linha de frente

Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos apoia mais de 80 ativistas no Ceará

Lideranças de comunidades tradicionais ameaçadas por conflitos com projetos empresariais são maioria sob proteção

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
lideranças indígenas
Weibe Tapeba, Juliana Jenipapo Kanindé e Adriana Tremembé estão entre as lideranças indígenas que vivem em territórios tradicionais constantemente ameaçados por grandes projetos empresariais. - Foto: Letícia Alves

João do Cumbe já é figura conhecida no Ceará por sua luta em defesa do território da Comunidade do Cumbe, no município de Aracati. "Eu não escolhi ser defensor de Diretos Humanos, foi uma necessidade", explica.

"Enquanto comunidade tradicional, a gente vem numa luta de muito tempo pela permanência do território. Uma luta por autonomia, pelo direito de gerenciar nosso território, que é de uso comunitário. É uma luta pelo modo de vida tradicional, que nos últimos anos vem sendo comprometido com a invasão das atividades econômicas que se instalaram nos nossos territórios, violando os direitos constitucionais, ou seja, ninguém teve direito de escolha", afirma.

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Já são mais de 20 anos atuando em defesa da comunidade tradicional onde nasceu, que hoje abrange mais de 100 famílias quilombolas. Mas justamente por sua luta, há mais de uma década João do Cumbe está no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), vinculado à Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) do Governo do Ceará.

"As primeiras ameaças contra a minha vida eu comecei a receber nos anos 1990, por conta da militância contra a carcinicultura, quando pessoas de fora da comunidade, que tinham um empreendimento aqui no Cumbe, vieram me abordar para me agredir, mostrando punhado de bala na mão, dizendo que sabiam de todos os meus passos na comunidade, [perguntando] se eu não tinha medo de levar um tiro e amanhecer com a boca cheia de formiga", conta João.

Permanência no território

Para explicar o porquê da existência de um programa de proteção, Rachel Leão, Supervisora do Núcleo de Assessoria dos Programas de Proteção da SPS fala sobre os maiores desafios do PPDDH. "A gente se depara aí com conflitos históricos. A gente sabe que essa luta em defesa de territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, especialmente aqui no Ceará, que são territórios que interessam para a implantação de grandes empreendimentos econômicos, geram um conflito, digamos assim, de interesses", afirma.

"Do lado dessas comunidades, é de fato a permanência no seu território em respeito a uma história de vida centenária. Do outro, por parte do empresariado, é o desejo de que grandes empreendimentos sejam implantados. No caso do Cumbe, eu estou falando da carcinicultura e da zona costeira, de grandes empreendimentos da área de hotelaria, entre outros, que colocam em cheque toda uma vivencia comunitária da região", conclui Rachel.

Ela explica como funciona o programa e o trabalho de proteção aos defensores. "Em geral, aqui no Ceará, a ameaça de morte não é a regra. A gente tem como situação mesmo a ameaça de identidade, de existência, de permanência no território. Então o esforço do programa nesses casos é de constituir uma rede de proteção institucional, com órgãos do sistema de justiça, segurança pública, do próprio executivo, em torno da comunidade, para dar visibilidade àquela defesa do território e garantir a permanência", sustenta.

"A ideia é que o programa seja a retaguarda permanente com a qual os defensores saberão que poderão contar." 

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O coordenador da equipe técnica do Programa de Proteção, que por medida de segurança não pode ter sua identidade revelada, é quem explica como os defensores passam a fazer parte do PPDDH. "A partir do momento em que ele é ameaçado, ele vai apresentar um pedido de inclusão do programa. Esse pedido pode ser apresentado por ele mesmo, ou por alguma outra pessoa ou instituição que conheça a trajetória de militância dele. Esse pedido vai ser analisado pela equipe técnica e será feita uma entrevista para entender a condição de ameaça", descreve.

Após todo o processo, o conselho deliberativo é quem vai decidir pela inclusão ou não da pessoa. "O que vai pesar para a inclusão é a ameaça e o risco à vida dele, além da sua militância", enfatiza o coordenador.

Enfrentamento contra grandes empresários

Adriana, indígena Tremembé, da Barra do Mundaú em Itapipoca, é outra integrante do programa. Há anos, ela faz frente para barrar o avanço de empreendimentos imobiliários dentro do território da comunidade.

“A gente está no programa porque somos ameaçadas desde 2002 aqui no território. Não só eu, mas tem outras companheiras também que estão no programa por conta de ameaça de morte que a gente vem enfrentando", conta.

"Agora ainda mais, cada vez mais que aparece algo para se instalar nos nossos territórios a ameaça aumenta. Agora a gente está na luta contra os empreendimentos de parque eólico dentro do mar - que aqui nós moramos de frente ao mar sagrado. Então tudo isso é luta, tudo isso é enfrentamento contra esses grandes empresários que afrontam a construir dentro dos territórios indígenas."

Weibe Tabeba, liderança indígena e Coordenador da Federação dos Povos Indígenas do Ceará (FEPOINCE), também já recebeu diversas ameaças. Tudo por causa da luta por território na Lagoa dos Tapebas, em Caucaia, resistência que já dura 40 anos.

"Na minha trajetória de militância e de luta, eu recebi pelo menos 14 intimidações, ameaças, por conta da nossa luta. Já respondi a 2 inquéritos na Policia Federal por dano ao patrimônio público, formação de quadrilha, mas tudo tentando criminalizar nossa luta", revela.

Desmonte federal

Dos pouco mais de 80 homens e mulheres incluídos no Programa de Proteção, 54% deles são defensores de comunidades tradicionais. "Aqui no estado do Ceará, a gente vê uma predominância dessas ameaças contra pessoas que são defensoras de Direitos Humanos territoriais. Isso infelizmente é uma realidade, principalmente porque o estado tem dificuldade de chegar nesses locais e essas pessoas acabam tendo que cumprir a função do Estado na defesa dos seus territórios", lamenta Cecília Paiva, advogada da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).

"Seja para denunciar questões relacionadas ao desmatamento, ou então uma atuação muito violenta do turismo de massa, eólicas, tem várias questões que a gente visualiza desses empreendimentos que chegam com muita violência. O Estado não consegue estar presente e esses defensores acabam assumindo essa frente e também passam a ser muito mais facilmente identificados e ameaçados por conta disso", conclui.

O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos foi criado no Ceará em 2002 através de um decreto estadual. Antes disso, os defensores em regime de proteção eram acompanhados pelo programa de proteção federal, que foi desmontado no governo do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

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"O PPDDH funciona a partir de uma equipe técnica composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados, e essa equipe cumpre a função de acompanhar os defensores a partir de seu local de militância. E isso na verdade se traduz como sendo o grande desafio diferencial do programa. O PPDDH vai tentar garantir a proteção do defensor com ele fazendo sua militância cotidianamente, ou seja, lá na comunidade onde ele faz defesa, onde ele faz militância social, ele vai continuar fazendo mesmo depois de ameaça", explica o coordenador da equipe técnica do Programa.

Fonte: Brasil de Fato CE

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia