ENTREVISTA

"Nosso isolamento é consequência das escolhas políticas do governo", diz pesquisador

Livro Política Externa Brasileira em Tempos de Isolamento Diplomático analisa o ano de 2021 da gestão de Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Diego Azzi é um dos autores e organizadores do terceiro livro de análise da política externa brasileira do Observatório da UFABC - OPEB

O Brasil deixou de ser a 6ª maior potência econômica mundial, além de um ator global que mediou Acordo Nuclear entre Estados Unidos e Irã, foi garantidor do Acordo de Paz na Colômbia e ocupou a direção da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), para tornar-se um "pária" internacional

O Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) da Universidade Federal do ABC Paulista lança, neste sábado (13), o terceiro volume analisando a gestão do Executivo em 2021. Nele, os pesquisadores comentam a atuação do Brasil no comércio internacional e sua inserção econômica, políticas para meio ambiente e clima, segurança e defesa e direitos humanos, além das relações bilaterais com os Estados Unidos, China, América Latina e África. 

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A derrota eleitoral de Donald Trump, nos EUA, em novembro de 2020, representou a queda do principal aliado ideológico de Jair Bolsonaro no cenário internacional. No entanto, a manutenção de uma política externa com base em valores de extrema direita romperam com a tradição de diplomacia de paz e de multilateralismo promovidos pelo Brasil.

O livro foi organizado por Ana Tereza Marra, Diego Azzi e Gilberto Rodrigues e tem posfácio de Antonio Cottas de Jesus Freitas, idealizador do Instituto Diplomacia para Democracia. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, Diego Araujo Azzi, sociólogo, professor de Relações Internacionais da UFABC e um dos organizadores do livro Política Externa, defende que as eleições de novembro podem mudar o direcionamento político do Palácio do Itamaraty. 

Brasil de Fato: Logo na introdução do livro vocês dizem que o que une os capítulos da obra é o isolamento internacional do Brasil. O que seria esse isolamento do ponto de vista diplomático? E por que chegamos aqui?

Diego Araujo Azzi: O termo isolamento não se refere a uma ausência de relações diplomáticas, mas sim, ao enfraquecimento da nossa influência no mundo. Ele resulta do acúmulo de posicionamentos equivocados do Brasil em relação a outros países e organizações internacionais nos últimos três anos. 

A situação mundial se deteriorou muito de 2019 para cá, agravada pela pandemia, pela crise ambiental e pela guerra, o que exigiria do Brasil uma orientação diplomática clara, pragmática e cooperativa na construção da paz, do desenvolvimento sustentável e do combate à pobreza. Mas já desde o início da gestão Ernesto Araújo à frente do Itamaraty existe uma confusão grande entre pragmatismo e ideologia, entre multilateralismo e antiglobalismo. O resultado é um descompasso entre discurso e prática da política externa brasileira em geral e da diplomacia presidencial em particular. 

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Com a chegada de Carlos França à chancelaria este descompasso se tornou mais discreto, mas é claro que as outras nações enxergam isso e a consequência das nossas posições contraditórias é a perda de credibilidade e confiança, pilares para qualquer política externa exitosa. O nosso isolamento é auto infligido, é consequência das próprias escolhas políticas do governo.

As políticas econômicas brasileiras atuais têm ido na contramão das tendências internacionais, deixando o país à margem de mudanças que estão em curso no cenário internacional. No campo da saúde e da propriedade intelectual em negociação na OMC, o Brasil tem se afastado de pleitos dos países em desenvolvimento — os quais até antes do governo Bolsonaro era protagonista em defender — para abraçar posições estranhas ao histórico da política externa brasileira. A recente reunião do presidente Bolsonaro com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral foi o episódio mais caricato dessa perda de credibilidade, mas foram muitos nos últimos três anos.


A recente reunião do presidente Bolsonaro com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eleitoral foi o episódio mais caricato dessa perda de credibilidade, mas foram muitos nos últimos três anos.

Com relação à China, fica evidente a falta de planejamento das relações bilaterais considerando a profunda interdependência econômica com o país asiático. Por sua parte, parceiros-chave como EUA, UE, China e Argentina têm mantido distanciamento calculado e aproximação pragmática com relação ao governo Bolsonaro. A imagem do presidente do Brasil escanteado durante a Cúpula de Chefes de Estado do G20, na Itália, ilustra perfeitamente a perda de relevância e aceitabilidade internacional do país, traço marcante do que chamamos no livro de isolamento diplomático. 


O ministro de Relações Exteriores Carlos França e o presidente Jair Bolsonaro durante celebração do Dia da Diplomacia, em abril deste ano, em Brasília / Evaristo Sa /AFP

Vocês abordam que as questões ambientais e suas interfaces tiveram centralidade nas prioridades políticas do governo Bolsonaro, mas de uma forma negativa. De que maneira isso influencia na imagem internacional do Brasil?

A política ambiental doméstica do Brasil tem sido desastrosa nos últimos três anos e isso já não é novidade para os outros países. Desde o início Bolsonaro apostou no alinhamento a política negacionista de Donald Trump com relação à crise climática e ambiental, ameaçando retirar o Brasil do Acordo de Paris e rompendo relações com o Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha. Os índices de desmatamento no país batem recordes todos os anos, em relação direta com o desmonte da institucionalidade pública de monitoramento, fiscalização e repressão a crimes ambientais. O ministério do meio ambiente, junto com IBAMA, FUNAI, ICMBio, INPE tiveram grande parte da sua capacidade de promover o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental desarticulada.  

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A crise climática vem se evidenciando cada vez mais diante de diversos acontecimentos pelo planeta, como incêndios florestais e ondas de calor intensas no hemisfério norte, e períodos de chuva e de seca no hemisfério sul. Como o agronegócio e os modelos de agricultura extensiva influenciam na emergência climática?

Quando falamos de meio-ambiente, biodiversidade, clima e agricultura estamos falando de temas integrados. O Brasil é um gigante nestes quatro aspectos e, por isso, tem naturalmente uma responsabilidade internacional importante.

Como mostramos no livro, a agropecuária extensiva e a agricultura corporativa são atividades que estão entre aquelas que mais contribuem para as mudanças climáticas. Os principais gases de efeito estufa (GEE), causadores do aquecimento global, são o dióxido de carbono (CO2), óxido nitroso (N20) e metano (CH4). Para se ter uma ideia, no Brasil mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa provém da agropecuária ou do desmatamento. A agropecuária, por si só, mesmo excluindo as emissões pelo desmatamento, ainda emite mais do que toda a indústria brasileira e o setor de transporte, somados. 

No Brasil mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa provém da agropecuária ou do desmatamento

Um modelo de desenvolvimento sustentável no Brasil necessitará recuperar políticas socioambientais para a agricultura familiar, a reforma agrária e a agroecologia como formas de repensar a ocupação e produção rural visando, inclusive, a segurança e soberania alimentar doméstica e não somente os mercados internacionais de exportação.  


"Mentiroso na cidade", movimentos populares protestaram contra presença de Bolsonaro na Cúpula das Américas, em Los Angeles, em junho deste ano / Mario Tama /AFP

O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do planeta. Os sistemas agroalimentares globais estão preparados para adequar sua estrutura produtiva a um modelo que respeite o meio ambiente?

Estamos falando de um mercado largamente privado de produção alimentar, no qual as corporações transnacionais da agroindústria têm apostado nas soluções de mercado como a Agricultura 4.0, as chamadas Soluções Baseadas na Natureza e outras soluções de alta tecnologia voltadas para a agricultura em grande escala. São propostas que, assim como ocorre com o mercado de créditos de carbono, estão mais voltadas a manter e expandir as estruturas de acumulação econômica do que em de fato repensar o modelo agroalimentar global em direção à sustentabilidade e à inclusão.

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A partir dos aportes de Josué de Castro, o Brasil foi um dos atores responsáveis por internacionalizar e politizar a questão da fome. Em 2022 voltamos ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas. O relatório apresentado este ano foi uma surpresa? Havia sinais de que isso estava em vias de acontecer?

É patente o aumento da fome no Brasil, e ele veio acompanhado do empobrecimento geral da população brasileira e da concentração da riqueza nos últimos anos. O relatório da ONU é mostra o resultado de um processo de retirada do Estado brasileiro de suas atribuições sociais, o resultado do desinvestimento público, do teto de gastos imposto desde o governo Michel Temer e de diversas reformas regressivas que vem retirando direitos da população durante o governo Bolsonaro. A pandemia apenas agravou e expôs os equívocos neoliberais que vêm sendo cometidos há anos no Brasil.  

Especial | Fome no Brasil  

As pesquisas eleitorais mostram uma rejeição de cerca de 50% para o atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Considerando um cenário em que ele não se reeleja, quais serão os desafios nas relações internacionais nas áreas de meio ambiente e clima para o próximo mandatário?

O Brasil pode voltar a ocupar o espaço singular de potência média que exerce um papel de liderança junto ao mundo em desenvolvimento e de mediação junto ao mundo desenvolvido. Pode voltar assim a protagonizar negociações internacionais e fóruns como o G20 com uma perspectiva própria sobre os desafios atuais.

Será preciso tocar em temas relevantes e sensíveis como terras indígenas, produção agropecuária, mineração, corte de madeira e garimpo. 

Edição: Arturo Hartmann e Michele de Mello