Eleições 2022

Presidenciável do PCB, Sofia Manzano quer usar pleito para expor as "mazelas do capitalismo"

Economista, confirmada como candidata neste sábado, explica por que comunistas não apoiam Lula no primeiro turno

São Paulo | SP |
Aos 50 anos, a economista Sofia Manzano será a representante dos comunistas na corrida eleitoral pelo Palácio do Planalto - Foto: @leo_zanini

Após um hiato de oito anos, o PCB voltará, em 2022, a disputar a presidência da República. Aos 50 anos, a economista Sofia Manzano será a representante dos comunistas na corrida eleitoral pelo Palácio do Planalto. Seu nome foi confirmado na convenção eleitoral do partido, em São Paulo, neste sábado (30). O jornalista Antônio Alves é o vice da chapa.

Em 2014, Manzano foi vice, na chapa do PCB, encabeçada por Mauro Iasi. Os comunistas conquistaram 47.845 votos, 0,05% do eleitorado brasileiro, resultado que não provoca aspiração de vitória.

No entanto, a economista marca sua posição para além dos votos e afirma estar confiante para enfrentar o debate público e ansiosa para a recepção ao discurso dos comunistas, no Brasil pós-eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

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"Estou otimista com relação à reorganização da classe trabalhadora, urbana e rural, para construir o poder popular, para além das disputas institucionais", afirmou Manzano, em entrevista ao Brasil de Fato.

A opção por não aderir à campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda no primeiro turno, foi justificada pela comunista. "As alianças da candidatura do Lula foram muito mais no campo da direita do que na esquerda". Mas, em um eventual segundo turno, Manzano não esconde sua aversão ao atual presidente..

"Há muito tempo, já decidimos que a prioridade número um no país é derrotar o Bolsonaro. O PCB não é irresponsável de, neste momento crítico da política brasileira, apresentar uma perspectiva isenta", explica.

Confira na íntegra a entrevista com Sofia Manzano:

Brasil de Fato: Como sua história se relaciona com as pautas que você defende?

Sofia Manzano: Eu nasci e cresci em uma família de esquerda, apesar de não terem sido militantes organizados, meus pais foram estudantes da USP no final dos anos 1960, então lutaram contra a ditadura, como estudantes. Em casa, sempre houve muito debate, com amigos e conosco, somos cinco filhos, havia muita conversa.

Sempre tivemos uma educação política bastante avançada, em comparação ao restante da população. Em 1982, eu tinha 11 anos, e na cidade onde morava, meus pais nos levaram para ver o comício do Lula, que foi em cima de uma carroceria de caminhão, na praça, e estava chovendo. Mas era importante estar lá e apoiar, ainda era ditadura.

Em 1989, eu já morava em São Paulo, com meus irmãos, onde continuamos nossos estudos, e me engajei na campanha do PCB para presidência da República naquele momento, era o que meus pais falavam, que a sociedade precisava avançar para o socialismo e comunismo, porque o capitalismo já demonstrava suas misérias. Eu entrei para o PCB em 1989 e participei de todo o processo que resultou no racha com o PPS na época, em 1992.

Participei em 1993, no processo que culminou da UJC, a União da Juventude Comunista e a partir dos anos 2000, eu também já fui trabalhar e a participação passou a ser ao movimento sindical, primeiro em São Paulo, onde morava e, depois, na Bahia, onde vivo hoje.

O que significa o comunismo para a senhora e o que falta para a sociedade chegar ao caminho do comunismo?

Em primeiro lugar, temos que entender que o comunismo almeja uma sociedade sem classe social e sem forma de opressão dos seres humanos. Para isso, tem que ser um processo longo e revolucionário.

O que precisamos entender é que o comunismo não é apenas um processo que um grupo de pessoas defendem, sem relação com a realidade atual. O comunismo é uma necessidade, porque nós vivemos, no capitalismo, uma sociedade que produz e reproduz as piores formas de degradação humana e ambiental.

Isso, tem que ser superado, se quisermos continuar existindo humanamente. Então, a necessidade de superar o capitalismo é essencial hoje. Por isso, a luta anticapitalismo é imediata. A revolução socialista, e o socialismo é um caminho para o comunismo, deve ser encampada pelo maior número possível de trabalhadores e trabalhadoras, no sentido de apresentarmos uma alternativa generosa para a humanidade. O capitalismo não tem mais possibilidades, só nos apresenta uma segregação cada vez maior.

Como fazer para que essa ideia seja encampada pela população? Hoje, até mesmo na esquerda, a maioria não acredita mais nesse caminho.

Temos que mostrar para a classe trabalhadora que as suas mazelas são culpa do capitalismo. Quando você conversa com a classe trabalhadora, na porta da fábrica, como  eu estava ontem na porta da Usiminas, dizendo para eles que a jornada absurda de trabalho, com turnos horrorosos, cumprimentando pessoas mutiladas, é culpa do capitalismo...

Muitas vezes eles dizem que não dá para acabar com o capitalismo, porque o patrão não vai ceder. Não, é a organização popular, da classe trabalhadora, que vai obrigar os patrões e empresários a ceder direitos trabalhistas, sociais e políticos. Nos organizando é que vamos conseguir superar. Resumidamente, a forma que vamos apresentar a superação do capitalismo é escancarando as contradições que a classe trabalhadora vive no capitalismo. 

No seu programa de governo, quais propostas se aproximam desse ideal?

Diversas questões, a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução salarial, por exemplo. Inicialmente, as pessoas pensam que essa nem é uma proposta revolucionária.

Ela é, na medida que ganha corações e mentes da classe trabalhadora, especialmente a juventude, que demonstra que é possível se organizar e lutar, sem esperar que a sociedade se torne comunista, pela redução de jornada de trabalho sem redução salarial, porque o grau de produção de riqueza que temos no Brasil é suficiente para que essa jornada seja reduzida, permitindo que mais gente seja inserida no mercado do trabalho.

Outro elemento importante da defesa da redução da jornada de trabalho é que a classe trabalhadora saia da defensiva que estamos na última década e partamos para a ofensiva. Colocamos na pauta da luta dos trabalhadores o que nós queremos e os patrões terão que ir para a defensiva.

Quais outras pautas a senhora citaria….

Outra pauta, uma reforma agrária popular e radical, que enfrente o agronegócio, não apenas uma política de assentamento rural que conviva com o agronegócio. O agronegócio é o setor da burguesia que comanda a política e a econômica no nosso país, além de ser o setor que provoca a maior destruição ambiental desse país.

Então, qualquer governo que pense na emancipação da população brasileira, precisa enfrentar o agronegócio.

Como funcionaria a Lei de Responsabilidade Social, que substituiria a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Essa é uma proposta bem técnica, não tem nada de revolucionária, mas é importante. A Lei de Responsabilidade Fiscal limita o uso do orçamento público já aprovado, para a extensão dos serviços públicos sociais, principalmente na contratação, através de concursos públicos, de servidores.

Então, a nossa proposta é acabar com essa lei e criarmos uma Lei de Responsabilidade Social que obriga municípios, estados e governo federal a utilizar os recursos orçamentários, portanto os recursos que vem dos tributos, 100% no setor público e estatal, sem transferência para o setor privado, eliminando as terceirizações e concessões de equipamentos públicos da saúde, educação e assistência social para as chamadas Organizações Sociais.

A senhora já comentou que os governos petistas não fizeram as mudanças profundas que o país precisava. Por outro lado, a senhora também tem feito críticas contundentes ao presidente Jair Bolsonaro. Em um eventual segundo turno, quem a senhora apoiará? Caso apoie o Lula, fará alguma exigência?

O partido e minha pré-candidatura tomamos as decisões em conjunto. Nós ainda não tomamos a decisão sobre o segundo turno, mas há muito tempo já decidimos que a prioridade número um no país é derrotar o Bolsonaro.

O PCB não é irresponsável de, neste momento crítico da política brasileira, apresentar uma perspectiva isenta ou de voto nulo, isso de forma alguma. Seremos responsáveis com o destino do país, como temos sido há muito tempo e não faremos exigências.

O PCB, o PCO e o PSTU não entraram na candidatura do presidente Lula como outros partidos. Por quê esses partidos não apoiaram neste momento? Não seria importante o apoio no primeiro turno, já que retirar o Bolsonaro é prioridade?

Em primeiro lugar, o PCB, PCO, PSOL, UP e PSTU estiveram nas ruas contra Bolsonaro desde o primeiro momento. Nós queríamos derrotar Bolsonaro antes do processo eleitoral, em momento algum estivemos pacíficos em relação ao bolsonarismo.

Em segundo lugar, as alianças da candidatura do Lula foram muito mais no campo da direita do que na esquerda.

Então, acreditamos que esse momento eleitoral é importante para dialogar com a classe trabalhadora. Caso o Bolsonaro seja derrotado, se não houver organização da classe trabalhadora, seremos dominados pela direita novamente, independente de quem ganhe, Lula, Ciro, eu, Vera Lúcia (PSTU) ou Leonardo Péricles (UP).

O PCB não ocupa cargos públicos no legislativo ou executivo. Há algo diferente sendo feito neste ano ou esse cenário deve se manter?

Em primeiro lugar, o PCB não vê a eleição como única forma de participação política. Segundo, não é verdade que a gente não ocupa nenhum cargo legislativo ou executivo, hoje nós temos o primeiro suplente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ficamos em segundo lugar na disputa pela prefeitura de Ipatinga…

Nenhum titular…

Não, não tem. Mas assim, hoje as pessoas só enxergam a política como a política institucional.

Enfim, a política se dá nos mais diversos espaços de confrontos da classe trabalhadora com a dominante. Mas esperamos, sim, eleger.

Nós não abrimos mão de nossos princípios programáticos para eleger a qualquer custo, pagamos o preço por isso. Também tem o fato da imprensa não dar espaço para candidaturas comunistas, como oferece para outras candidaturas.

Edição: Rodrigo Durão Coelho