Covid-19

Dose de reforço fracionada pode multiplicar a oferta de vacina, diz Julio Croda, da Fiocruz

Atualmente, Fiocruz e Instituto Sabin realizam estudo para avaliar se fracionamento é possível

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No passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou o fracionamento de imunizantes contra pólio e febre amarela - Tânia Rêgo / Agência Brasil
A contribuição, em termos de saúde pública, é garantir o maior número de doses para a população

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Sabin de Vacinas, irá estudar se doses de reforço fracionadas têm a mesma resposta imunológica contra a covid-19 e menos reações adversas.

"Com a pandemia, houve uma pressão muito grande por um imunizante que fosse eficaz. Estávamos numa situação em que não poderíamos correr o risco de falhar. Mas estamos num momento agora em que temos a oportunidade de otimizar essa dose", afirma Denise Garrett, vice-presidente de Epidemiologia Aplicada do Instituto Sabin de Vacinas.

Como será o estudo? 

Para o estudo, o Instituto Sabin de Vacinas escolheu dois países: Brasil e Paquistão. Em cada um, 1.440 participantes serão divididos em grupos para receber doses distintas de diferentes imunizantes. Serão as vacinas Pfizer (dose cheia, metade ou um terço), AstraZeneca (dose cheia ou meia) e CoronaVac (dose cheia).

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No total, os participantes serão demandados pelo menos quatro vezes. Na primeira vez, receberão a aplicação do reforço vacinal. Depois, serão chamados novamente em 28 dias, três meses e depois em seis meses, sendo essas últimas três vezes para a coleta de sangue para avaliar a resposta imunológica.

"O principal desfecho é após 28 dias, quando a gente quer observar um aumento de anticorpos neutralizantes ou aumento de resposta celular entre os diferentes grupos para avaliar se existem diferenças em quem tomou dose fracionada de Pfizer ou dose fracionada de AstraZeneca, por exemplo", afirma Julio Croda, pesquisador da Fiocruz do Mato Grosso do Sul e professor da Yale School of Public Health.

Croda explica que existirão grupos de controle que receberão as doses inteiras das vacinas da Pfizer, AstraZeneca e CoronaVac. Com isso, será possível "comparar se a resposta é pelo menos similar em quem tomar a dose de reforço da Pfizer (dose inteira e fracionada) e da AstraZeneca (dose inteira e fracionada). A gente não vai fazer dose fracionada de CoronaVac, será somente o controle com dose inteira. A gente vai poder dizer se no futuro a dose fracionada pode ser ofertada para população porque produz uma mesma resposta".

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No Brasil, o estudo será conduzido em Campo Grande, em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Secretaria Municipal de Saúde. Julio Croda explica que será realizada uma busca ativa por pessoas que ainda não tomaram a dose de reforço para participarem do estudo. "Se a gente consegue abordá-los no domicílio, pode conversar, explicar do que se trata o projeto, os benefícios da vacina", contou o pesquisador.

Segundo Croda, a aplicação de uma dose de reforço inteira ocorre hoje "porque os estudos iniciais mostraram que essa dose inteira produz uma resposta imune extremamente elevada e com poucos eventos adversos".

Denise Garrett complementa Croda e explica que, "no desenvolvimento das vacinas, a dose é determinada logo nos estágios iniciais, equilibrando-se a eficácia com os possíveis efeitos colaterais, até chegar a uma dose eficaz com o mínimo possível de efeitos colaterais".

Acesso mais igualitário às vacinas

A aplicação de doses fracionadas no lugar de doses completas possibilitaria multiplicar a oferta de vacinas e diminuir o custo da imunização das populações ao redor do mundo. Segundo o Instituto Sabin, cerca de 17% da população dos países de baixa renda completaram o esquema vacinal, ao passo que nos países de alta renda esse índice chega a 72%.

"A contribuição, em termos de saúde pública, é garantir o maior número de doses para população mundial. Nesse momento, existe ainda dificuldade de oferta principalmente em alguns países da África", afirma Croda. Nesse sentido, a contribuição também ocorre ao diminuir o custo de produção do imunizante. "Com uma dose fracionada, o custo reduz pela metade, o que é importante para garantir o acesso universal às vacinas." 

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Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) de fevereiro deste ano mostram que 14 países da América Latina e do Caribe não atingiram sequer 40% da cobertura vacinal, enquanto outros 14 países e territórios já imunizaram cerca de 70% da população. 

Por sua vez, dados da plataforma Our World in Data reunidos pela Fiocruz apontam para uma estagnação da vacinação no Brasil, Estados Unidos, Tailândia, Alemanha e França em 62% da população imunizada. Turquia, México, Indonésia e Índia apresentaram estagnação com aproximadamente 57% da população vacinada.

O estudo tem um período curto para ser realizado, "justamente para poder gerar uma resposta rápida". Isso também irá ajudar a "beneficiar mais outros países [que têm oferta menor de vacinas] do que o Brasil, especialmente os países mais pobres, no sentido de entender se a dose fracionada é viável", concluiu Croda.

Histórico de fracionamento 

A prática não é uma novidade. No passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou o fracionamento de imunizantes contra pólio e febre amarela para suprir a escassez das vacinas.

No Brasil, um estudo feito no município de Viana, no estado de Espírito Santo em dezembro do ano passado, mostrou que a aplicação de meia dose de AstraZeneca estimulou uma resposta imunológica contra a covid-19 em 99,8% dos participantes.

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"Comprovada a efetividade da aplicação da meia dose, as autoridades sanitárias do Brasil e do mundo têm evidência científica para dobarem a capacidade de imunização com a vacina da Fiocruz. Sabemos que, em muitas regiões mais pobres do mundo, o alcance da vacinação tem sido mais limitado. E nos locais com mais acesso ao produto, a oferta de doses de reforço também poderá ser aumentada", afirmou Valéria Valim, coordenadora científica do estudo ao G1, na época.

O estudo, que fez parte do projeto "Viana Vacinada", foi realizado em parceria entre o governo do Espírito Santo, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e a Fiocruz.

Edição: Nicolau Soares