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Artigo | Somos as sementes que germinaram de Marielle Franco

Marielle Franco foi, como muitas de nós, uma força da natureza que carregava no seu corpo um compromisso com o povo

Brasil de Fato | belo Horizonte (MG) |
Não queremos ser mortas pela mesma violência que nos tirou Marielle Franco - Foto: Reprodução

É triste escrever sobre derrotas. Mas elas fazem parte da vida de qualquer pessoa, assim como os erros. E que bom que a vida segue e a gente tem a oportunidade de criar novos capítulos.

No dia 13 de junho, após pressão da extrema-direita, a Prefeitura de Belo Horizonte vetou nosso Projeto de Lei (PL) 244/2021, que alterava para Marielle Franco o nome do Centro de Saúde Vila Cemig. Um equívoco que precisa ser reparado e, neste artigo, eu explico o porquê.

Reconhecer Marielle nos equipamentos públicos, praças e ruas é parte de uma política de combate à violência política contra ativistas dos Direitos Humanos e pela defesa da democracia.

Marielle Franco foi, como muitas de nós, uma força da natureza que carregava no seu corpo e na sua vida um compromisso inesgotável com o povo, com as pessoas como ela, como eu, como nós, com a população do campo e da cidade. Enfim, um compromisso com os 99%, que são os que construíram e seguem sustentando de pé o nosso país. Lágrimas, suor e sangue preto, indígena, feminino, LGBTI+, pobre, favelado.

E aqueles que querem morte, querem fome, querem tortura, querem nos eliminar em nome de seu lucro e pela manutenção do poder, foram lembrados por Marielle do quanto somos fortes e implacáveis. Por isso ela foi assassinada. Tentaram matar suas ideias políticas, mas o caráter da nossa luta, o foco do nosso trabalho é o povo, a vida plena, o fim de todas as formas de opressão, o acesso pleno a direitos.

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É também a liberdade de ser quem se é, a chance de fazer escolhas sem ter que se sacrificar, é o cuidado com as pessoas e com o planeta. É estar do lado certo da história que nos faz não esmorecer diante do jogo sujo, da má-fé, da corrupção, dos acordos escusos pelas madrugadas, da violência política.

Perguntam porque uma vereadora de outro estado deveria nomear um posto de saúde em Belo Horizonte. Marielle é uma figura nacional, extrapolou os limites de seu local de trabalho, porque sua luta se conecta com várias outras de nós, comigo inclusive, que sou mulher preta, mãe, LGBTI+, progressista e coloco a luta do povo na frente do trabalho político, que nada tem a ver com enriquecimento ou favorecimento pessoal.

Escolha do nome de Marielle foi coletiva

Assim como a defesa do SUS, a luta e a referência de Marielle Franco se tornaram nacionais. Quem defende o SUS também conhece o tamanho da importância da luta de uma mulher negra, bissexual e de resistência, que se doou para o público e passou a simbolizar (por um motivo que não gostaríamos) a energia de várias pessoas Brasil afora.

O território onde fica localizado o Centro de Saúde Vila Cemig não está apartado do resto do país e a comunidade tem, sim, conhecimento do que está acontecendo e propriedade para reconhecer em Marielle uma importante identificação.

A ideia do PL e a sugestão do nome não foi invenção do nosso mandato. A escolha foi feita em conjunto com a comunidade atendida pelo Centro de Saúde Vila Cemig, que também é referência para outros bairros, além da própria vila.

A mudança é uma demanda de identificação das pessoas que vivem no território. Construímos o projeto junto com a comunidade, que reconhece na figura de Marielle Franco a representatividade de uma mulher combativa que lutava e defendia os Direitos Humanos.

História da comunidade

A identificação dessas pessoas com a figura de Marielle também casa com a história da comunidade, que surgiu nos anos 1950, enfrentou repressão do Estado, violência policial e, nos anos 1970, a partir da auto-organização de cerca de 2,4 mil dos 4 mil moradores, conquistou direitos básicos como energia elétrica, que, ironicamente e apesar do nome, ainda não tinha acesso. Existe uma história de luta e de resistência que a comunidade identifica com a história de Marielle Franco.

A Vila Cemig, inclusive, é composta majoritariamente de mulheres pretas que consideram Marielle referência. A região é caracterizada por 76% da população se autodeclarar negra, sendo 38% mulheres negras. A homenagem também é uma forma de reverência às mulheres negras e periféricas de trajetórias semelhantes.

E se considerarmos que o centro de saúde não atende só a Vila Cemig, mas também outros territórios, seria coerente que o nome pudesse se aproximar também de quem não mora na vila. Além do fato de que existem equipamentos públicos aos montes pelo país com nomes de figuras públicas que não necessariamente tem a ver com o território em que estão localizados.

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Sintomático que, à época, um vereador bolsonarista aproveitou o apelo público causado pela manipulação da extrema direita para atacar a memória de Marielle e, consequentemente, o nosso mandato, comparando-a ao torturador Brilhante Ustra, sugerindo que seria simétrico se ele indicasse a mudança do nome de algum equipamento público para homenagear esse criminoso da ditadura.

Como se fosse possível, de fato, legitimar uma figura criminosa, como foram os agentes da ditadura, ao dizer que eles são, para a extrema-direita, seus heróis equivalentes ao que Marielle significa para nós. Reivindicar um assassino para atacar a memória de uma defensora dos Direitos Humanos é mau-caratismo! A decisão do executivo ao veto significa escolher um lado na disputa entre o progresso e o retrocesso, e aceitar essa falsa simetria como argumento.

Por Marielle não ficaremos nenhum minuto em silêncio, dedicaremos a nossa vida inteira pela luta. Uma derrota não é o fim da disputa. Seguiremos batalhando pela memória e legado de Marielle em Belo Horizonte.

*Iza Lourença é vereadora em Belo Horizonte pelo PSOL.

**Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato. 

***Leia mais textos como este na coluna  de Iza Lourenço no Brasil de Fato Minas Gerais

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Edição: Rodrigo Durão Coelho