Saúde pública

Alemanha derruba lei da era nazista que dificulta aborto

Parlamento alemão aprova por ampla maioria abolição de regra de 1933

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Protesto pelo direito ao aborto em Berlim. Cartaz diz: "Meu corpo, minha escolha" - John Macdougall / AFP

O Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) aprovou nesta sexta-feira (24/06) um projeto de lei para alterar o Código Penal e permitir que os médicos do país não sofram mais restrições para informar sobre a oferta de serviços de aborto. A mudança facilita, portanto, o acesso a informações para mulheres que desejam interromper a gravidez.

O Bundestag aprovou a abolição do Parágrafo 219 do Código Penal –  uma antiga lei de 1933, que entrou em vigor durante a era nazista e foi parcialmente reformada em 2019. Esse parágrafo proibia médicos de anunciarem os tipos de procedimento de aborto oferecidos ou publicarem informações sobre período de recuperação ou potenciais riscos.

Embora o Parágrafo 219 tenha sido reformado em 2019, permitindo médicos de listarem o procedimento em seus sites, eles ainda não podiam fornecer detalhes.

A alteração do Código Penal foi aprovada pela grande maioria do Bundestag. Apenas as bancadas do ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AFD) e dos conservadores da União Democrata Cristã (CDU) e da União Social Cristã (CSU) votaram contra a proposta.

Os parlamentares aprovaram ainda a anulação de multas aplicadas a médicos que foram condenados com base o Parágrafo 219. Uma das beneficiárias será a médica Kristina Hänel, que realiza abortos há 30 anos, foi condenada em 2017 a pagar uma multa de 6 mil euros (R$ 32 mil) por listar o procedimento no site de seu consultório. O caso gerou um acalorado debate no país. Hänel e outros médicos e médicas estiveram no Bundestag nesta sexta para acompanhar a votação.

"Absurdo e desatualizado"

Durante o debate antes da votação, o ministro alemão da Justiça, Marco Buschmann, que apresentou o projeto de lei, afirmou que o Parágrafo 219 era "absurdo e desatualizado". O político do Partido Liberal Democrático (FDP) ressaltou ainda que a mudança não significa a permissão de fazer propaganda comercial de aborto.

A ministra alemã da Família, Lisa Paus, pontuou que a alteração permite a divulgação de informações, garantindo o acesso à informação para mulheres que buscam o procedimento.

"Hoje é um grande dia para médicas e médicos e para as mulheres afetadas", comemorou a ministra. "A saúde e a autodeterminação das mulheres são direitos humanos", disse a política do Partido Verde, acrescentando que toda a legislação referente ao aborto deve ser revista.

Atualmente, a situação legal do aborto na Alemanha é complicada. Segundo o Parágrafo 218 do Código Penal, uma mulher que interrompe a gravidez pode ser condenada a até três anos de prisão. No entanto, uma emenda modifica a lei: segundo o texto, o ato é tolerado se for realizado até a 12ª semana e a mulher consultar um conselheiro sobre sua decisão e marcar a intervenção para pelo menos três dias após a sessão.

O aborto também não é crime se a gestação coloca a saúde da mãe em risco ou se foi provocada por estupro. Após a 12ª semana, contudo, a interrupção é ilegal, a menos que se constatem circunstâncias médicas imprevistas.

O projeto de lei aprovado nesta sexta-feira pelo Bundestag ainda precisa da aprovação formal do Bundesrat, a câmara alta do Parlamento alemão, mas já pode entrar em vigor antes disso.