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Otimista com Lula, García Linera diz que América Latina precisa da liderança brasileira

Intelectual boliviano defende criação de sistema produtivo que assegure as conquistas populares

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Em visita ao Brasil, Linera participou do Salão do Livro Político, da Editora Boitempo - Belén Grosso
O que falta é um Brasil que seja vanguarda. Um Brasil que não dê as costas para a América Latina

A vitória de Gustavo Petro e Francía Marquez para a presidência da Colômbia foi comemorada em todo o continente. Não só pelo ineditismo de uma gestão progressista no país, tradicionalmente dominado por conservadores e liberais, mas também por sugerir uma nova guinada à esquerda na América Latina.

A primeira foi entre 2003 e 2014, começou com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil, e terminou com a saída de Cristina Kirchner da presidência da Argentina, em 2015. Agora, já são oito os países de orientação progressista na região e, uma vitória de Lula - em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto - pode consolidar este novo período.

Para o ex-vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, apesar de uma nova onda de esquerda se avizinhar, falta ao continente uma liderança, que pode ser do Brasil. 

“O que falta é um Brasil que seja vanguarda na América Latina. Um Brasil que não dê as costas para a América Latina. O país é grande, mas não o suficiente. Tem uma economia forte, mas não o suficiente para estar entre as grandes ligas com igualdade de forças”, afirma Linera.

“Por isso acredito que, hoje mais do que nunca, mais do que anos atrás, uma guinada no posicionamento do Brasil, uma atitude progressista do Brasil, pode ser relevante em escala planetária, porque pode liderar um novo destino para o continente”, completa o boliviano.

Convidado desta semana no BDF Entrevista, Álvaro García Linera é um dos mais importantes teóricos marxistas do mundo. No continente, seus estudos sobre o marxismo fundado sob as bases indigenistas e camponesas são verdadeiros tratados sobre a América Latina.

Vítima de um golpe de estado perpetrado pelos militares bolivianos, em conluio com a oposição do país, Linera teve que deixar a Bolívia, assim como o presidente Evo Morales. 

Ambos foram para o México, a convite do presidente Manuel López Obrador e posteriormente para a Argentina, onde viveram até a restauração da democracia no país e a vitória de Luis Arce, também do MAS, partido governista de Linera e Morales.

Segundo Linera, uma das lições deixadas pelo golpe militar na Bolívia, foi a necessidade de se enfrentar o conservadorismo instalado nas instituições militares em todo o nosso continente. Para o ex-vice-presidente, ‘o progressismo deve pensar em mecanismos de reforma, educacional e curricular da formação policial e militar”.

“É preciso enfrentar reformas assim para que essas instituições, necessárias a qualquer Estado contemporâneo, policiais e militares possam ser defensores da democracia e não um perigo para ela”, afirma o teórico marxista.

Na conversa, Linera ainda fala sobre a necessidade de se restaurar organizações como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a conflituosa relação entre Estado e movimentos populares nos governos de esquerda e a contribuição da produção teórica da América Latina para o mundo. 

“O que falta em nossos intelectuais é audácia, que alguns têm, para produzir teoria local. O que a Europa e os EUA podem nos ensinar sobre as transformações? Nada! Ali predomina um conservadorismo geral e só agora eles estão acordando, a América Latina pode ensinar ao mundo”. 

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Para começar, como recebeu a notícia da vitória de Gustavo Petro na Colômbia? É o primeiro governo de esquerda da história do país. E também a chegada de Francia Márquez como vice-presidenta, negra, quilombola e ativista ambiental. O que espera, a partir de agora, para um dos países mais complexos da nossa região?

Álvaro García Linera: Olha, é extraordinário, é espetacular. Em uma sociedade com elites tão conservadoras, tão tradicionais, que passaram o poder de avós para filhos, de filhos para netos, de netos a bisnetos, durante mais de cem anos. 

E ver agora irromper um ex-guerrilheiro, revolucionário, guerreiro, que vem de baixo, vê-lo irromper e ver entrar uma mulher negra, popular, em uma sociedade tão racista, tão elitista, é uma revolução da ordem, da ordem social, da ordem moral da sociedade colombiana. 

Parecia tão difícil. Não só pelo poder dessas oligarquias tradicionais, autoritárias e violentas, mas também pela presença dos EUA. A Colômbia se transformou quase em um porta-aviões militar dos EUA, instalado no peito da América Latina.

Então, olhando de longe, parecia tão difícil, tão complicado poder superar esses poderes. E, no fim, aquele povo tão guerreiro, abnegado e heroico, primeiro se rebelou nas ruas e agora se rebela no voto. Nossa profunda admiração. Nossa alegria. 

A Colômbia plebeia, a Colômbia das bases, a Colômbia negra, a Colômbia proletária, a Colômbia popular, juvenil, a Colômbia das mulheres alçou a voz e de uma maneira tão forte que nos trouxe essa vitória e é uma grande esperança para toda a América Latina e o mundo.

Francia Márquez chega, inclusive, com o lema do "Bem Viver", que é tão necessário para nós neste momento, né? 

É a linguagem do povo, companheiro. Não é uma linguagem rígida, fechada, abstrata. Não, não é a linguagem da sala de jantar. É a linguagem das bases. A alegria das bases, que vem com sacrifício, sofrimento, suor. E é a linguagem da América Latina. 

Olha, o que as elites devem ter pensado quando um trabalhador, um peão de fábrica tornou-se presidente? Quando um indígena, um trabalhador do campo tornou-se presidente? Quando uma mulher negra se torna vice-presidenta?

Esse é o novo espírito que atravessa a América Latina. É um espírito das bases. Com o sabor, a cor, o ritmo, a alegria, o sofrimento e o esforço que sempre caracterizou o nosso povo, os humildes e simples, as pessoas trabalhadoras do nosso continente.

Agora temos oito governos progressistas na América Latina e Lula se apresenta contra um direitista em novembro deste ano. Este é um momento decisivo para os rumos do continente?

É um momento decisivo e imprescindível. Olhe para o mundo. No mundo, impérios estão se despedaçando. Os EUA são um império decadente, a China, um império em ascensão. Um clube de impérios idosos, melancólicos, que é a Europa. Estão despedaçando o mundo.

Será característica dos próximos 20 ou 30 anos esta disputa encarnada, violenta, que ocorre por todos os meios possíveis, financeiro, cultural, político e militar do mundo. E lá está a América Latina. Sem os demais, nós ficamos divididos, isolados uns dos outros. Seremos parte desse despedaçamento, dessa disputa dos grandes do mundo.

Mas se a América Latina se unir ao redor de questões concretas e particulares...Não dá para ter unidade em tudo, cada país tem suas diferenças culturais, políticas e históricas. Mas se houver união em torno de certas questões: energias limpas; proteção da democracia; meio ambiente; investimentos; industrialização; três ou quatro questões…vamos poder nos proteger deste mundo tão incerto e tão conflitivo.

Só a unidade vai salvar a América Latina nesta próxima década. A possibilidade de que existam acordos entre governos, acordos mínimos, para negociar em bloco frente às grandes potências mundiais. Nós também podemos nos apresentar como uma grande potência continental, como um único bloco continental que não disputa territórios, e sim defende seu território, sua economia, suas necessidades. Será fundamental.

Então acho que o que falta é um Brasil que seja vanguarda na América Latina. Um Brasil que não dê as costas para a América Latina. O país é grande, mas não o suficiente. Tem uma economia forte, mas não o suficiente para estar entre as grandes ligas com igualdade de forças.

Por isso acredito que, hoje mais do que nunca, mais do que anos atrás, uma guinada no posicionamento do Brasil, uma atitude progressista do Brasil, pode ser relevante em escala planetária, porque pode liderar um novo destino para o continente.

Também é possível agora a volta de grupos importantes, como o Mercosul e a Unasul. Existe espaço para estes grupos se fortalecerem nos próximos anos?

Precisamos que exista, é claro, e nós precisamos de três coisas. Os três maiores têm que entrar em um acordo. México, Brasil e Argentina. E para levantar essas instituições, a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a unidade latino-americana, que requer institucionalidade.

Não basta reunir os presidentes, como acontece agora. Precisamos de uma estrutura, de comissões e direções, de assembleia, um secretário executivo, como funciona a OEA (Organização dos Estados Americanos). Mas, para a OEA funcionar, os EUA põem o dinheiro e mandam.

O senhor [Luis] Almagro é só mais um funcionário do Departamento de Estado. Nós não precisamos de um funcionário do Departamento de Estado de um país, e sim de um funcionário de todos os países latino-americanos.

Então, a contribuição do Brasil aí é condução, liderança e recursos. A contribuição do México: condução, liderança, recursos. A contribuição da Argentina: condução, liderança, recursos. Isso pode levantar a Unasul, a CELAC, e desta maneira começar a entrar para as ligas maiores: Europa, Estados Unidos, Ásia, entrar para as ligas maiores.

E se pudermos fazer isso, por que não aproveitar também os fortes vínculos do Brasil com a África, para ajudá-la a criar também uma estrutura continental que permita um mundo multipolar, onde um dos polos desse mundo multipolar conflitivo e incerto seja a América Latina em seu conjunto? Novamente, nenhum país vai avançar sozinho. Precisamos uns dos outros, inevitavelmente.

O senhor veio ao Brasil participar do VII Salão do Livro Político, organizado pela Boitempo, mas também para lançar outro livro, "Qual horizonte: hegemonia, Estado e revolução democrática". Nele você discute o papel do Estado e dos agentes revolucionários na concepção do Estado. As experiências revolucionárias até agora não puderam se perpetuar. Por quê?

O que ocorre na América Latina é o mesmo que no resto do mundo. Estamos assistindo ao declínio gradual, ao ocaso gradual de um modo de acumulação econômica e um modo de dominação, que foi o neoliberalismo. Nos últimos cem anos, houve três modos.

Começou com o capitalismo de Estado, fim do liberalismo conduzido pela Inglaterra, nos anos 1920. Início do capitalismo de Estado, dos anos 1940 aos anos 1960. Declínio do capitalismo de Estado nos anos 1970. Vitória do neoliberalismo nos anos 1980. E hoje estamos, desde 2010, no declínio. Desde 2005, 2010, no declínio do neoliberalismo.

Mas não sabemos qual será o novo modelo de acumulação e de organização política. São tempos instáveis. Cada país ou região está tentando encontrar uma opção. A América Latina tentou, na primeira onda progressista de 2003 ou 2005 até 2014.

Tentou, foi uma tentativa longa, mas não o suficiente. Depois veio uma restauração conservadora de forças da direita, que também está durando cinco anos, porque não têm um novo projeto de economia, de sociedade, nem de Estado.

Agora o progressismo emerge outra vez. E talvez seu ressurgimento seja de curto prazo. Quem dera seja de longo prazo. Vai depender do quê? De que se consolide, não só na América Latina, mas no mundo inteiro, um novo modelo de muito fôlego de acumulação e um modelo de muito fôlego de economia, sociedade e Estado, de organização política.

Enquanto um novo modelo não for consolidado, por 20 ou 30 anos, vamos viver essa instabilidade. Vitórias curtas e derrotas curtas. Temos, pelo menos, uma década com essas características, mas isso não vai durar muito. As pessoas se cansam das incertezas. Querem ter um horizonte previsível de longo prazo. Precisam de certezas.

Por isso acredito que estes tempos de incerteza e de avanço e retrocesso, de instabilidade, não poderão durar eternamente. Não estamos diante de um novo ciclo de organização econômica. Estamos no fim do antigo ciclo buscando um novo ciclo, que ainda não se consolidou.

Quando o novo modelo de economia, Estado e sociedade se consolidar, vai durar 30 ou 40 anos. É assim. Os grandes ciclos duram de 20 a 30 anos. Enquanto o novo não surgir, em escala planetária e em escala latino-americana, vamos viver tempos de hegemonias curtas.

Sobre isso, entre tantas das suas obras, uma me chamou a atenção: "Tensões criativas da revolução". Um dos debates é sobre os desafios do governo boliviano na inserção dos movimentos populares e tradicionais nos espaços de decisão e a relação dos movimentos populares com o Estado, com a máquina estatal. São esses os pontos-chave para explicar que a ascensão e a queda dos governos progressistas na América Latina sejam tão curtas?

É um dos fatores. Eu diria que são dois fatores: um econômico e um político. O fator político eu analiso nesse texto mencionado por você. O fator econômico é o seguinte: no passado, o progressismo distribuiu de uma maneira diferente, justa, a riqueza. Em uma década, tiramos 70 milhões de latino-americanos da pobreza. Uma conquista histórica. Mas não criamos um novo sistema produtivo. Essa foi nossa limitação. 

Herdamos uma economia e a organizamos de uma forma melhor, redistribuímos melhor a riqueza, mas não criamos um sistema produtivo duradouro. Quando criarmos um novo sistema político duradouro, a distribuição da riqueza também será duradoura. E se consolidará como direito irreversível por 30 ou 40 anos. Antes disso, não. 

Na esfera política, existem tensões enfrentadas pela esquerda e o progressismo da região. E, em alguns casos, enfraqueceu-os. Uma dessas tensões é saber qual o papel dos movimentos sociais. Quando os movimentos sociais emergem, são formas criativas de democracia, de comunidade e associação. Sua luta os leva a irromper no Estado, mas no Estado as coisas são sempre um monopólio. Concentração de decisões.

O que o movimento social faz? Separa-se do Estado. É o que a direita quer. Não quer a plebe no Estado, porque o administram com prazer. Mas quando se aproximam demais do Estado, perdem seu caráter democrático e comunitário. Porque no Estado as coisas ocorrem pela decisão de poucos, como um monopólio.

Então, o movimento social está em tensão. Afastado demais do Estado, ele se congela e faz a alegria das elites, porque elas administrarão o Estado em benefício próprio. Perto demais do Estado, ele se queima, porque perde o caráter democrático e comunitário.

Como encontrar, a cada momento, não o meio-termo aristotélico, mas sim ter momentos "mais Estado" e momentos "mais sociedade"? Uma espécie de decisionismo tático, em função da correlação da luta social. Em alguns momentos, convém estar mais presente no Estado, para certas decisões, para ampliar direitos. Outros momentos requerem mais força fora do Estado, na sociedade, para consolidar uma maior participação e democratização de decisões.

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, comentou comigo há um tempo atrás aqui no programa, que é preciso teorizar mais e melhor sobre que caminho queremos seguir a partir de agora, sobre que caminho a esquerda tomará. Nosso continente carece de mentes capazes de teorizar esse novo caminho?

Olha, se existe um lugar no mundo onde há movimento e criatividade social é a América Latina hoje. Mas, infelizmente, uma parte de nossos intelectuais e de nossas universidades continuam buscando respostas em autores europeus e norte-americanos. São pensamentos fossilizados. 

Talvez há 20 ou 30 anos, dava para nos enriquecer com o pensamento europeu crítico. Mas agora, não. Eles não têm muito o que ensinar, é um pensamento também muito cansado, muito velho, aqui existe criatividade.

O que falta em nossos intelectuais é audácia, que alguns têm, para produzir teoria local. O que a Europa e os EUA podem nos ensinar sobre as transformações? Nada! Ali predomina um conservadorismo geral e só agora eles estão acordando, a América Latina pode ensinar ao mundo. 

Nosso ponto fraco é que, às vezes, não pensamos nem produzimos teoria de caráter universal. Produzimos teoria de caráter local, temos um sentimento de inferioridade. Precisamos ter coragem de produzir teoria universal, modelos de caráter universal. Os aprendizados do Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, servem não só à teoria política, como à filosofia e às diferentes áreas das ciências sociais. São extremamente úteis.

Daqui a dez anos, nós já deveríamos estar ensinando a europeus e norte-americanos. Porque temos vitalidade social para isso, mas precisamos nos descolonizar mentalmente. Parar de ficar imitando e citando autores europeus e dos EUA que têm pouco para dizer, um pensamento repetitivo. São construções mais estéticas do que de ideias lógicas para compreender e transformar a realidade. 

Aqui estão dadas as condições para produzir grandes teorias, teoria universal para ajudar a iluminar e a compreensão do que acontece no mundo. Estou convencido de que podemos conseguir isso ainda nesta década.

Tenho visto nos jovens, nas novas gerações, um ímpeto. É preciso apoiar esse ímpeto. É preciso oferecer mais ferramentas para que eles produzam teoria do que estamos fazendo. Compreender o que estamos fazendo e produzir teoria geral para que outros pesquisadores, dos EUA e da Europa, aprendam e usem as categorias que estão sendo criadas aqui na região.

Ou seja, pensemos em uma América Latina universal, não meramente marginal, não meramente localista. Façamos da América Latina uma realidade universal a partir da teoria e da ação política.

Para terminar, Linera, passados dois anos desde o golpe na Bolívia, qual é sua reflexão sobre o ocorrido? A chegada ao poder de Luiz Arce, com absoluto apoio popular, também ajuda a interpretar a tentativa de ruptura da oposição boliviana? E os militares, que no Brasil têm uma grande influência, foram decisivos no golpe da Bolívia. Onde eles estão agora?

O que aconteceu em 2019 nos trouxe várias lições. A primeira é que todo processo de igualdade social gera uma reação conservadora, é inevitável. E é preciso tomar cuidado com essa reação, que é não só das elites, que são poucas, como também de setores médios tradicionais que veem com preocupação que um indígena, um operário, um trabalhador rural ou uma mulher negra, que deveria estar preparando a comida, torne-se governante.

Que veem que seu salário aumenta 20%, mas o salário do trabalhador aumenta 200% e ficam preocupados. Não gostam. Isso modifica sua ordem moral das coisas, sua ordem hierárquica e desigual do mundo. O progressismo busca justiça e igualdade, isso gerará uma reação, não só de uma pequena elite, mas de setores médios tradicionais que antes monopolizavam o privilégio. É inevitável. Frente a isso, o progressismo não deve retroceder. Deve ter políticas de mobilidade social para esse setor médio tradicional. 

A segunda lição... Quando um processo de transformação social se preocupa com a maioria das pessoas, com os humildes, os trabalhadores, os trabalhadores rurais, os jovens, as mulheres oprimidas, ele deixa uma marca duradoura. A profundidade dessa marca é a garantia da resistência.

Me lembro que, quando recebemos asilo do presidente do México e depois da Argentina, nossos companheiros na Argentina diziam: "É preciso ter uma visão de longo prazo do exílio, companheiro Álvaro. Na Argentina, levamos 16 anos para voltar". Na Bolívia, nós levamos um ano para voltar.

Isso dependeu do quê? Não dependeu do Evo [Morales], nem do Luiz [Arce], nem do David [Choquehuanca], que com certeza são grandes líderes. Dependeu das pessoas, do povo humilde. Foram eles que recuperaram a democracia, foram eles que permitiram que o Evo pudesse voltar, porque o Evo trabalhou para eles, foi o poder deles. 

Não era o poder do Evo, era o poder de indígenas, trabalhadores rurais, camponeses, artesãos, jovens. Quando sentiram que estavam tirando seu poder, não o poder do Evo e sim do povo, reagiram. Em um ano, com protestos nas ruas e através do voto reconquistamos a democracia na Bolívia.

Então, um processo progressista, há de se defender fundamentalmente em sua capacidade, de sempre trabalhar a favor da maioria em seu país, dos mais pobres e humildes. Essa seria, para mim, a segunda lição.

A terceira lição, relacionada a questões policiais e militares, que são estruturas fechadas. O progressismo deve pensar em mecanismos de reforma, educacional, curricular da formação policial e militar para erradicar o conservadorismo tão arraigado nos sistemas de formação de militares.

É uma proposta do presidente Petro. De forma valente, Petro disse: "Tanto a polícia quanto os militares precisam de uma reforma. São instituições necessárias para o Estado, é claro. E vamos apoiá-las. Mas teremos que enfrentar reformas para erradicar o autoritarismo institucional, o racismo institucional, e para vinculá-las à sociedade".

É preciso enfrentar reformas assim para que essas instituições, necessárias a qualquer Estado contemporâneo, policiais e militares possam ser defensores da democracia e não um perigo para ela. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho