Xadrez geopolítico

Entenda os motivos da recente escalada de violência entre China e Taiwan

Pequim estendeu por 1 mês operativo militar em torno da ilha; Taipei reiniciou exercícios armados por "possível invasão"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O governo de Taiwan voltou a realizar exercícios militares com fogo real afirmando preparar-se para uma possível invasão da China - Sam Yeh / AFP

As relações entre China e Taiwan atingem um novo momento crítico e uma escalada de ameaças desde o início do mês, com a visita da presidenta da Câmara de Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a Taipei. O governo da ilha reiniciou exercícios militares com fogo real, na última terça (9), alegando que o treinamento do exército chinês em seis pontos ao redor de Taiwan seriam o início de um processo de compressão do espaço estratégico ao redor da ilha. 

Lou Woei-jye, porta-voz do Exército de Taiwan, confirmou o início dos exercícios na região de Pingtung, ao sul da ilha.

Por sua parte, a China iniciou, em 2 de agosto, os maiores exercícios militares da história nos arredores de Taiwan, enviando aviões militares, sistemas anti-mísseis e testando artilharia de guerra. Após estender o operativo até 8 de setembro, o governo chinês mantem uma resposta firme, indicando que pode preparar um processo de reunificação com a força militar.

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"Para o bem-estar dos compatriotas de Taiwan, estamos dispostos a lutar pela perspectiva de uma reunificação pacífica com a máxima sinceridade e com os maiores esforços", disse Tan Kefei, porta-voz do Ministério da Defesa Nacional da China, na quarta-feira (9).

O porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin, também reiterou a disposição em avançar na reunificação chinesa, que até o momento acontecia de forma pacífica, com o prazo para finalizar-se em 2049, quando completam 100 anos da Revolução Popular da China. 

"Qualquer conspiração destinada a contrariar a tendência histórica e resistir à reunificação por meio das armas... terminará em fracasso, como um inseto que tenta parar uma carruagem", disse em declarações a meios locais.

O Ministério das Relações Exteriores da China voltou a criticar os Estados Unidos pela visita de Pelosi e seu apoio aos movimentos separatistas taiwaneses. Na última semana, Pequim aplicou sanções contra a líder do Partido Democrata estadunidense e contra organizações que promovem a independência da ilha.

Em resposta, o presidente Joe Biden promulgou uma lei que direciona US$ 52,7 milhões de incentivo à indústria nacional de tecnologia e mais US$ 200 bilhões a estudos científicos para a fabricação de semicondutores. Taiwan é o segundo maior produtor de semicondutores do mundo. A China afirma que a nova lei "protecionista" dos EUA irá desestabilizar o mercado mundial de peças para o segmento tecnológico.

"O lado dos EUA deve abandonar a ideia de 'usar Taiwan para conter a China' antes que seja tarde demais", disse Wang Wenbin. 

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Ainda que Taiwan reivindique sua independência em relação à China continental, a ilha é reconhecida como parte do território chinês pelas Nações Unidas desde 1967, sob o princípio de "Uma Só China: um país, dois sistemas". Em todo o planeta, 181 países têm relações diplomáticas com a República Popular China com base neste princípio, e apenas 15 nações reconhecem Taiwan como um Estado autônomo. 

Para a especialista em direito político e econômico, Melissa Cambuhy, a visita de Pelosi pode ser entendida como um ato de guerra, considerando que os EUA não ouviram as advertências de Pequim e violaram acordos assinados ao reestabelecer as relações diplomáticas na década de 1970.

"Parece que como mais uma tentativa de provocar e desestabilizar o país, é justamente essa a posição que os EUA almejavam colocar a China. Trata-se de violação da soberania e da integridade territorial chinesa,  intromissão, intervenção externa em questões domésticas chinesas e uma flagrante infração ao direito internacional e às relações internacionais", comenta Cambuhy ao Brasil de Fato.

A pesquisadora do Núcleo de Estudos Brasil-China da Faculdade Getúlio Vargas ainda analisa que após a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, e com o início da guerra na Ucrânia, o eixo da política exterior dos EUA se voltou ao continente euroasiático. 

"Imprescindível que tenhamos clareza de que diante da reascensão econômica, tecnológica, social e geopolítica chinesa o país se consolidou enquanto o único que atualmente de fato desafia a hegemonia estadunidense. Claramente se trata de uma tentativa de desestabilização, talvez orquestrada, que tenta levar a China ao limite buscando que o país não consiga resistir senão por uma saída bélica, com uso da força e do confronto", conclui. 

Além de vender armas a Taiwan, somente em 2022, o Pentágono enviou embarcações de guerra em quatro ocasiões para o Mar do Sul da China, por onde passam 80% das exportações chinesas.

Edição: Arturo Hartmann