Corrupção

O que se sabe sobre a “organização criminosa” no MEC, segundo o Ministério Público Federal

Órgão fala em “façanha criminosa” de Milton Ribeiro e pastores em esquema para liberação de recursos do FNDE

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro - Valdenio Vieira/PR

Em documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) classificou como “organização criminosa” o suposto esquema de propina, por meio da intermediação entre pastores lobistas e prefeituras, para a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no Ministério da Educação. O MPF também, em um parecer, reforçou a existência de uma organização criminosa. 

“Aproveito o ensejo para adicionar à capitulação o crime de Organização Criminosa, Lei 12.850/13, pois é factível que os investigados estavam estruturalmente organizados e cada um atuando com divisão de tarefa”, escreveu a PF no documento. No centro desta organização criminosa estariam o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e os pastores lobistas Gilmar Santos e Arilton Moura.


O presidente Jair Bolsonaro em reunião com os pastores Gilmar Santos (no canto esquerdo da foto) e Arilton Moura (no canto direito da foto) / Carolina Antunes/Presidência

Em um áudio vazado pela imprensa em 21 de março deste ano, Ribeiro afirma que priorizava destinar recursos do FNDE para as prefeituras cujas solicitações foram negociadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, a pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar. (...) Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, diz o ministro em áudio.  

De acordo com a PF, os líderes religiosos eram recebidos no Ministério com “honrarias e destaque na atuação pública”. Na mesma linha, em seu depoimento à PF, em 31 de abril, Milton Ribeiro disse que Bolsonaro "realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido”. 

O que diz o Ministério Público?

De acordo com um parecer do MPF, Arilton Moura intermediou um encontro entre José Edvaldo Brito, empresário e presidente do partido Avante de Piracicaba, interior de São Paulo, com Milton Ribeiro na pasta. Antes, o pastor havia solicitado ao empresário R$ 100 mil para obras missionárias de sua igreja e a aquisição de passagens.  

Os trâmites para o encontro foram feitos no hotel Grand Bittar, em Brasília. “Visando melhorar a qualidade da educação dos municípios da região, [José Edvaldo Brito] procurou os pastores Arilton e Gilmar, pois havia tomado ciência de que os dois religiosos evangélicos desenvolviam esse trabalho de articulação com o então ministro da Educação Milton Ribeiro”, diz o parecer. 

Brito “decidiu então ir ao encontro dos pastores no hotel Grand Bittar, em Brasília. Chegando à sobreloja do estabelecimento, foi recebido por Luciano Freitas Musse, que acreditava ser assessor de Arilton, não tendo ciência, até então, que ocupava cargo comissionado no MEC”. 


José Edvaldo Brito e Milton Ribeiro / Reprodução/Facebook

O empresário de Piracicaba afirmou que obteve a agenda e que “realmente encontrou com Milton no Ministério da Educação”. No encontro com o ex-ministro, “conseguiu o compromisso da realização de evento na cidade de Nova Odessa", um município de 60 mil habitantes, que fica a 130 quilômetros de São Paulo, ocorrido em 21 de agosto do ano passado.  

Em troca da realização do evento, Arilton, que junto de Luciano Musse, havia mediado o encontro entre José Edvaldo Brito e Milton Ribeiro, “solicitou emissão de passagens aéreas para sua comitiva, e, a título de colaboração, a quantia de R$ 100.000,00.”  

Para provar a declaração, Brito apresentou uma nota fiscal da Prefeitura de Piracicaba de reservas de passagens em nome dos integrantes da comitiva: Gilmar Santos, Arilton Moura, Luciano de Freitas Musse e Helder Bartolomeu (ex-assessor na prefeitura de Goiânia e genro de Arilton).  


Helder Bartolomeu / Reprodução/Redes Sociais

Helder Bartolomeu ainda teria recebido R$ 30 mil eLuciano de Freitas Musse, R$ 20 mil. Brito disse que os valores foram depositados “a pedido de Arilton e pago em parcelas por Danilo Felipe Franco”, empresário que possui contratos de dedetização com diversas prefeituras paulistas. 

“A infiltração de Luciano nos quadros de servidores da pasta demonstra a sofisticação da atuação agressiva da ORCRIM [organização criminosa], que indica desprezo à probidade administrativa e fé pública. Helder teve sua conta utilizada para receber propina e também viajou com a comitiva dos pastores. Convém destacar que Helder é genro de Arilton”, diz o parecer do Ministério Público Federal, assinado pela procuradora da República Carolina Martins Miranda de Oliveira. 

Os indícios, segundo o documento, “não deixam dúvidas da façanha criminosa de Milton, Gilmar, Arilton, Helder e Luciano em utilizarem o prestígio da administração pública federal” para os crimes de corrupção privilegiada, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.


Luciano de Freitas Musse / Reprodução/Redes Sociais

Brito afirmou que denunciou o esquema dos pastores à Milton Ribeiro. “Há um processo na CGU. Sou o cara que fez a denúncia, prestei depoimento na CGU", disse Brito ao Metrópoles, em março deste ano. As informações decorrentes investigações na CGU foram utilizadas pela Polícia Federal na Operação Acesso Pago, que apura o esquema de corrupção no Ministério.

Kia Sportage 2016 

O parecer do MPF também aponta para uma transferência no valor de R$ 60 mil entre a esposa do ex-ministro, Myriam Pinheiro Ribeiro, e a filha do pastor Arilton Moura, Victoria Camacy Amorim Correia Bartolomeu. O valor é referente à venda de um carro modelo Kia Sportage 2016 à Victoria Bartolomeu, que é casada com Helder Bartolomeu. 

De acordo com Djaci Vieira De Sousa, chefe de Gabinete do ex-ministro, “Milton Ribeiro revelou que vendeu um veículo para o pastor Arilton”. O atual ministro da Educação, Victor Godoy Vieira, também relatou a venda no âmbito da investigação. Disse que Milton “vendeu barato e ainda não tinha recebido” e que o ex-ministro “comentava esse tipo de situação com naturalidade”. 

Telefones secretos  

A PF também descobriu, durante interceptação telefônica autorizada pela Justiça, que Milton Ribeiro e Arilton Moura tinham números de telefones secretos para se comunicarem.  

"Foi descoberto que os alvos Milton, Arilton, e Luciano (Musse, ex-gerente de projetos da Secretaria Executiva do MEC) possuem números de telefones celulares que até então eram desconhecidos e que devem constar de eventual nova decisão de interceptação", escreveu a PF em relatório encaminhado ao Ministério Público Federal. 

Um quilo de ouro 

O prefeito do município de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), relatou que Arilton Moura chegou a pedir “um quilo de ouro para mim” em troca de negociações de verbas no Ministério da Educação. “Ele [Arilton] disse: ‘Traz um quilo de ouro para mim’. Eu fiquei calado. Não disse nem que sim nem que não”, afirmou Braga em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, em março deste ano. 

O pedido teria ocorrido em abril de 2021, durante um almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília, depois de uma reunião com Milton Ribeiro, ministro da Educação. O quilo do ouro valia, de acordo com a cotação desta sexta-feira (24), R$ 307,46 mil.  

“Ele disse que tinha que ver a nossa demanda, de R$ 10 milhões ou mais, tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar [a demanda no MEC]. E, na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”, afirmou Braga.  

“Ele [Arilton] falou, era um papo muito aberto. O negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive, tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões, para outro, tantos milhões’”, disse Braga. “Assim mesmo eu permaneci calado, não aceitei a proposta.” Até o momento, os recursos não chegaram ao município de Luís Domingues.   

Pastores se encontraram com Bolsonaro   

Gilmar Santos e Arilton Moura se encontraram algumas vezes com o presidente Jair Bolsonaro, ministros e secretários. No Ministério da Educação, somente Arilton Moura participou de 22 reuniões. Com o capitão reformado foram quatro encontros em Brasília, sendo três no Palácio do Planalto e um no Ministério da Educação, junto com Milton Ribeiro.    

Em março de 2019, Gilmar Santos foi recebido pelo vice-presidente Hamilton Mourão ocupando a presidência na ausência de Bolsonaro. Em julho do mesmo ano, a agenda do então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também aponta para um encontro com o "Pastor Gilmar". Em novembro ainda daquele ano, Arilton Moura se encontrou com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, com a presença do embaixador de Israel, Daniel Zonshine, e o deputado federal Vicentinho Junior (PL/TO). Em dezembro, o ministro Ciro Nogueira recebeu Gilmar e Arilton, junto com o deputado federal João Campos (Republicanos-GO).    


Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro / Reprodução/Twitter

Em 2020, em fevereiro, ambos participaram de um evento no Ministério da Educação. Por fim, no ano passado, em fevereiro, os três participaram de um evento no Ministério da Educação. Em publicação nas suas redes sociais, Gilmar destacou que levou mais de 40 prefeitos de quatro estados "para tratar dos avanços e desafios da educação atual" para a sede da pasta.    

Interferência na PF 

Uma ordem superior impediu com que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro fosse transferido de São Paulo a Brasília, de acordo com uma carta do delegado da Polícia Federal (PF) Bruno Calandrini enviada à equipe da Operação Acesso Pago, segundo apuração da CNN Brasil.   

O delegado disse ainda que houve "interferência na condução de investigação" e que não tem "autonomia investigativa e administrativa para conduzir o Inquérito Policial deste caso com independência e segurança institucional". Segundo Calandrini, o ex-ministro do governo Bolsonaro foi recebido "com honrarias não existentes na lei".   

Nesta quinta-feira (23), a PF abriu uma investigação para analisar se houve alguma interferência na operação. "Considerando boatos de possível interferência na execução da Operação Acesso Pago e objetivando garantir a autonomia e a independência funcional do Delegado de Polícia Federal, conforme garante a Lei nº 12.830/2013, informamos que foi determinada a instauração de procedimento apuratório para verificar a eventual ocorrência de interferência, buscando o total esclarecimento dos fatos", disse a PF. 

Milton Ribeiro foi solto nesta quinta-feira (23), depois que o juiz federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), revogou a prisão preventiva do ex-ministro e de Gilmar Santos e Arilton Moura. Eles haviam sido presos preventivamente na terça-feira (21). 

Edição: Rodrigo Durão Coelho