Esperança

Esperança é palavra comum entre multidão que compareceu em ato de Lula em São Paulo

Militantes de movimentos populares e partidos, intelectuais e pessoas comuns falam em recuperar direitos perdidos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Multidão presente em São Paulo deposita em Lula a esperança de retomar direitos perdidos - Ricardo Stuckert

O frio de 10º que caiu sobre São Paulo neste sábado (20) não foi suficiente para evitar que milhares de pessoas fossem ao histórico Vale do Anhangabaú para apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência da República. 

Militantes de movimentos populares, membros dos partidos aliados e pessoas de todos os tipos foram ao ato com o objetivo de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL) e com a esperança de que a gestão de Lula possa recuperar os direitos perdidos pela população durante os últimos anos. 

É o caso de Mel Lorenzotti, Secretaria de Juventude do PT de Taubaté. Ela ajudou a organizar a caravana de dois ônibus e uma van que transportou militantes da cidade pelos 130 km até a capital. 

“A gente tem que reunir muitas pessoas pra tirar o Bolsonaro do poder, em defesa da democracia. Porque do jeito que está indo o Brasil, ele está destruindo tudo. Todos os direitos de toda a população, principalmente dos mais pobres”, afirma. 

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“Lula é a esperança da gente ter um Brasil melhor de novo, voltar ao que era. Ter carne na mesa, comida no prato, uma educação de qualidade; Acesso ao sistema de saúde, porque o SUS está defasado. O pessoal mais rouba do que investe dinheiro. Então a importância de vir no ato é para eleger Lula presidente pra gente poder conquistar tudo que a gente perdeu durante esses anos”, conclui.


Mel Lorenzotti veio de Taubaté com mais dois ônibus e uma van com militantes para apoiar Lula / Pedro Stropasolas

Ela conta que a campanha em sua cidade tem sido difícil. “Taubaté é uma cidade com muitos apoiadores do Bolsonaro, então e meio difícil de dialogar, mas a gente não desiste não", sustenta.  

O momento, diz, é de "dialogar o máximo possível com a população”, para evitar que o pacote de bondades lançado pelo governo às vésperas do período eleitoral tenha o efeito desejado por Bolsonaro.  

“Tem muita gente que, não que seja ignorante, mas acredita que ele seja uma opção boa, mas na verdade, não é”, afirma. “Na época de eleição, ele diminui o valor da gasolina, aumenta o valor do auxílio, só que isso tem uma data pra terminar. As pessoas acabam acreditando nisso, e o nosso papel hoje é fazer mudar a cabeça das pessoas, fazer elas enxergarem que isso é por tempo determinado, e que a hora que a eleição passar, se ele for reeleito, vai acabar.” 

Com 28 anos, Mel nasceu em 1994. É a mesma idade do boné que Juarez Bispo Mateus usa no ato, guardado desde a segunda campanha presidencial de Lula. 

Ele conta que conheceu Lula em 1984, no final da Ditadura Militar, quando o então líder sindical foi até Campinas apoiar a chapa de oposição nas eleições do Sindicato dos Rodoviários da cidade, da qual Juarez fazia parte. Mais tarde, ele se tornaria o primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte da CUT (CNTT-CUT), criada em 1995. 

Juarez atuou em todas as campanhas de Lula desde 1986, quando ele foi eleito deputado Constituinte. “Nos orgulha muito, pois somos parte dessa história. E vamos com certeza fechar com chave de outro, elegendo Lula para presidente da República pra fazer a transformação que o país está precisando nesse momento. Não há outra alternativa”, defende.


“Nos orgulha muito, pois somos parte dessa história", diz Juarez Bispo Mateus, que acompanha a trajetória de Lula desde 1984 / Pedro Stropasolas

“A gente teve quatro mandatos de governo e, após o golpe contra a Dilma, veio a tragédia. Todo o retrocesso: reforma da previdência, reforma trabalhista, Emenda 95, e agora desemprego, fome e miséria", sustenta. "A esperança do povo é pelo menos voltar ao patamar que era na época do Lula. Com 4% de desempregados, pleno emprego, ProUni, Pronatec, oportunidade para os negros, as negras, e para toda a população”. 

A militância também tem peso histórico para Maria Regina Abreu, presidente do PCdoB de Cotia, na região oeste da Grande São Paulo. Histórico e geracional: ela fala com orgulho do filho Ricardo Abreu, membro da direção nacional do partido. “Ele está dentro do PCdoB desde os 16 anos, hoje ele tem 54”, conta. Ela mesmo diz que sempre foi próxima do partido, mas só começou mesmo a militar depois de se aposentar – foi administradora hospitalar, instrumentadora cirúrgica e professora de pessoas com deficiência auditiva. 


Presidente do PCdoB de Cotia, Maria Regina Abreu cobra melhores salários para professores e policiais de São Paulo / Pedro Stropasolas

Seu histórico como professora aumenta sua indignação com o momento atual do Brasil e de São Paulo. “Nós temos que derrotar o que está aí. O povo brasileiro merece uma vida digna, comida no prato, educação,que está terrível. Em São Paulo, a minha aposentadoria de professor não teve aumento. Eu recebia mil reais, tenho pedagogia e uma especialização. O salário tanto do policial quanto do professor no estado de São Paulo é uma indecência”, lamenta, declarando apoio também a Fernando Haddad (PT) para o governo do estado. 

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Ela lembra que Flávio Dino, seu ex-colega de partido e hoje no PSB, conseguiu pagar R$ 6 mil para os professores enquanto governador do Maranhão. “Em relação a São Paulo, o estado tem, vamos dizer, 10% da arrecadação. Ele conseguiu fazer hospital, fazer CEUs. Porque aqui com esse dinheiro não se faz?”. 

Indignação também é o sentimento que move um homem que caminha carregando um cartaz escrito à mão, com um desenho de um ônibus e os dizeres: "o auxílio não é a solução". Ele é Maizena do Busão, como pede para ser identificado, motorista de ônibus em São Paulo e filiado ao PT faz um ano. 

Ele resume seu sentimento sobre o ato em uma frase: “O Lula é a esperança do Brasil.” 


O motorista de ônibus Maizena do Busão, como fez questão de ser identificado, quer ser candidato a vereador em 2024 / Pero Stropasolas

“Como motorista, eu olho o dia a dia na rua e vejo a situação muito precária do povo hoje em dia com esse governo que está. Acabou com os empregos, é muito defasado. A inflação, o imposto muito alto. A população está sofrendo muito”, afirma.  

Com planos de sair candidato a vereador na próxima eleição, ele conta que decidiu se envolver na política quando viu a campanha eleitoral de 2020 e ficou revoltado com as "propostas bonitas" que enganavam a população. 

"Via o povo votando naqueles candidatos formado, que tem faculdade, que tem direito, enganando a população. O povo caindo na cilada deles, nas palavras e depois não fazem a obrigação deles, depois que se elegem. E o povo fica sofrendo porque não tem emprego, não tem saúde. A gente vai num hospital público hoje em dia e fica 7 horas na fila pra ser atendido, porque não tem médico”, indigna-se. 

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Max Alexandre vendia bandeiras, faixas e capas de chuva no espaço do ato – segundo ele, com muito sucesso: “está maravilhoso, estou conseguindo ganhar o dinheirinho do pão de cada dia hoje”. 

No entanto, esse não é o único motivo para estar presente. “Apoio o Lula”, afirma. Morador do Itaim Paulista, no extremo Leste da cidade – 35 km ou 1h30 de ônibus distante do Vale do Anhangabaú –, ele diz que o ex-presidente foi o único político que conheceu que trouxe “muitas coisas para o povo das periferias”.

“Onde eu moro, ele trabalhou lá nas represas, trouxe os UPAs para dentro das favelas”, afirma.


Max Alexandre foi ao ato para vender bandeiras e capas de chuva, mas também para apoiar Lula / Pedro Stropasolas

Ele conta que trabalha em todas as manifestações, seja contra ou a favor de Bolsonaro. “Ainda que o público seja maior nos atos a favor do que nos contra, eu sou contra o Bolsonaro. Muitas pessoas hoje não conseguem diferenciar, acham que o Bolsonaro está trazendo muitas coisas boas para o Brasil. Mas não, se a gente ver tudo que está acontecendo, é só questão de dar dois passinhos pra trás e avaliar o que está acontecendo que a gente vai ver que não é coisa boa”, analisa. “E eu creio que se o Lula hoje se eleger, ele tem grandes projetos para o Brasil.” 

Marissol Aparecida da Silva tem visão parecida. “A gente espera coisas boas do Lula. Eu vim aqui pra ver o que o Lula tem a dizer, tem para falar pra nós”, diz. 

Trabalhadora autônoma, ela atua no movimento de moradia, especificamente na Unificação das Lutas de Cortiço e Moradia (ULC), e no projeto de moradia Santa Zita, em Itaquera, também na Zona Leste da capital. Ela conta que cortes de verbas do governo federal deixaram as obras paralisadas por quatro anos, e espera que Lula possa reverter o quadro – mas com os pés no chão. 

“Infelizmente, sem luta não tem conquista. Se a gente não vem para as ruas lutar, não consegue conquistar, porque é difícil o governo ouvir se a gente não faz uma bagunça”, defende.


Marissol Aparecida da Silva apoia Lula, mas com foco na militância: "sem luta não tem conquista" / Pedro Stropasolas

Ela acredita que um novo governo de Lula “Vai ser difícil no começo, mas devagar se vai ao longe, vai se ajeitando.” 

“O importante é não esquecer de quem o colocou lá. Eu não votei no Bolsonaro, mas eu queria que ele fizesse um bom governo. E não fez. O Bolsonaro se esqueceu dos eleitores dele. O que eu acredito que não aconteça com o Lula, vamos ver. Porque a grande massa é quem? Somos nós. Se a gente não for atrás de puxar as orelhas de quem a gente colocou lá, quem vai? Então a gente tem que lutar pelo que a gente quer, né? E esperar que venha o melhor.” 

Leandro Varela, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Itaquera, concorda que o caminho é a luta.” A gente vai lutando e a gente vai conquistando, nada vem da noite pro dia. A gente tem que lutar, porque sem luta não há conquista”, afirma ele, que veio ao Anhangabaú para cobrar moradia, educação e saúde, “que é o que está faltando para a população”. 

“A gente procura um Brasil melhor, um futuro melhor para os nossos filhos, a nossa família. Porque a gente depende de um Brasil melhor para a gente poder viver melhor.” 

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Também presente no ato, o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP e consultor de diversas agências da ONU, explica em detalhes a destruição que todos sentem na pele.  

“É o nono ano em que ao Brasil está com a economia paralisada", lamenta. “Não somos um país pobre. Se você pega o PIB do país e divide pela população, dá R$ 13 mil por mês por família de quatro pessoas. É só reduzir um pouco a desigualdade e dá pra assegurar uma vida digna e confortável pra todo mundo. Então nosso problema central é orientar a economia em função das necessidades da população. E a base política hoje é o Lula”, frisa.  

Para ele, o governo Bolsonaro mostrou-se submisso a grandes interesses internacionais, especialmente o sistema financeiro e “o sistema de traders internacionais de bens primários”. Como consequência, ele acredita que o atual presidente virou as costas para as necessidades da população. 

“Quando você trava a capacidade de consumo da população, as empresas não têm pra quem vender, então estamos nos desindustrializando. Vira um sistema de um tipo de neocolonialismo tecnológico completamente idiota”, afirma.


"Nosso problema central é orientar a economia em função das necessidades da população. E a base política hoje é o Lula”, diz o economista Ladislau Dowbor / Pedro Stropasolas

Entre as consequências, a volta da fome – novamente, por culpa da imensa desigualdade no país. “O Brasil produz 3,7 kg por dia por pessoas só de grãos. Dá pra alimentar todo mundo. Nós temos 33 milhões de pessoas passando fome, 125 milhões em situação de insegurança alimentar. Isso é completamente absurdo. Apenas dois setores estão funcionando no Brasil: a exportação primária e os bancos. Nenhum deles gera bem estar para a população”, sustenta. 

“Nós temos os recursos, é só reorientar. É uma questão de opção política, muito mais de economia”, afirma. 

Edição: Camila Salmazio