Saúde é um direito

Argentina aprova lei que garante direitos e protege pessoas com HIV de discriminação

Texto proíbe o teste de HIV em admissão trabalhista e atualiza a Lei Nacional de HIV de 1990, pioneira na região

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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Organizações da sociedade civil comemoram a aprovação da lei no Senado. - Senado Argentina

O Senado argentino aprovou por 60 votos a favor e apenas um voto contra, de Humberto Schianovi, do Partido Republicano, a Lei de Resposta Integral ao HIV, as Hepatites Virais, as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e a Tuberculose na noite desta quinta-feira (30). A sessão foi acompanhada através de um telão por uma grande mobilização na Praça do Congresso desde as 12h, que reuniu organizações sociais que militaram pelo direito desde 2016, quando o projeto de lei foi apresentado pela primeira vez no Congresso Nacional.

Além de contemplar regulamentações com respeito às hepatites e as ISTs, um aspecto particularmente importante desta nova lei é a garantia de direitos contra o estigma e a discriminação que sofrem especialmente as pessoas que vivem com HIV.

O resultado representa a conquista de organizações de HIV e Hepatite, que pautaram a necessidade de atualização da Lei Nacional da Aids, de 1990. A legislação, pioneira na América Latina, foi um grande passo para a garantia do acesso à prevenção e ao tratamento, mas, com os avanços científicos e, principalmente, sociais, a atualização fez-se necessária com uma perspectiva de direitos humanos na resposta às epidemias.

Apesar das postergações no Congresso ao longo de sete anos, o projeto alcançou o consenso entre diferentes forças políticas, o que foi ilustrado nas duas primeiras exposições na sessão. O primeiro a discursar foi o senador e médico Pablo Yedlin, senador pela província nortenha de Tucumán pela coalizão governista Frente de Todos (FdT), ressaltou não haver polarização no tratamento do tema em debate. "A lei modificada hoje permitiu, durante 30 anos, que os pacientes que convivem com o vírus HIV tenham acesso ao tratamento através do Estado nacional", pontuou.

"Estima-se que 140 mil pessoas convivem com o vírus. 17% desconhecem seu diagnóstico, e 30% dos pacientes conhecem seu diagnóstico em um estágio tardio, perpetuando o ciclo de contágio", disse o senador, destacando o papel do sistema público de saúde, que atende 65% dos casos de HIV no país.

Em seguida, Mario Fiad, senador por Jujuy da coalizão macrista Juntos pela Mudança (JxC), adiantou seu voto favorável ao projeto. "Esta lei veio atualizar a lei vigente que leva muitos anos e que tem o adicional, que celebro, de incluir também as hepatites virais B e C e outras infecções de transmissão sexual com uma perspectiva de direitos humanos", disse, agregando que os legisladores "chegaram tarde". "Não precisamos esperar que essas pessoas batam à porta do três poderes para garantir o acesso aos seus direitos. Temos que adiantar-nos", enfatizou.

Assim como outros senadores ressaltaram no debate, a reforma deve servir como referência para outros países. "Este projeto, assim como a lei foi há 30 anos, consiste em um modelo para toda a América Latina e uma das melhores legislações em todo o mundo", afirmou a senadora Silvina García Larraburu (FdT), pela província de Río Negro.

O que diz a reforma da lei de HIV

O texto incorpora uma perspectiva que contempla as pessoas mais expostas ao vírus do HIV, garante o acesso ininterrupto à prevenção e ao tratamento e busca eliminar as formas de discriminação no ambiente de trabalho, assegurando a privacidade do diagnóstico. Nesse sentido, proíbe o teste nos exames de admissão trabalhista, favorecendo a empregabilidade das pessoas com HIV e protegendo-as da discriminação, que sistematicamente exclui essa população do mercado de trabalho. Pessoas diagnosticadas com HIV, hepatite ou em situação de vulnerabilidade terão somados 20 anos de contribuição previdenciária em seu cálculo para aposentadoria.

A lei aprovada nesta quinta-feira (30) declara de interesse público e nacional o desenvolvimento de tecnologias para a produção pública de medicamentos e insumos, assim como a utilização das Salvaguardas do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual, garantindo o acesso aos medicamentos e vacinas apesar da lógica de mercado das patentes. Este foi um debate aprofundado nos últimos anos com a pandemia de covid-19 e que contou com a contribuição destas organizações que trabalham com a temática e pelos direitos no campo da saúde há décadas.

Além disso, a lei aprovada contempla o direito à informação de qualidade baseada em evidências para pessoas com capacidade de gestar, e que tenham reservado seu direito ao parto por via vaginal. Também prevê que o diagnóstico positivo para HIV, hepatites e outras ITS deverão "ser acompanhadas do devido assessoramento pré e pós-teste e deverá ser voluntário, gratuito, confidencial, universal, garantindo a vinculação ao sistema de saúde".

"Nos últimos 30 anos, a epidemia mudou: temos novas ferramentas em relação ao HIV", explicita em seu site a Fundação Huésped, membro da Coalizão Internacional da Aids, ao explicar a necessidade de atualização da lei vigente. "Sabemos mais, sabemos que indetectável é igual a intransmissível, existem novos tratamentos e novas formas de pensar a prevenção."

Com a sanção, todas as políticas públicas referentes às patologias devem incorporar o previsto na nova lei. 

Edição: Thales Schmidt