Modelo mineração

Trabalhadores da mineração de Goiás se levantam contra riscos e “descasos” de grandes empresas

Contaminação, acidentes e riscos ambientais são relatados em diferentes minas instaladas no pujante norte goiano

Brasília (DF) |

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A produção goiana de minérios gerou arrecadação de R$ 166 milhões aos cofres públicos, mas retornos social e econômico continuam em falta - Douglas Magno/ AFP

Uma das principais atividades exportadoras desde que o Brasil se tornou colônia de Portugal, a mineração continua aquecida e crescente.

Em Goiás, um dos quatro principais estados mineradores - atrás apenas de Pará e Minas Gerais, e em status semelhante ao da Bahia - o destaque é a grande variedade de minérios explorados. Porém, assim como no resto do país, o lucro dos grandes empreendimentos também é acompanhado por um rastro de destruição e por diferentes impactos à saúde da população e dos trabalhadores. 

Com exceção de Catalão e Ouvidor, os demais pólos mineradores estão concentrados no norte goiano, especialmente nos municípios de Niquelândia, Barro Alto, Pilar, Crixás, Alto Horizonte e Minaçu. As características de cada tipo de exploração feita nesses lugares, assim como seus efeitos, são alvos de atenção de sindicatos, pesquisadores e movimentos sociais, que lutam por melhorias e respeito às legislações vigentes no país. 

O pesquisador Ricardo Junior de Assis, coordenador do programa de pós-graduação em Geografia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), pontua algumas dessas características. “Enquanto em Minas Gerais e Pará há a extração do minério de ferro, aqui no norte goiano a mineração de ouro é histórica. São quase 300 anos de mineração em distintas escalas, desde o garimpo no período colonial até os mega-projetos contemporâneos. E, além do ouro, que está em Crixás, Pilar, Alto Horizonte, também se destaca o cobre, o níquel, o amianto e agora novos projetos como o mega-projeto de terras raras em Minaçu”, apresenta.

Para o geógrafo, a região configura-se como território de degradação do trabalho, seja para os quem está exposto à contaminação por amônia nos municípios de Barro Alto e Niquelândia, seja para os inúmeros problemas causados pela extração a céu aberto de amianto em Minaçu. Uma gama de intercorrências já relatadas e apuradas nas últimas décadas pelo Ministério Público, órgãos de fiscalização ambiental como o Ibama e até para instituições internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Goiás concentra 37,8% das reservas brasileiras de Níquel

Niquelândia, cidade de 47 mil habitantes, tem na extração do níquel uma de suas principais atividades econômicas. Possui um histórico de mineração que remonta ao período dos bandeirantes e, já para o fim do século passado, se destacou por abrigar uma das maiores jazidas de níquel do mundo.

Riqueza essa que passou a ser explorada nos anos 1980 por empresas como a CNT (Companhia Níquel Tocantins), de propriedade da Votorantim Metais, do Grupo Votorantim, que operou durante mais de 30 anos em minas a céu aberto e subterrâneas. O beneficiamento do níquel, nesse caso, foi marcado pela utilização e dispersão no meio ambiente de produtos químicos perigosos, cujos efeitos ainda estão presentes ou são lembrados pelos moradores da região.

É o que relata Cícero Joventino de Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativistas de Barro Alto, sobre o método adotado para obtenção do níquel. “Os sintomas que essa praga de amônia concentrada causa: dor de cabeça, dor nas vistas, as suas juntas parecem que estar travando, atrofiando. Nós tivemos companheiros que morreram, que pesava 90 kg e morreu pesando 35kg, 40kg. Tudo de responsabilidade da empresa Votorantim, que não cuidava do trabalhador, não zelava pelo trabalhador e deixava o cara morrer à mingua”, desabafa. 

Em 2016, a Votorantim Metais decidiu suspender por tempo indeterminado as suas atividades em Niquelândia, alegando prejuízos com o alto custo da operação, num processo considerado excessivamente rápido e contestado até hoje. “A empresa fechou de uma hora pra outra sem comunicar ninguém. Teria que ter cumprido a lei.  Além do acompanhamento dos trabalhadores, ele teria que fazer uma conscientização durante o período de um ano até que fechasse as portas”, reclama Oliveira, que também relata problemas financeiros e de saúde física e mental ainda enfrentados por ex-funcionários. 

Atualmente, quem comanda as operações na região é outra multinacional, a sul-africana Anglo American, que através da Codemin produz e exporta o ferro-níquel, obtido por processos considerados por Oliveira menos ofensivos do que ocorre com o níquel isolado. Ele também enaltece o diálogo “mais aberto” com a empresa, que segundo ele, oferece uma rede de proteção à saúde dos trabalhadores e seus familiares, alvos frequentes de contaminação. 

Mesmo assim, Eulina Marques, militante de saúde do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), relata que a população local depende do Sistema Único de Saúde (SUS) e que os problemas sanitários são agravados pela carência de uma rede de distribuição de água tratada. “Os trabalhadores contam com a cobertura de planos de saúde pagos pela mineradora, o que acaba desmobilizando as reivindicações pelo fortalecimento da saúde pública para a população local e para os próprios trabalhadores, que geralmente não recebem o amparo total dos planos”, enfatiza. 

De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), as reservas de níquel em Goiás correspondem a 37,8% do total no país, seguidas por Pará (33,9%) e Piauí (15,9%). Assim como outros minérios brasileiros, o destino principal é o exterior, sendo que o Complexo Niquelândia/ Barro Alto utiliza fornos elétricos para redução do metal, com capacidade de 10 mil toneladas por ano.

Nem tudo que reluz...

O ouro é outro minério de destaque para a economia norte-goiana. E o principal empreendimento na região é o de Serra Grande, no pequeno município de Crixás, tocado pela AngloGold Ashanti desde 1989. Após décadas de pujança, favorecidas pela cotação internacional do cobiçado minério dourado, as minas a céu aberto foram recebendo cada vez menos atenção do que as minas subterrâneas, que abarcam centenas de quilômetros e chegam a mais de 600 metros de profundidade.

Além de mais caro, o processo também requer explosões rotineiras, dispersão da poeira subterrânea por exaustores de ventilação e possíveis vazamentos de produtos tóxicos. A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente de Goiás (Dema) e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad) investigam uma denúncia feita pela Secretaria de Meio Ambiente de Crixás, sobre a morte de dezenas de peixes no Rio Vermelho, em maio deste ano. 

Segundo a delegada Lara Oliveira, responsável pelo caso na Dema, um laudo técnico ainda está sendo elaborado pelo Instituto de Criminalística estadual e há suspeita de crime ambiental, tendo três possíveis causadores de poluição hídrica e “se houve alguma irregularidade dentro da mineração”. A empresa diz estar colaborando com as investigações e autorizou perícias regulares da secretaria municipal de Meio Ambiente, o que foi confirmado pelo secretário da pasta, Carlos Borges.

Uma decisão judicial tomada em 2020 também determinou que a barragem de rejeitos construída às margens da cidade fosse desativada até setembro de 2021 por ser do modelo de montante, o mesmo da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, que desmoronou no dia 25 de janeiro de 2019. O processo não foi totalmente concluído, mas a AngloGold Ashanti emitiu nota, no último dia 12 de agosto, afirmando que todas suas barragens em Goiás e Minas Gerais estão seguras e estáveis, atestadas por declaração emitida por auditoria externa. 

Do ponto de vista dos riscos para a saúde humana, João Luís Araújo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas do Vale do Rio Crixás, menciona problemas pulmonares ocasionados pela poeira e outros efeitos maléficos causados por detonações. “Para o trabalhador, o risco maior hoje subterrâneo é choque, prensamento e afundação do piso e detonação não programada. Mas isso aí já tem um controle, então quando é época de detonação, retira-se o pessoal da área e faz a detonação com a mina limpa”, relata. 

Araújo acredita que os mais afetados pelas diferentes formas de poluição, nesse caso, são os moradores de Crixás, que não usam os mesmos equipamentos de proteção dos trabalhadores: “E a poeira, hoje, atinge a cidade de uma forma que está fazendo a diferença na vida deles”, afirma. 

Segundo ele, a cidade historicamente aproveita mal a arrecadação feita junto à empresa via CFEM (Contribuição Financeira pela Exploração Mineral), que em 2021 arrecadou R$ 13,5 milhões, de acordo com a AMN. “Se a mineração acabasse hoje, o que sobraria para Crixás hoje? A gente não vê nada. Então, acho que está na hora de investir na educação, melhorar a questão do Fundo de Educação, investir mais em técnicas de mineração, segurança do trabalho e técnica de agricultura familiar”, opina. 

“Minério dependência” poderia contar com modelos mais sustentáveis

Após os desastres em Mariana e Brumadinho, a vigilância sobre os riscos causados pela mineração e as medidas adotadas pelas empresas aumentaram, especialmente quanto às barragens de rejeitos. Ao mesmo tempo, o desmonte de órgãos como o IBAMA, dificultam o acompanhamento técnico sobre o cumprimento das condições impostas às empresas nos contratos de licenciamento e a própria intermediação com as comunidades locais. 

A própria dependência dos municípios pela renda vinda das compensações financeiras  e a demanda internacional por esse tipo de commodity estimulam o setor a ampliar suas operações sem necessariamente beneficiar a população. De acordo com Eulina Marques, o MAM procura estimular um debate mais profundo sobre o futuro da mineração no Brasil dentro de um objetivo comum de soberania, divisão de riquezas e respeito aos direitos básicos. 

“A gente sabe que tudo o que a gente usa depende da mineração, a gente virou ‘minério dependentes’, então o grande entrave é pensar como fazer uma mineração que seja sustentável, em que as pessoas que morem e trabalhem nesses lugares não sejam mortas ou adoeçam, e para que não se repitam desastres como de Brumadinho e Mariana”, enfatiza.

“É importante compreender que a nossa crítica ao modelo mineral predatório está baseada em vários elementos, como a defesa de territórios livres, transparência, acesso à informação, críticas aos ritmos de extração subordinados às demandas do mercado internacional, o consumo de água e energia para pensar uma sociedade com um novo modelo minerado”, complementa Assis. 

A Votorantim Metais não respondeu às perguntas enviadas até o fechamento da reportagem.

Edição: Rodrigo Durão Coelho