Nas últimas duas décadas, o Brasil aumentou a sua produção de energia elétrica em 78%, mas não manteve a mesma proporção em termos de fontes renováveis. Enquanto isso, as termelétricas tiveram suas capacidades ampliadas e se multiplicaram, especialmente após medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), trazendo impactos ao meio ambiente e encarecendo a conta de luz.
É o que apontam instituições de proteção ao meio ambiente e indica um recente estudo feito pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), divulgado nesta quarta-feira (29). O relatório se debruça sobre as dezenas de termelétricas ativas no Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2020 e alerta para o fato de que, nas últimas duas décadas, a queima de combustíveis fósseis para produção de energia saltou de 9% para 14%.
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Em comparações feitas com dados relativos ao ano 2000, o instituto também traz dados sobre a crescente diversificação das fontes de geração, incluindo algumas renováveis não hídricas, como eólica, solar e biomassa. Um contraponto à expansão da queima de combustíveis fósseis, como gás natural e carvão mineral, que quase triplicou em 20 anos, saltando de 30,6 TWh para 84,8 TWh.
Uma tendência que, de acordo com ambientalistas, aumentará se os 17 projetos de termelétricas a gás contratados durante leilão emergencial em outubro de 2021 estiverem em operação. O prazo estipulado pela Agência Nacional de Energia (Aneel) se encerrou em 1º de maio, mas a maior parte das usinas está com as obras atrasadas.
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André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA, projeta que as emissões atmosféricas do setor elétrico cresceram 77% em 2021, embora alegue que os dados para uma aferição mais precisa ainda estão indisponíveis. Ele também reforça que mais de 80% da produção energética no Brasil ainda é proveniente de fontes renováveis, mas que a participação da matriz hidráulica vem caindo ao longo dos anos.
“Uma usina termelétrica é uma fonte muito importante de poluição do ar, seja lá o combustível que você coloque nela. Dependendo de onde está localizada ou a aglomeração de usinas no território, há maiores riscos à saúde pública, já que uma série de poluentes são lançados na atmosfera”, adverte.
Usinas a carvão mineral ganham sobrevida e crescem
Com dados disponibilizados pelas próprias usinas termelétricas do serviço público, um ranking classifica aquelas que mais produzem e mais poluem. Além de destacar que as usinas a carvão mineral atendem aos maiores índices de emissões de gases do efeito estufa, o estudo também sublinha os danos socioambientais da concentração de usinas.
“Chama atenção a quantidade de usinas em Manaus (AM), em Macaé (RJ) e em Capivari de Baixo (SC). Essa concentração tem sido uma tendência, talvez por motivos técnicos e econômicos, mas que podem ter consequências bastante temerárias”, destaca Felipe Barcellos, analista de projetos IEMA.
Ele também ilustra o impacto das quatro usinas que compõem o Complexo Termelétrico de Jorge Lacerda. “Numa cidade que tem 5 mil habitantes, como Capivari de Baixo, a emissão é equivalente a cinco vezes a frota de ônibus de São Paulo. Isso mostra como essas usinas emitem bastante”, reforça.
Outra organização bastante atuante nessa região e no combate aos combustíveis fósseis, de modo geral, o Instituto Internacional Arayara já foi à justiça para garantir recuperação social e ambiental do “desastre” causado pelas usinas.
Em diversas ações que, somadas, chegam a R$ 1,5 bilhão, a organização exige a responsabilização das empresas Engie, Fram Capital e Diamante Brasil que tocam o empreendimento.
De acordo com Juliano Bueno de Araújo, diretor do Arayara, 95% de todas as emissões de gases do efeito estufa em Santa Catarina são produzidas pelas usinas a partir da combustão do carvão mineral brasileiro. Ele acredita que a opção é feita por uma combinação entre ganância e leniência das autoridades.
“Nosso carvão no mercado da geologia é bem magrinho. Ou seja, é preciso queimar duas a três vezes mais carvão do que na Polônia ou nos Estados Unidos para produzir a mesma energia, colocando no ar muito mais mercúrio, enxofre e gases de efeito estufa”, explica Araújo.
Crise hídrica e Eletrobras ajudaram a impulsionar termelétricas
Mesmo que ainda não estejam operando normalmente, as novas termelétricas contratadas em 2021 tiveram o caminho facilitado pela emergência hídrica, decretado pelo governo após longa estiagem em meados do ano. Diante de uma nova crise à sua imagem, Jair Bolsonaro decidiu ampliar o uso de termelétricas, aproveitando brechas abertas na legislação ambiental.
"O que vimos desde o leilão de emergência de setembro passado, onde o país contratou térmicas a gás que custam 6 vezes mais por megawatts gerado do que a térmica que está entregando a 5 anos ou a hidrelétricas. Se compararmos com o custo de uma eólica está custando de 8 a 9 vezes mais”, identifica o diretor do Arayara.
O processo de privatização da Eletrobras também contribuiu para jogar ainda mais lenha na fogueira das fontes não-renováveis. A Medida Provisória que permitiu a capitalização da estatal também previu a instalação de 8 mil megawatts em termelétricas a gás espalhadas em todas as regiões do Brasil.
A normativa que passou pelo Congresso Nacional em maio de 2021 também aprovou a prorrogação de subsídios e a sobrevida das usinas a carvão mineral, que deveriam ser extintas até 2040 para cumprir metas de descarbonização.
O licenciamento ambiental, que é a principal obrigatoriedade para a operação das usinas, também perdeu força neste período, de acordo com André Luis Ferreira. “Como o licenciamento ambiental e as agências ambientais estão completamente desestruturadas, especialmente no governo federal e no Ibama, com pouca gente e sem condições de trabalho, isso se tornou uma tônica da governança ambiental do Brasil”, protesta.
Investimentos em fontes renováveis ficará para próxima gestão
Algumas alternativas de fontes renováveis para suprir a crescente demanda por energia tendem a ser intensificadas nos próximos anos. Algumas delas, inclusive, já são conhecidas e possuem papel relevante, como a eólica, a solar e a biomassa, mas que ainda podem ser otimizadas se combinadas a outras fontes já instaladas.
Segundo Juliano Araújo, que é engenheiro especializado em Riscos e Emergências Ambientais, seria possível implementar estruturas eólica e solar em usinas hidrelétricas já instaladas, utilizando seus reservatórios sem causar danos ambientais relevantes.
“Você injeta na rede durante o dia essa nova energia e, durante a noite, você tem a energia hidráulica que já estava guardada em forma de água para gerar esse modal de flutuação”, exemplifica Araújo.
Para o engenheiro mecânico André Luis Ferreira, essa seria uma boa solução para driblar a “variabilidade” das fontes eólica e solar, que segundo ele é um importante limitador para essas matrizes. Por isso, ele afirma que a chave para a equação é o armazenamento de energia.
“Eu preciso ter energia guardada para complementar essas variações. Para curto e médio prazos, o Brasil tem uma imensa bateria que são os reservatórios das hidrelétricas existentes”, afirma o diretor-presidente do IEMA que também aposta no investimento no desenvolvimento de hidrogênio verde a longo prazo.
Araújo acredita que esse tema deve ser aprofundado em “qualquer governo que assuma no ano que vem”, especialmente pela necessidade de reduzir o custo da energia. “E não se faz isso com subsídio, se faz com energia limpa e barata. Ela precisa ser limpa porque se não você tem um efeito colateral da poluição atmosférica e do aumento de aquecimento que trazem efeitos danosos à economia”, encerra.
Edição: Rodrigo Durão Coelho