Sabatina

No JN, Lula responde sobre corrupção e critica Bolsonaro: "bobo da corte"

Ex-presidente encarou questões difíceis e classificou orçamento secreto como "usurpação do poder" pelo Legislativo

Barsil de Fato | São Paulo (SP) |

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Nas considerações finais, Lula fez um discurso voltado para mulheres, com uma proposta de ajudar a população a renegociar dívidas - Reprodução

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi entrevistado nesta quinta-feira (25) na bancada do Jornal Nacional, da Rede Globo. Em clima cordial, distante da agressividade de outros momentos, Lula falou sobre temas incômodos, como as acusações de corrupção em seu governo e as criticas contra a condução da economia por sua sucessora, Dilma Rousseff.

Os entrevistadores Willian Bonner e Renata Vasconcelos começaram a entrevista com foco na pauta de corrupção, que dominaria boa parte da conversa. Bonner iniciou lembrando que, depois da anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, Lula "não deve nada à Justiça", mas afirmou ser impossível negar que houve corrupção na Petrobras. 

"A corrupção só aparece quando você deixa ela ser investigada", começou Lula, que agradeceu a chance de abordar o tema depois de ser "massacrado" por cinco anos. Ele listou ações dos governos do PT para o fortalecimento das instituições de combate à corrupção, como a aprovação da Lei de Transparência, a atuação da Controladoria Geral da União e a independência do MPF e da Polícia Federal, que tiveram "mais liberdade do que em qualquer outro momento da história".

Ele criticou, ainda, a operação Lava Jato, que "enveredou por um caminho político delicado" e "ultrapassou o limite da investigação e entrou para a política". Esse desvio, segundo Lula, já estava sendo denunciado por sua defesa desde o primeiro momento. "Quando entramos com habeas corpus, estávamos dizendo coisas que depois foram descobertas com o hacker e investigação da PF", afirmou, em referência aos vazamentos de conversas entre promotores e o então juiz Sérgio Moro, hoje candidato ao Senado pelo União Brasil no Paraná.

"Eu poderia ter escolhido um procurador engavetador, mas não fiz, eu escolhi da lista tríplice. Eu poderia ter escolhido um comandante da PF amigo, não fiz", disse Lula, em referência indireta à atuação de Augusto Aras durante o governo Bolsonaro.

"Eu poderia ter feito decreto de 100 anos, como está na moda agora. Para o Pazuello, para os meus filhos, pega um tapetão coloca em cima e não investiga. A corrupção só aparece quando você deixa investigar", afirmou o ex-presidente. 

Perguntado se respeitaria a lista tríplice para escolha do Procurador Geral da República, Lula respondeu que quer que "eles fiquem com uma pulguinha atrás da orelha". 

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Diante da insistência de Renata Vasconcelos no tema, voltou a lembrar seu governo. "Eu indiquei o PGR que estava investigando o Palocci, e mantive ele. Não quer amigo no MPF, na Polícia Federal, no Itamaraty, quero pessoas competentes, ilibadas, republicanas e que pensem sobretudo no povo brasileiro", afirmou.

Na sequência, estabeleceu uma comparação com as ações de Bolsonaro, acusado de interferir na Polícia Federal para evitar investigações sobre seu governo e seus filhos. "Teve muitas interferências, o Bolsonaro troca diretor [da PF] na hora que ele quer. Eu não fiz isso e não vou fazer", criticou. Ele lembrou uma operação da PF que teve como alvo seu irmão mais velho Frei Chico.

"Em 2005, eu estava na Índia e a PF invadiu a casa do meu irmão, esse que morreu enquanto eu estava na cadeia. E eu falei 'não vou interferir, porque quem ficou sabendo não foi o Lula, foi o presidente da República'." 

Credibilidade, previsibilidade e estabilidade

Saindo do tema da corrupção, Lula foi perguntado sobre a situação da economia, especificamente sobre a possibilidade de um "desequilíbrio das contas públicas". Ele lembrou da situação fiscal em que estava o país antes de seu primeiro mandato, quando o então ministro da Fazenda Pedro Malan "no final do ano ia no FMI pegar empréstimo". 

"Quando eu tomei posse em 2003, o Brasil tinha 10% de inflação, dívida de 60,4%. Reduzimos a inflação para a metade durante todo meu período, reduzimos a dívida para 39% e fizemos reservas de US$ 370 bilhões, e ainda fizemos emprestamos US$ 15 bilhões para o FMI. E fizemos a maior política de inclusão social que esse país conheceu", lembrou. 

"Tem três palavras mágicas para governar o país: credibilidade, previsibilidade e estabilidade", resumiu. Lula usou um de seus bordões mais famosos para completar. "Nunca antes na história do Brasil esse país teve uma chapa como Lula e Alckmin para ter credibilidade interna e externa e fazer as coisas nesse país."

Como resposta, os entrevistadores levantaram críticas ao governo Dilma, que teria provocado uma crise econômica por descontrole nos gastos. Lula contou, então, que Dilma o orientou a não responder. "Ela me falou: se perguntarem do meu governo não responda, fala que eu vou lá pra discutir com eles."

Depois de tecer elogios à ex-presidenta, afirmou que Dilma fez um "primeiro mandato extraordinário". "Ela se endividou para manter as políticas sociais e o desemprego em 4,5%", disse. Mas afirmou, também, que ela cometeu equívocos, no preço da gasolina e na política de desonerações para setores empresariais, que tirou bilhões dos cofres públicos. 

"Quando tentou mudar, ela tinha uma dupla dinâmica contra ela", disse, em referência ao então presidente da Câmara Eduardo Cunha e ao então senador Aécio Neves, ambos opositores de Dilma. "Ela mandou Medidas Provisórias para mudar, mas trabalharam contra". 

Agronegócio e meio ambiente

Lula foi questionado sobre a dificuldade que enfrenta junto a representantes do agronegócio, que apoiam majoritariamente o atual governo. Ele afirmou que "nenhum governo tratou o agro como nós tratamos", lembrando uma renegociação de dívidas com o setor em seu mandato com valor de R$ 85 bilhões. "Senão tinham quebrado", afirmou. 

Para ele, o que separa o setor de sua candidatura é a questão ambiental. "É a política de defesa da Amazônia, do pantanal, da mata atlântica, nossa luta contra o desmatamento que faz com que eles sejam contra nós", afirmou. 

Em momento inusitado, a entrevistadora se manifestou para defender o setor, dizendo que "agro e meio ambiente caminham juntos". Lula respondeu diferenciando "o agro fascista" dos "empresários sérios" que "não querem desmatar, querem preservar os nossos rios, a nossa fauna. Mas tem um monte que quer desmatar. Você está lembrada que teve um ministro do Meio Ambiente que disse que era pra ‘passar a boiada’, para passar por cima da Amazônia", completou. 

Na sequência, Bonner questionou Lula sobre o papel do MST em seu mandato. O ex-presidente respondeu que os entrevistadores deviam visitar uma cooperativa do movimento para compreender sua atuação. "O MST está fazendo uma coisa extraordinária, está produzindo. É o maior produtor de arroz orgânico do Brasil", elogiou. 

"Bolsonaro está ganhando fazendeiros liberando armas, mas temos que pacificar esse país", afirmou, defendendo que grandes e pequenos produtores rurais podem conviver. "O Blairo Maggi, que é o maior produtor da soja, talvez não crie a galinha caipira que gosta de comer, o porco orgânico. Isso ele vai comprar de um pequeno proprietário", ilustrou.

Bobo da corte

Lula também criticou as relações distorcidas que se estabeleceram entre Executivo e Legislativo no governo Bolsonaro, resumidas no chamado Orçamento Secreto, que ele classificou como uma "usurpação do poder".  "Acabou o presidencialismo, o Bolsonaro não manda nada, quem manda é o Congresso. Ele sequer cuida do orçamento, quem cuida é o Lira. O cara quer liberar recursos e liga pra ele, não para o presidente. Bolsonaro parece um bobo da corte", afirmou. 

Lula aproveitou para lembrar que a continuidade do Auxílio Brasil de R$ 600 está garantida apenas até dezembro, uma vez que o valor não está previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso com apoio do governo. 

Nas considerações finais, o presidente lançou uma proposta de ajudar a população a renegociar dívidas, em um discurso voltado especialmente para as mulheres

"Temos quase 70% das famílias endividadas, porque não conseguem pagar a conta de luz, na maioria mulheres. Vamos negociar essa dívida com o setor privado e sistema financeiro", finalizou.

Edição: Thalita Pires