Violência policial

Polícia dos EUA aterroriza pessoas por todo o país; ativistas dizem que não é algo novo

Incidentes em julho indicam falta de prudência e de responsabilização da polícia estadunidense, levando a fatalidades

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Movimentos de massa nos EUA questionaram a militarização e o superfinanciamento dos departamentos de polícia. - Peoples Dispatch

Ao longo do mês de julho, a polícia dos Estados Unidos tem realizado inúmeros atos violentos contra seus próprios cidadãos. Apenas este mês, policiais do país mataram pelo menos 52 pessoas. A divulgação de gravações de segurança para a mídia estadunidense expôs ainda mais a negligência policial na resposta dada ao massacre ocorrido na cidade de Uvalde, Texas.

Vídeos em redes sociais mostram a brutalidade da polícia de Akron, no estado de Ohio, direcionada a pessoas que protestavam contra o assassinato cometido pela polícia do jovem Jayland Walker. Alguns dos manifestantes eram familiares de outras vítimas da violência do Estado.

Ainda assim, muitos ativistas ressaltam que a polícia dos Estados Unidos frequentemente estrutura suas declarações oficiais de modo a esconder irregularidades. Por exemplo, quando a força policial reconhece um assassinato cometido por seu efetivo, eles o classificam como “tiroteio com policial envolvido”. Muitas vezes, a mídia regurgita essa mesma linha política, usando a voz passiva para obscurecer a autoria do assassinato e a identidade da vítima. “Polícia da cidade de Anchorage investiga tiroteio com policial envolvido no Centennial Park”, lê-se numa manchete após um oficial ter aberto fogo contra um acampamento de pessoas em situação de rua no Alaska. “Reveladas as identidades dos três oficiais envolvidos em tiroteio”, diz outra manchete sobre dois soldados e um policial que atiraram e mataram um homem armado apenas com uma faca.

Até mesmo descobrir as identidades das vítimas do terror policial, por meio da aplicação da lei, pode ser difícil. Das 52 pessoas assassinadas pela polícia em julho deste ano nos Estados Unidos, 15 são classificadas como “não identificadas”.

Portanto, continua a ser importante acompanhar a miríade de incidentes envolvendo violência de Estado que atormenta o povo estadunidense, particularmente pelo fato de a polícia se esforçar ao máximo para manter seus crimes fora das manchetes.

Policiais atiram nas costas de Robert Adams enquanto ele fugia

Em 16 de julho, por volta das 20h no horário local, a polícia respondeu a relatos de um homem armado em um estacionamento na cidade de San Bernardino, Califórnia. Oficiais entraram no estacionamento usando um carro sem identificação e, ao verem Robert Marquise Adams com uma arma na mão, saíram do veículo e correram em direção ao rapaz com as armas apontadas diretamente para ele.

Robert não utilizou sua arma contra os policiais. Permanecerá para sempre a dúvida se ele sabia que os homens que corriam em sua direção eram policiais ou se pensou que eram civis com a intenção de matá-lo. Um vídeo gravado por uma câmera de segurança mostra Robert correndo por sua vida antes dos policiais atirarem várias vezes em suas costas, matando-o.

Sobre o assassinato, a Polícia de San Bernardino declarou que “Os oficiais rapidamente perseguiram [Robert Marquise] Adams. Porém, ao constatarem que ele não tinha saída, os oficiais acreditaram que Adams fosse usar o veículo como cobertura para atirar contra os agentes de segurança... Temendo que a vida dos transeuntes ou policiais estivesse em risco, um deles atirou, atingindo Adams”.

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O vídeo deixa claro que apenas alguns segundos separaram o momento em que os policiais saem do carro e o assassinato de Robert, o que lhe deu pouco tempo para fazer algo além de correr para se salvar. Também é importante notar que a polícia dos Estados Unidos tem acesso a várias armas não letais que podem ser utilizadas para conter alguém durante uma ação, caso das armas taser. Ativistas questionam o porquê de a primeira resposta dos policiais de San Bernardino a alguém correndo na direção oposta à deles ter sido vários tiros em órgãos vitais.

Cristian Alcaraz, um ativista na área de Los Angeles, disse ao Peoples Dispatch: “Eu acho que o assassinato de Robert Adams é como muitos ataques cometidos pela polícia do Condado de Los Angeles e cercanias: execuções sumárias de pessoas negras”.

“A polícia estacionou um carro não identificado, foi atrás dele com armas em punho e então o atacou. Robert correu da situação perigosa que os policiais criaram para ele como qualquer pessoa faria em seu lugar. Não havia nenhum perigo lá até a chegada dos oficiais, e Robert foi punido por ousar fugir de homens não identificados e armados correndo atrás dele”, disse Alcaraz.

Em resposta, a polícia de San Bernardino fez pouca referência direta a Robert Adams como uma pessoa. “É lamentável que nossos esforços para manter a comunidade segura por meio de trabalho policial proativo ocasionalmente resultem em encontros com criminosos armados”, declarou.

Polícia da cidade de Albuquerque mata criança em incêndio

Em 6 de julho, o Departamento de Polícia de Albuquerque (APD, na sigla em inglês), cidade no estado do Novo México, matou Brett Rosenau, de 15 anos, durante um “impasse” de uma equipe das Armas e Táticas Especiais, unidade policial especializada conhecida em inglês pela sigla SWAT. A ação causou um incêndio de uma casa de família.

O APD alega que estava perseguindo um homem de 27 anos, Qiaunt Kelley, por vários crimes, incluindo violação de condicional. Durante a perseguição, Kelley se refugiou na casa de Sundra Coleman, onde também estava Brett, que era totalmente inocente. A declaração do APD divulgada após o incidente revela que eles sabiam que Brett estava dentro da casa quando atiraram cilindros de gás lacrimogêneo no local, causando o incêndio que matou o adolescente. A autópsia revelou que Brett morreu devido à inalação de fumaça.

“Kelley fugiu dos detetives e se barricou dentro da casa. Um segundo indivíduo, posteriormente identificado como [Brett] Rosenau, acompanhou Kelley para dentro do local”, afirma a declaração da polícia.

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O comunicado segue: “Em certo momento, um homem, que acredita-se ter sido Kelley, abriu a porta dos fundos da casa e deitou-se de costas enquanto os oficiais monitoravam suas ações. Ele ignorou os comandos dos policiais para que se levantasse; depois, ele finalmente se sentou. Os oficiais usaram uma bomba de efeito moral para fazer com que Kelley atendesse aos comandos, mas ele recuou para dentro de casa, fechando a porta”.

Os oficiais não se moveram para prender Kelley, ainda que ele estivesse deitado no chão.

A polícia também afirmou que o gás lacrimogêneo e outros compostos irritantes químicos que usaram para atrair Kelley para fora da casa foram “desenvolvidos para uso em locais fechados com o intuito de minimizar as chances de iniciar um incêndio, e nenhum incidente do tipo foi reportado ao longo dos últimos anos nos quais foram usados em Albuquerque”. Mesmo assim, cilindros de gás lacrimogêneo causaram incêndios em inúmeras ocasiões. Segundo ativistas, é preocupante que o APD pareça desconhecer os riscos de seu próprio armamento.

A coisa mais louca nesta matéria é que ela cita extensivamente os policiais, e essas citações revelam que eles deliberadamente queimaram uma criança inocente até a morte.

O braço do Partido pelo Socialismo e Libertação em Albuquerque declarou que “Em 7 de julho, Brett Rosenau, de 15 anos de idade, foi assassinado por oficiais do Departamento de Polícia de Albuquerque usando um mandado de prisão fraudulento para lançar um ataque racista total contra uma residência familiar”.

“Policiais do APD atiraram, desnecessariamente, cilindros de gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral dentro da casa a cada 30 minutos por 5 horas e meia iniciando um incêndio catastrófico. Então, esperaram 40 minutos antes de pedirem assistência do Corpo de Bombeiros de Albuquerque”, complementou a declaração. “Devido ao inferno que resultou da agressão do ADP, Brett morreu por inalação de fumaça e a casa da família foi destruída”.

Brett estava visitando o filho de Sundra Coleman quando a incursão da equipe da SWAT começou. Coleman perdeu no incêndio a casa da família, herdada de sua mãe, e um de seus cães.

“Se qualquer de nossas ações contribuíram, inadvertidamente, para a morte [de Brett Rosenau], nós iremos tomar as medidas cabíveis para assegurar que isso nunca mais ocorra”, disse o diretor do APD, Harold Medina.

Negligência de policiais em Uvalde é totalmente revelada

Em 24 de maio, um atirador abriu fogo em uma sala de aula do ensino fundamental na cidade de Uvalde, no Texas, matando 19 crianças e duas professoras. Logo após o ataque, o Peoples Dispatch cobriu a inaptidão da polícia de Uvalde, que esperou mais de uma hora para capturar o atirador enquanto crianças eram baleadas e sangravam dentro das salas de aula adjacentes. Mas uma reportagem de 17 de julho compartilhada com o jornal Texas Tribune, bem como gravações de câmeras de segurança repassadas ao Austin Statesman no começo deste mês, revelaram a extensão mais profunda da negligência policial fatal.

A princípio, pensou-se que 19 policiais haviam se deslocado à escola, mas o novo relatório trouxe à tona o número de 376 policiais. Apesar desse alto número, os vídeos mostram que após chegarem ao local, os policiais demoraram uma hora e catorze minutos até finalmente invadirem a sala de aula e matarem o atirador.

Em dado momento, vários policiais que haviam se aglomerada no hall do lado de fora da sala de aula correram dos tiros, a despeito de estarem protegidos com equipamento tático e carregarem armamento pesado. Frames dos vídeos circularam nas redes sociais, principalmente os que mostram os policiais deliberadamente demorando no hall da escola por estarem checando algo em seus celulares ou usando álcool em gel nas mãos enquanto as crianças se encolhiam ou sangravam dentro da sala.

A maioria das vítimas de arma de fogo morre por hemorragia. Portanto, nestes casos o tempo é essencial. Um manual de treinamento utilizado pela polícia de Uvalde enfatiza que “Um socorrista que não esteja disposto a colocar a vida dos inocentes acima de sua própria segurança deve considerar outra carreira”.

Policial de Uvalde verifica o telefone com o fundo de tela xom a caveira de o Justiceiro [personagem anti-heroi de historias em quadrinhos] enquanto crianças eram assassinadas a alguns cômodos dali. Eu fico me perguntando: por que a polícia de Uvalde achou esta gravação seria embaraçosa?

Imediatamente após o ataque, o governador do Texas, Greg Abbot, alegou que “[A polícia] mostrou incrível coragem ao correr na direção dos tiros”. O diretor do Departamento de Segurança Pública do Texas, Steve McCraw, afirmou que os policiais “invadiram imediatamente [a sala de aula], porque nós, como oficiais, sabemos que cada segundo vale uma vida”. Ambas as declarações foram reveladas como mentiras.

Familiares de vítimas da brutalidade policial são presos em Akron

O Peoples Dispatch já havia coberto os protestos em Akron, Ohio, em resposta ao horrível assassinato de Jayland Walker por oficiais e a subsequente repressão policial a essas manifestações.

A população de Akron se levantou no início deste mês em indignação com o ataque a Jayland, baleado mais de 60 vezes pela polícia. Em 4 de julho, feriado patriótico nos Estados Unidos, cerca de 50 pessoas foram presas em um protesto depois que o prefeito declarou toque de recolher a partir das 21h. A polícia utilizou armas químicas como gás lacrimogêneo contra os manifestantes.

Quando as pessoas novamente foram às ruas na quinta-feira, 7 de julho, a polícia mais uma vez prendeu e usou de violência contra os protestantes. Naquela noite, dentre os presos estava Jacob Blake Sr., pai de Jacob Blake, que ficou paraplégico após a polícia de Kenosha, no estado do Wisconsin, atirar nele. Também foi presa Bianca Austin, tia da técnica em enfermagem Breonna Taylor, morta a tiros enquanto dormia em sua casa na cidade de Louisville, estado do Kentucky, durante mandado policial sem notificação prévia.

Jacob Blake Sr., que possui vários problemas de saúde, foi hospitalizado após a prisão. Ele foi acusado de causar tumulto, resistir à prisão, não obedecer a ordem para dispersar e manter conduta desordenada. O irmão de Blake Sr., Justin Blake, disse ao The Journal Times que “Eles estavam lá para unir a comunidade e família para conseguir justiça, mas foram atacados... Ele não resistiu à prisão. Ele estava encostado na cerca para descansar. Ele é deficiente”.

Polícia de Denver leva a cabo massacre

Em 17 de julho, a polícia de Denver abriu fogo numa rua movimentada sem que o motivo se justificasse. A ação feriu seis pessoas. Policiais alegaram que estavam reagindo a uma suposta briga perpetrada por Jordan Waddy, de 21 anos, que teria sacado uma arma de fogo e a apontado para os policiais. Em resposta, a polícia atirou. Ainda que a polícia tenha alegado, posteriormente, que Waddy “representava uma ameaça significativa”, não há evidências de que ele utilizou sua arma durante o incidente.

Esse ataque é um dos três perpetrados pela polícia de Denver em apenas uma semana, tendo os outros dois ataques resultado na morte das pessoas atingidas pelos oficiais.

Nos Estados Unidos, a polícia recebe do governo federal um vasto arsenal de sobras de equipamentos militares, sendo as Forças Armadas do país a maior do mundo. Ainda assim, incidente após incidente indica que a polícia não possui a necessária responsabilidade para empunhar armas letais, o que frequentemente tem como resultado consequências desastrosas. Quando se faz de fato necessário usar força letal, como no caso de Uvalde, a polícia demonstra hesitação.

Movimentos populares no país têm questionado a militarização e superfinanciamento dos departamentos de polícia. À medida que mais e mais incidentes de brutalidade e negligência policial são relatados, perguntas quanto ao papel da polícia também tendem a aumentar.

Até agora, a polícia dos Estados Unidos matou pelo menos 52 pessoas apenas no mês de julho. Estes são seus nomes:

Robert Marquise Adams, 23, San Bernardino, Califórnia

Não identificado, Chandler, Arizona

John Todd Bigham, 53, Amarillo, Texas

James Robert Frazier, 50, Georgetown, Carolina do Sul

Não identificado, Denver, Colorado

Stephen Blossom, 35, Newport, Maine

Não identificado, Vinton, Texas

Trent William Millsap, 27, Westminster, Califórnia

Maurice Hughes, 45, Hattiesburg, Mississippi

Não identificado, Modesto, Califórnia

Matthew Hyde, Hollywood, Flórida

Não identificado, Ontário, Califórnia

Não identificado, Denver Colorado

Não identificado, Condado de Hancock, Illinois

Não identificado, Salinas, Califórnia

Romayne Manuel, 31, Grand Prairie, Texas

Não identificado, Condado de Harris, Texas

Malachi Lavar Carroll, 20, Condado de Henrico, Virgínia

Não identificado, Salem, Oregon

Andrew Tekle Sundberg, 20, Minneapolis, Minnesota

Mark Evers, 65, município de Clearcreek, Ohio

Thomas Cromwell, 27, Mason, Ohio

Madeline Miller, 64, Flossmoor, Illinois

Dillon Walker, 31, Cave City, Kentucky

Malik Williams, Nova York, Nova York

Raoul Hardy, 60, Nova York, Nova York

Não identificado, Colorado Springs, Colorado

Jaime Rodriguez, 42, Long Beach, Califórnia

Roderick Brooks, 47, Houston, Texas

Shane Netterville, 28, Fargo, Dakota do Norte

Rafael Estevan Ramirez, 26, Marietta, Geórgia

Felipe Guerrero, 36, Los Angeles, Califórnia

Jasper Aaron Lynch, 26, Mclean, Virgínia

Ehmani Mack Davis, 19, Detroit, Michigan

Jerry Lee Esparza, Beeville, Texas

Matthew Scott Jones, 36, Bradley, Virgínia Ocidental

Chanin Emil Mayfield, 32, Toccoa, Geórgia

Reginald Humphrey, 31, Los Angeles, Califórnia

Juan Carlos Bojorquez, 15, Glendale, Arizona

Trevon Darion Hull, 21, Port Neches, Texas

Não identificado, Condado de Martin, Kentucky

Não identificado, Wilmington, Califórnia

Miguel Gallarzo, 46, Las Vegas, Nevada

James Parks, 44, Warner Robins, Geórgia

Glenn Nisich, 57, Sioux Falls, Dakota do Sul

Bryan Humble, 63, Chaparral, Novo México

Não identificado, Denver, Colorado

Michael Moore, 75, Sacramento, Califórnia

Não identificado, 30, Huntington Park, Califórnia

Jesus Rodolfo Torres, 30, Los Angeles, Califórnia

Jada Johnson, 22, Fayetteville, Carolina do Norte

Brett Rosenau,15, Albuquerque, Novo México