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Cooperativismo e economia solidária: feira reúne cerca de 140 mil pessoas em Santa Maria (RS)

Feira mantém vivo o legado do Fórum Social Mundial e mostra um mosaico de experiências pulsantes

Brasil de Fato | Santa Maria (RS) |
A retomada presencial, depois de dois anos com edições virtual ou híbrida, resgata o status de maior evento de Economia Solidária da América Latina - Foto: Jorge Leão

“Trata-se de uma feira de gentes e de sementes. Cheia de sonhar e de esperançar.” A Feicoop – Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária – encerrou sua 28ª edição reafirmando o seu caráter de resistência. Palavras de ordem foram entoadas por várias vozes para que siga sendo trilhado o caminho proposto desde o primeiro Fórum Social Mundial, rumo a um outro mundo possível e necessário e a uma outra economia que já acontece.

Segundo os organizadores, o evento finalizado no domingo (17), em Santa Maria (RS), recebeu 500 inscrições de expositores e a média de público de 140 mil pessoas de três continentes, oito países, e 13 estados do Brasil, mais Distrito Federal, no Centro de Referência de Economia Solidária Dom Ivo Lorscheiter. A retomada presencial – depois de dois anos com edições virtual ou híbrida – resgata o status de maior evento de Economia Solidária da América Latina.

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"Em nome da equipe que fez e está fazendo acontecer a festa da Economia Solidária, quero dizer que nossos objetivos traçados nesses longos meses que se passaram foram alcançados hoje. O exemplo está aí, o público veio e o tempo colaborou. Só temos a dizer muita gratidão", afirmou o coordenador da Feicoop e do Projeto Esperança/Cooesperança, José Carlos Peranconi, o Zeca, na cerimônia de encerramento.


Como todos os anos, os guardiões de sementes estavam presentes na Feicoop / Foto: Marcos Corbari

Feicoop integrou campo e cidade

Não apenas durante os seus três dias de realização, mas no espaço ampliado de preparação e na repercussão pós realização do evento, a Feicoop integrou campo e cidade, produtores, consumidores, movimentos e organizações sociais, trabalhadoras e trabalhadores de diferentes áreas, agricultoras e agricultores familiares, agroindústrias familiares e artesanais, produção orgânica, artesanato, confecção, alimentação, trabalhos com plantas ornamentais, entre outros.

A Feira possibilitou ainda a participação protagonista dos povos indígenas, quilombolas, migrantes e refugiados, mulheres e homens que trabalham com a coleta e tratamento de resíduos sólidos e pessoas em situação de rua. Também integrou a participação de gestores públicos, universidades, estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadoras e pesquisadores, organizações defensoras dos Direitos Humanos, coletivos e organizações nacionais e internacionais, entre outros.

"Uma feira onde milhares de pessoas passaram e foi relatado que não teve uma ocorrência e nenhum imprevisto”, acrescentou Zeca. Ele reafirmou que a partir do território da Feicoop, as pessoas que se abrigam sob o ideal da Economia Solidária mostram que um novo mundo é possível e que ali ele já acontece.


A programação contou com a 3ª Mostra de Arte, Cultura e Diversidade da Economia Solidária / Foto: Jorge Leão

Três dias de feira, arte, cultura e formação

A programação contou com exposição e comercialização de produtos de diferentes áreas, com a 3ª Jornada Formativa e a 3ª Mostra de Arte, Cultura e Diversidade da Economia Solidária. As oficinas e seminários pautaram um conjunto significativo de temas como: a questão ambiental, hídrica e crise sanitária; hortas comunitárias e hortas nas escolas; justiça ambiental; regeneração ambiental; sustentabilidade; sistemas agroflorestais; desenvolvimento local; consumo responsável; agroecologia; reforma agrária; alimentação saudável; produção orgânica; saúde e Economia Solidária.

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Também foram desenvolvidos debates sobre o trabalho das promotoras e dos promotores populares de saúde; o cuidado e o auto-cuidado das mulheres; os Bancos Comunitários, Moedas Sociais, Fundos e Redes de Economia Solidária; a utilização das tecnologias de informação, como estratégia de comunicação e construção de resistências; a organização comunitária e coletiva no campo da cultura e das estereotipias raciais; a construção do ecossocialismo na luta popular; a soberania e segurança alimentar e o exercício das liberdades democráticas.


As oficinas e seminários pautaram um conjunto significativo de temas / Foto: Jorge Leão

Carta expressa denúncias e conclama a construção de mudanças

A Carta da 28ª Feicoop foi compartilhada ao final do evento, relembrando o enfrentamento à covid-19, fazendo memória às vítimas, denunciando o negacionismo e enaltecendo todos que respeitaram a ciência.

O documento trouxe denúncias importantes, a começar pela afirmação da dura realidade enfrentada pelo povo, vítima de uma crise de dimensão econômica e política e que impôs a volta do país ao mapa da fome. Ressaltou a violência praticada principalmente contra corpos que fogem ao padrão normativo da sociabilidade capitalista, o genocídio, o feminicídio, a misoginia, a LGBTfobia e o racismo estrutural.

A política de destruição dos recursos naturais (água, terra, ar, sementes) também foi citada e a arrecadação recorde de lucros por parte de corporações e sistema financeiro justamente no período de crise mais severa junto aos mais humildes foi criticada.

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A carta afirma que os atores envolvidos na construção e realização da Feicoop sonham com um novo tempo, expresso a partir dos “nossos encontros, trocas, convivências, discussões, compartilhamento de experiências e construções coletivas”.


A carta afirma que os atores envolvidos na construção e realização da Feicoop sonham com um novo tempo / Foto: Jorge Leão

A busca da efetivação da sociedade do bem viver foi expressa no documento através de dois compromissos distintos: “Manter-se presente nas parcerias para aprender e contribuir com os movimentos de Economia Solidária em ações referentes à construção de conhecimento, partilha e experiências na interação e reivindicação de políticas públicas sobre Economia Solidária, em nível municipal, estadual e federal”; e “continuar acolhendo mais famílias de produtores rurais, artesãs e artesões, agroindústrias e minorias sociais em nosso campo de ação, valorizando a vida e os diferentes empreendimentos, primando sempre por uma atuação com foco no trabalho profético de Economia Solidária, cooperativismo, agricultura familiar, consumo responsável, geração de trabalho e renda via inclusão social no campo e na cidade, através de diferentes formas de organização”.

Leia a íntegra da Carta da 28ª Feicoop.


Ausência da Irmã Lourdes se converteu em simbolismo concreto de resistência / Foto: Angélica Flores

Ausente no evento, Irmã Lourdes Dill converteu-se em símbolo 

O desconforto pela ausência forçada de Irmã Lourdes Dill – que nas 27 edições anteriores foi coordenadora da Feicoop e teve a seu cargo conduzir o legado do saudoso Dom Ivo Lorscheider – foi se convertendo ao longo do evento em simbolismo concreto de resistência.

Defender o legado deste trabalho foi um tema evocado em praticamente todas as manifestações e a ausência no espaço daqueles que são apontados como responsáveis pelo seu afastamento denotou que a forma intempestiva como se deu o seu afastamento apenas a converteu em uma figura ainda mais forte, maior e mais presente tanto no espaço da feira em si, quanto nos processos de luta e resistência popular que a partir dali se expressam.

O documento final expressa que Irmã Lourdes de fato deixou um legado inabalável: “O sucesso deste ano mostrou o que e o quanto aprendemos nestes 35 anos com ela. Isso nos deixa felizes por este legado que nos acompanhará na caminhada de um esperançar com a metodologia “aprendente e ensinante” deixado pela Irmã Lourdes”.

:: Artigo | Nosso compromisso contigo, Irmã Lourdes ::

No palco central do evento, todas as autoridades que se pronunciaram, bem como todos os artistas que ali se apresentaram, dividiram o espaço com as imagens impressas de Dill, retratada na mostra fotográfica realizada por Dartanhan Baldez. “Tentaram arrancar Irmã Lourdes do meio de nós, mas o que conseguiram fazer foi ela ficar ainda mais forte, podem mandá-la pro outro lado do mundo, que ela ainda vai continuar aqui com a gente”, expressou a artesã Marina Carvalho, enquanto observava as imagens.

O perfil da Comissão Pastoral da Terra no RS (CPT-RS) registrou: “Irmã Lourdes Dill segue presente, com um legado de amor e compromisso à Economia Popular e Solidária no Rio Grande do Sul”. Marcelo Bernal, do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) também vai no mesmo sentido: “A 28ª Feicoop mostrou que a Irmã Lurdes construiu uma feira que permanecerá por gerações. Pessoas que viverão a feira daqui a 100 anos saberão que a Irmã Lourdes permanecerá sendo uma das muitas essências que a feira produziu”.

Lara Rodrigues, militante do MST e feirante no estande da Terra Livre, mesmo participando pela primeira vez do evento, afirmou que foi possível sentir a mística forte deste legado deixado por Irmã Lourdes e que o chamado à resistência para que o evento siga em frente também ecoou em seu coração: “Todos que estão aqui sentem que essa força, esse desafio de resistência e superação é algo que a Irmã Lourdes ensinou e que agora todas e todos nós somos desafiados a seguir trabalhando para que não se perca, para que se fortaleça, para que siga sempre adiante”.


A busca da efetivação da sociedade do bem viver foi expressa no documento final / Foto: Jorge Leão

Força e representatividade só aumentaram

A repórter fotográfica e social media Angélica Flôres Cezar comentou através de seu perfil: “O sentimento que fica é o de que um outro mundo é possível sim, desde que juntos estejamos verdadeiramente, sem mesquinharias e sem nenhum tipo de inveja, apenas o sentimento de gratidão e amor. Obrigada por todas as sementes semeadas Irmã Lourdes Dill, todas geraram frutos e fizeram dessa Feicoop um sucesso!” Cezar afirma ainda que “o maior aprendizado para mim é de que a Irmã Lourdes Dill é uma pessoa à frente de seu tempo, alguém capaz de semear somente o bem e fazer-nos acreditar que sim, um outro mundo já acontece!”

Leonardo da Rocha Botega, professor da Universidade Federal de Santa Maria e militante sindical vinculado à Sedufsm avalia que a 28ª Feicoop “foi uma afirmação da vida e um símbolo de resistência”. Para ele, os interesses de grupos políticos e econômicos interessados no fracasso da feira – e o afastamento forçado de Irmã Lourdes seria o ponto culminante desse movimento – foram frustrados. “A saída da Irmã Lourdes foi parte desse trabalho mesquinho, mas ela é maior do que esses interesses.”

“Não há como separar a Irmã Lourdes da Feicoop. Ela estava lá! Em cada stand, em cada expositor, em cada atividade. Até na sua ausência ela fez a Feicoop pulsar. Era por ela que muita gente esteve por lá. Era uma forma de homenagem e retribuição ao que ela fez e faz: transforma afeto em economia”, conclui Botega.

* Com informações da Assessoria de Comunicação da Feicoop e jornalista Maiquel Rosauro.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko