de que tenha sido algum acidente com o barco e que eles estejam à espera de socorro. Mantemos orações e agradecemos o apoio de familiares e amigos.

Contudo, em virtude de mais de 48 horas do desaparecimento do nosso Bruno e seu companheiro de viagem Dom Phillips, apelamos às autoridades locais, estaduais e nacionais que deem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos. Compreendemos que Bruno possui vasta experiência e conhecimento da região, porém, o tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos. É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige. A segurança dos indígenas e equipes de busca também precisa ser garantida. 

Bruno é um dedicado servidor público federal pela FUNAI e muito apaixonado e comprometido com seu trabalho. Pai amoroso de duas crianças e uma moça lindas, Bruno é filho, marido, irmão e amigo, ele leva essa paixão para sua jornada toda vez que entra na mata com o propósito de ajudar o próximo. Pedimos às autoridades rapidez, seriedade e todos os recursos possíveis para essa busca. Cada minuto conta, cada trecho de rio e de mata ainda não percorrido pode ser aquele em que eles aguardam por resgate.

Leia mais::O que dizem as autoridades sobre desaparecimento de jornalista e indigenista na Amazônia?

Entidades pedem diálogo com o governo

Organizações dedicadas à proteção e defesa da liberdade de expressão e de imprensa no Brasil encaminharam, nesta terça-feira (07), um pedido de audiência urgente com o governo brasileiro para discutir o desaparecimento de Phillips e Pereira.

No Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, as entidades enviaram ofício aos ministros da Justiça e Segurança Pública, Anderson Gustavo Torres, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, expressando apreensão com as buscas lentas e a falta de informações sobre o caso. 

"Até a noite de 6 de junho, as informações divulgadas pela imprensa tratavam de um operativo limitado para as buscas de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips no local. Requeremos que seja concedida prioridade e urgência nas missões de busca de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips, e também que o governo brasileiro receba as organizações para uma audiência emergencial, em que informações sobre o andamento das buscas possam ser compartilhadas e atualizadas", dizem as entidades. 

Assinam o documento: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Artigo 19, Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Instituto Tornavoz, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes e Repórteres sem Fronteiras (RSF).

Edição: Thalita Pires