crise é projeto

Artigo | Bolsonaro dá razão a Darcy Ribeiro

Cortes nas áreas de educação, ciência e tecnologia evidenciam projeto de destruição do país

Brasília (DF) |
Projeto de destruição da Educação Pública avança também graças a sangrias paralelas promovidas pelo presidente e seus aliados - Evaristo Sa / AFP

Foi numa palestra de nome "Sobre o óbvio", durante um congresso realizado pela Sociedade Brasileira para a Ciência (SBPC), que Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo, sociólogo, historiador, educador e um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB), da qual foi o primeiro reitor, proferiu uma de suas mais célebres frases, diagnosticando a precarização da Educação: "A crise da Educação no Brasil não é uma crise, é um projeto". O ano era 1977, sob a mesma ditadura militar da qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) é não só egresso, como, até hoje, entusiasta da estupidez (amplo sentido) que sustentava tal regime.

Para justificar seu diagnóstico, Darcy apresentou dados comprovando que a alienação da população sempre foi parte de uma estratégia das elites dominantes do país, a qual fora retomada com força e eficácia intensas pelos ditadores militares desde o golpe de 1964, com uma base ideológica calcada numa equação elementar: quanto mais gente sem conhecimento, mais sólida se tornaria a sustentação das elites no poder.


Político, Darcy fez parte do governo João Goulart, segundo ele derrubado por ameaçar as "classes dominantes e seus associados estrangeiros" / Reprodução Agência Brasil

Encerrando sua palestra, Darcy apontou a única defesa contra essa estratégia: que os espaços de Educação não só capacitassem permanentemente os seus profissionais, como se comprometessem com a educação de indivíduos socialmente excluídos.

Tal contraponto continuou sendo reprimido por um Estado truculento, abafado durante os governos imediatos ao fim da ditadura, até começar ganhar fôlego e corpo nos governos mais progressistas seguintes, até a interrupção deste processo, em 2016, por meio de mais um golpe financiado e apoiado pelas mesmas elites de sempre, culminando na eleição do atual presidente, que, leal às suas origens, não só retomou os ataques à Educação e a Ciência, como os intensificou de forma violentamente inédita, como se tentasse consumar de vez o projeto de destruição da Educação apontado por Darcy. E os números provam isso.

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Somente neste ano, o governo já promoveu as seguintes mutilações no orçamento do Ministério da Educação (MEC):

- corte de R$ 400 milhões no programa Educação Básica de Qualidade;

- corte de R$ 34,4 milhões para apoio à consolidação, reestruturação e modernização das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES);

- corte de R$ 429 mil para pesquisa, desenvolvimento científico, difusão do conhecimento e popularização da ciência nas unidades de pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT);

- corte de R$ 60,9 milhões para apoio a projetos de tecnologias aplicadas, tecnologias sociais e extensão tecnológica articulados às políticas públicas de inovação e desenvolvimento sustentável do Brasil;

- corte de R$ 1,7 milhão para fomento à pesquisa e desenvolvimento voltados à inovação, a tecnologias digitais e ao processo produtivo nacional;

- corte de R$ 859 mil para fomento a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico nacional;

- corte de R$ 8,5 milhões para formação, capacitação e fixação de recursos humanos para o desenvolvimento científico;

- corte de R$ 3 milhões para fomento às ações de pesquisa, extensão e inovação nas instituições de ensino de educação profissional e tecnológica na Bahia;

- corte de R$ 4,2 milhões para fomento às ações de graduação, pós-graduação, ensino, pesquisa e extensão.

No dia 27 de maio um novo ataque: um corte de R$ 3,2 bilhões, ou 14,5% do orçamento do MEC, atingindo todos órgãos ligados à pasta: universidades federais – que sofrerão um corte de mais de R$ 1 bilhão –, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep, Fundo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – FNDE, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, hospitais universitários e, consequentemente, o SUS.

Enquanto isso, o setor privado da Educação agradece a galopante precarização que sempre ‘justifica’ a privatização.

Sangrias

Além desses bombardeios, o projeto de destruição da Educação Pública avança também graças a sangrias paralelas promovidas pelo presidente e seus aliados.

Desde o início de seu mandato, em janeiro de 2019, até agora, Bolsonaro já nomeou 25 reitores interventores, ou seja, não eleitos nas consultas realizadas pelas universidades.

Há pouco tempo, o quarto ministro a ocupar a pasta do MEC, o pastor Milton Ribeiro, teve que ser exonerado após a descoberta do tráfico de influência feito em seu nome, e do presidente, por pastores neopentecostais negociando liberação de verbas do MEC para prefeitos que lhes pagassem, em dinheiro, compras de bíblias editadas por eles, e até em barras de ouro, propinas para a construção de novos templos nas cidades. Até o momento, seguem todos impunes.

E, muito recentemente, surgimento de denúncias de que prefeitos bancaram shows milionários – e eleitoreiros – de artistas que abertamente defendem o agronegócio com verbas desviadas de quais pastas? Além da Saúde, da Educação, em cidades cujas escolas não têm a devida estrutura para garantir o ensino de qualidade à população mais pobre.

Sim, Darcy, não é crise.

É, sempre foi, um projeto.

 

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

**Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

***Leia mais textos como este na coluna da ADUnB no Brasil de Fato DF

 

Edição: Flávia Quirino