O Projeto Potência da Fundação Ecarta, novo espaço de artes visuais da Galeria Ecarta, está com a exposição Corpo em Promoção, da multiartista Valéria Barcellos desde o dia 10 de agosto. Com curadoria de André Venzon, a seleção fica em cartaz até 28 de agosto, de terças a domingos, das 10h às 18h, com entrada franca.
Composta por um conjunto de autorretratos e outros elementos expositivos, a mostra se desdobra ainda em intervenções urbanas e performances da artista, integrando sua pesquisa sobre a relação da sociedade com a corporeidade de pessoas trans e negras.
Valéria foi uma das anfitriãs da Parada Livre de Porto Alegre e também a primeira artista trans a fazer um stand up. “Essa série de autorretratos quer questionar o corpo da mulher, o corpo da mulher preta, o corpo da mulher trans, e como as pessoas veem esse corpo e como interpelam esse corpo”, explica a artista.
Valéria Barcellos explicou o objetivo da exposição na inauguração no dia 10 de agosto / Foto: Igor Sperotto/Ecarta
Segundo ela, todas as fotos foram feitas em momentos diferentes, no período de um ano e meio, dois anos. Também em locais diferentes, em São Paulo e no Rio Grande do Sul. E umas três dessas fotos foram feitas no período em que estava com câncer, então também tem esse resgate. “O meu objetivo é questionar, é provocar as pessoas e convidá-las a entenderem que tipo de relação elas querem afinal com esse corpo. Por isso, a exposição se chama Corpo em Promoção, uma provocação com a palavra promoção. Quero promover esse corpo, mostrar ele de uma outra maneira e quero que as pessoas se questionem: será que ela é tão barata assim ao ponto de que possa tocar, pegar e levar para casa?”
Confira a entrevista
Brasil de Fato RS – A mostra Corpo em Promoção é uma trilogia? Nos conta como vai acontecer.
Valéria Barcellos – Sim, essa exposição é o ponta pé inicial de uma trilogia do Corpo em Promoção. No centro da galeria está a obra “Certidão de Nascimento”, uma intervenção artística que vai passear pela cidade. O primeiro dia vai ser no Arco da Redenção, em 19 de setembro. Depois vai ter uma performance em que as pessoas vão realmente poder tocar no meu corpo, já que há tanto fetiche, tanto desejo, vamos tocar nesse corpo, vai ser no 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A Galeria Ecarta está dando o ponta pé inicial de uma série de coisas.
No centro da galeria está a obra “Certidão de Nascimento”, uma intervenção artística que vai passear pela cidade / Foto: Igor Sperotto/Ecarta
BdFRS – E como tu achas que as pessoas vão receber isso?
Valéria – Não sei (risos). Espero que recebam de uma maneira muito curiosa e que provoque muitas sensações. É justamente por isso que quero que saia. Eu gosto que minhas obras saiam da parede. Eu gosto que as pessoas toquem nas coisas. Quando tu fazes parte de alguma coisa, mais do que te provocar simplesmente tu está dentro daquilo, então ela faz parte de ti e o meu objetivo é esse.
BdFRS – O que provocou a exposição?
Valéria – Veio da raiva dessa liberdade que as pessoas têm de dizer o que elas bem entendem e às vezes de tocar na gente de maneira real, de passar a mão… É uma sensação de prisão, ao mesmo tempo quando tu te desnudas parece meio livre. Mas não é o caso de pessoas trans. A gente nunca está livre com o nosso corpo realmente. Essa raiva vem da necessidade de que as pessoas se questionem a pensar, será que meu corpo está ao alcance da tua mão? Será que tu tens o direito de dizer o que quiser sobre meu corpo? Que eu sou magra, gorda, que eu tenho gogó, que eu tenho pelos…
BdFRS – Temos outra questão em relação aos corpos trans que são os feminicídios que muitas vezes nem entram na computação oficial.
Valéria – Não entram porque às vezes, muitas dessas vezes, a família não respeita o nome social da pessoa, ou seja, mais um desrespeito. E muitas dessas vezes esse corpo é tido como descartável. Então eles nem se quer catalogam, não procuram família, não procuram nada. Muitas vezes quando procuram a família, a família desdenha e diz não, vou enterrar com o nome que eu dei antigamente. Se tem o cabelo comprido vamos cortar o cabelo, ou vamos botar ela de terno. Então ela deixa de existir. Além de morrer, ela deixa de existir, como se essa pessoa nunca tivesse existido no mundo, e é complicadíssimo isso.
A exposição também é uma provocação desse corpo que está em um lugar que não é muito comum para corpos como o meu, também vem desta provocação de pertencimento deste lugar, eu também pertenço a esse lugar, nós também pertencemos a esse lugar. A gente não se sente à vontade, mas pertence. E eu estou querendo que as pessoas trans se sintam à vontade para estarem aqui, para visitarem e estar aqui nas paredes e fora delas também.
Corpo em Promoção fica em cartaz até 28 de agosto, de terças a domingos, das 10h às 18h, com entrada franca / Foto: Igor Sperotto/Ecarta
BdFRS – Quando falamos em sexualidade ou vemos uma super banalização ou uma repressão…
Valéria – Tudo é um pacote só e tudo também é um mecanismo de contenção, principalmente da mulher. Tudo que a gente pensa em dominação ou pecado, ou pode ou não pode, tem que ser assim, tem que ser assado, é um mecanismo de contenção do corpo desta mulher.
Eu imagino que tenha noção da potência do corpo desta mulher sendo ela cis ou sendo ela trans, da magnitude deste corpo que anda, que caminha, que age, que faz girar a roda. Tem aquela frase bonita da Ângela Davis que diz que quando uma mulher preta se movimenta, toda a sociedade, a estrutura toda se mexe. É exatamente isso! É a noção da força desse corpo e o medo do que esse corpo pode fazer quando tiver essa noção e a liberdade para isso.
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