Garimpo

"Chama o Zequinha": como um senador abriu as portas do governo a grileiros da Amazônia

Zequinha Marinho busca derrubar restrições constitucionais da Terra Indígena Ituna Itatá, no Pará

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Zequinha é um dos responsáveis por abrir as portas do governo federal para lobistas, madeireiros, grileiros e garimpeiros que atuam na Amazônia - Edilson Rodrigues/Agência Senado


Vídeos gravados com celular em meados de agosto mostram tratores abrindo estradas em meio à floresta fechada. Dezenas de homens derrubam árvores e fazem um churrasco improvisado em meio às toras. 

“Vamos ver se o Ibama vai dar conta de levar esses tratores aqui de dentro”, diz um homem não identificado. 

Eles estavam construindo uma vila para 300 famílias no coração da Amazônia. A situação já seria irregular por se tratar de desmatamento de mata nativa sem autorização. Mas é pior: a ação ocorre dentro de uma terra indígena com povos isolados que é protegida por lei.

Trata-se do último passo de uma peleja que já dura anos, na qual grileiros tentam se apossar da terra Ituna Itatá, na bacia do médio Xingu, no Pará, quase sem enfrentar resistência. O local tem alto valor econômico por ser perto da usina de Belo Monte e da mina da Belo Sun.

E a leniência do poder público, que quase não toma providências para evitar a devastação, tem um rosto por trás: o do senador Zequinha Marinho, do Partido Liberal, atual candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro para o governo do estado.

Os vídeos foram gravados e divulgados por um candidato a deputado estadual, Arão Gomes, que é amigo do senador e faz campanha junto com ele. “Lá [Ituna Itatá], de 200 pessoas, 199 apoiam o Zequinha. Eles sabem que ele sempre defende a causa”, disse o candidato.

A Pública reuniu relatos e documentos que mostram que Zequinha é um dos responsáveis por abrir as portas do governo federal para lobistas, madeireiros, grileiros e garimpeiros que atuam na Amazônia. “Chama o Zequinha” se tornou uma frase repetida por todos aqueles que buscam ajuda do senador que mais defende essas atividades.

“Você não vai ver ele [Zequinha] ali, porque ele tem que preservar a imagem para a campanha. Mas já ouvi da boca de vários invasores que o senador apoia as ações deles”, me disse um agente do Ibama que não quer ser identificado por temer perseguição.

Ituna Itatá, a terra indígena mais desmatada em 2020, é o principal alvo de suas ações. Pudera: terrenos ali custam “milhões e milhões de reais”, como disse o indigenista Bruno Pereira, que foi morto em junho junto com o jornalista britânico Dom Phillips, em sua última entrevista.

Os passos que Zequinha deu para remover a restrição de uso da terra são evidenciados em ofícios que seu gabinete enviou para órgãos públicos responsáveis pela fiscalização e em reuniões que obteve para defender a causa (por vezes ao lado de pessoas investigadas por enriquecer destruindo a floresta).

Ele quase conseguiu: a Funai cogitou retirar a proteção da área, mas teve que voltar atrás após a grande repercussão internacional dos assassinatos de Bruno e Dom, que ocorreu em uma terra indígena tomada por criminosos.

Mas a invasão de posseiros sem nenhum direito legal de uso do espaço mostra que Zequinha conseguiu, à sua maneira, conquistar seu objetivo. A tomada do espaço ocorreu enquanto os olhos do país estão voltados para as eleições de outubro e contribuiu para que a Amazônia registrasse um novo “dia do fogo”, no dia 22 de agosto, com o maior número de focos de incêndio dos últimos cinco anos.

Endossado por Bolsonaro, o senador prega que o Ibama deve perder a prerrogativa de destruir equipamentos de desmatadores e que as terras indígenas possam ser usadas para atividades econômicas como o garimpo. Desde a sua posse como senador, em 2018, essas são as suas pautas prioritárias.

De bancário e pastor a senador

Zequinha é um senhor de baixa estatura que está na vida pública desde os anos 1990. Antes, ele era gerente do Banco da Amazônia e pastor evangélico. No Pará, chegou a ser vice-governador durante a gestão de Simão Jatene, que foi três vezes governador do estado, mesmo envolto em várias denúncias de corrupção. Mas foi apenas em 2018 que ele alcançou projeção nacional, sendo eleito na onda bolsonarista.

Dono de uma voz potente, que aprendeu a modular como líder da Assembleia de Deus, Zequinha nasceu em Araguacema, pequena cidade do Tocantins, e começou a carreira em Conceição do Araguaia, já no Pará, como comerciante e técnico contábil. Está sempre vestido com camisas bem passadas, mesmo quando vai a lugares ermos para falar com eleitores. Os gestos controlados e a fala, com pausas calculadas, fazem passar a imagem de um perfil mais técnico do que político.

O trabalho no banco e as pregações na igreja logo o colocaram em contato com poderosos da região. Em 1994, ele se lançou direto ao cargo de deputado estadual pelo PDT. Conquistou a vaga de suplente e mais tarde foi efetivado no cargo. 

Depois, Zequinha se reelegeu como deputado estadual e, em 2002, foi eleito na Câmara Federal ainda pelo PDT. Em seguida, passou por vários partidos. Teve uma breve passagem pelo MDB, mas retornou ao PSC até acompanhar o presidente Bolsonaro na migração ao PL. 

Bem relacionado, o político atuou nos bastidores e às vezes de modo escancarado para favorecer os ocupantes de terras indígenas, em especial de Ituna Itatá. O caminho para deixar engatilhada a liberação de exploração econômica no local deixou várias baixas.

Um dos últimos atos da história ocorreu em abril deste ano. O senador enviou um ofício a Eduardo Bim, presidente do Ibama, que a reportagem obteve. Ele pede providências quanto a “ações intentadas” de fiscais contra ocupantes ilegais do local.

Uma das atribuições do Ibama ao exercer o poder de polícia ambiental é agir contra grileiros que praticam desmatamento ilegal. Os agentes têm a prerrogativa de inutilizar equipamentos usados para desmatar quando eles são encontrados em locais ermos, de difícil guarda ou transporte. Mas, no documento, Zequinha diz que os fiscais portavam “armas pesadas de alto calibre” e puseram fogo até em “brinquedos de criança e animais de estimação”. O Ibama nega.

O senador citou nominalmente os responsáveis pela ação, chamando-os de “algozes”. Pouco depois, os servidores foram perseguidos, exonerados e impedidos de retomar as ações – incluindo funcionários de carreira que são referência na fiscalização ambiental. A pedido deles, que temem novas retaliações, não iremos identificá-los.

A relação entre Zequinha e Bim é amigável, e o chefe do Ibama demonstra preocupação em agradar ao senador. Em 2020, por exemplo, o político fez reclamações parecidas sobre uma outra ação na mesma terra Ituna Itatá. Ele disse que agentes “bandidos e malandros” estariam “humilhando” os grileiros e “queimando até bicicletas”.

Não era verdade: os fiscais haviam apreendido e destruído 5 mil litros de combustível clandestino que seria usado para abastecer maquinários de derrubar árvores. Mesmo assim, os responsáveis também foram perseguidos e em seguida exonerados. Um deles foi impedido pelos superiores de voltar a operações na Amazônia por mais de 400 dias, em uma decisão não escrita, mas que foi classificada pelo agente como uma “clara atuação de Zequinha” para prejudicar fiscalizações.

“Na queda de braço entre ele [o senador] e os fiscais, mesmo os mais antigos, Zequinha sempre sai ganhando”, me disse um dos servidores que perderam a função após a atuação do político.


Senador incentivou perseguição a fiscais do Ibama e da Funai / Vinícius Mendonça/Ibama


Retirar a fiscalização de Ituna Itatá ainda é um dos maiores interesses do senador. Trata-se de uma extensa área de mata nativa de 142 mil hectares, aproximadamente o tamanho da cidade de São Paulo. Ela é protegida por lei por ter a presença de indígenas isolados, que foram identificados ainda nos anos 1970.

A proximidade de Belo Monte e da Belo Sun atrai milhares de forasteiros, que chegaram em bando para ocupar o espaço nos últimos anos. O local teria capacidade para abrigar outras usinas milionárias não fosse pela restrição legal.

Não por acaso, a região tem um dos maiores índices de desmatamento do país. E a maior parte da destruição, ou 84%, ocorreu apenas nos últimos três anos. Isso equivale à perda de 24 campos de futebol de floresta nativa por dia. A interferência já é tão grande que agora tem até posto de gasolina dentro da terra indígena – o que é totalmente proibido.

Os moradores ilegais da região são uma das principais bases de apoio do político. Mas, ao contrário do que ele costuma dizer, não são agricultores com baixo poder aquisitivo. 

Cerca de um terço das 223 propriedades dentro de Ituna Itatá tem mais de mil hectares, segundo relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos de 2021. Elas ocupam 94% da terra indígena. “São grandes fazendas, com elevado nível de investimento. Não é para qualquer um”, diz Luciano Pohl, gerente de assuntos que envolvem povos indígenas isolados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia.

Um dos posseiros que lucra com a invasão de Ituna Itatá é o empresário Jassônio Costa Leite, conhecido como o maior grileiro de terras indígenas da Amazônia e recentemente multado pelo Ibama em R$ 105 milhões. Segundo o órgão, Leite lidera um grupo que invade áreas restritas, faz o seu loteamento e vende os terrenos.

Jassônio é amigo de Zequinha. No ano passado, após ter sido alvo de uma operação de combate a desmatamento, o empresário pediu ajuda ao senador. Em resposta, Zequinha gravou um vídeo ao lado dele e sua filha dizendo que iria acionar o governador do Pará para interromper a ação – e aproveitou para chamar servidores do Ibama de “malandros”. Poucos dias depois, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles exonerou os diretores de fiscalização do órgão.

Segundo relatório do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (OPI), a entrada de Zequinha na disputa pelo território “tornou claro que esses interesses iam muito além do poder econômico local [indústria madeireira]”.

O senador conseguiu que a própria Funai passasse a questionar a existência dos indígenas isolados de Ituna Itatá, que ela mesma havia identificado há 40 anos. A última expedição com esse objetivo, no ano passado, encontrou restos de cerâmica e de hortas abertas no mato, o que mostra que eles continuam no local. 

Os indícios, no entanto, foram ignorados pelo órgão após a atuação de Zequinha, que afirma que os indígenas “não existem” – apesar de nunca apresentar provas. A informação foi contestada por todos os ouvidos pela reportagem – de indigenistas a membros do Ministério Público.

“A ocupação/invasão não-indígena de Ituna Itatá data de 2016. A ocupação indígena da região do Médio Xingu, ao contrário, tem pelo menos 10 mil anos, com o demonstram algumas pesquisas arqueológicas recentes desenvolvidas na bacia do rio Xingu”, afirma o relatório do OPI. 

Em novembro de 2021, o senador se reuniu com o presidente da Funai, Marcelo Xavier, para discutir “impropriedades” no relatório da expedição, segundo o repórter Rubens Valente. Em seguida, o órgão passou a refutar os achados de seus próprios técnicos e alegou que não localizou os indígenas isolados por imagens de satélite. 

Especialistas afirmam que não é possível ver os indígenas nas imagens feitas do espaço e que provavelmente as ocupações ficam escondidas embaixo da copa de árvores.

Esse foi o embasamento que motivou a Funai a anunciar, em janeiro deste ano, que não iria renovar a portaria de restrição de uso da terra, procedimento que vinha sendo feito desde 2011. O Ministério Público Federal obteve uma ordem judicial para obrigar a Funai a renovar o documento por mais seis meses. Mas Zequinha não desistiu.

Em abril, o senador pediu a ajuda do atual ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e também teve sucesso. A fiscalização em Ituna Itatá foi interrompida e técnicos da Funai davam como certo que a restrição não seria renovada em junho, quando acabou o novo prazo.

Mas veio o crime contra Dom e Bruno, e servidores que atuam na área dizem que ficaria “constrangedor” se o governo mantivesse as decisões. Com isso, a portaria de restrição foi renovada por mais três anos e o Ibama voltou a autorizar fiscalizações no local.


A Ituna Itatá foi a terra indígena mais desmatada em 2020 / Fabio Nascimento/Greenpeace


O garimpo vai a Brasília


Zequinha é o candidato escolhido por Bolsonaro para concorrer ao governo do Pará por sua fidelidade e adequação às pautas defendidas pelo presidente, de quem é próximo. Apesar de estar em segundo lugar nas pesquisas, atrás de Helder Barbalho, do MDB, que concorre à reeleição, o senador espera ao menos conseguir ir para o segundo turno quando começar a fazer comícios ao lado do mandatário.

Quem o conhece há tempos, no entanto, estranha como o político “mudou de temperamento” ao se aliar ao bolsonarismo. Ele era visto como um conservador moderado, bem mais discreto do que é hoje. “É surpreendente que ele se tornou tão vocal depois de se aliar com bolsonaristas. Antes, no Pará, ele era alinhado mais a uma centro-direita”, afirma uma pessoa que o conhece há mais de 20 anos.

Outro conterrâneo que o acompanha desde que era apenas gerente do Banco da Amazônia lembra que Zequinha “sempre teve talento para eleições” e conseguiu fluir entre diferentes grupos e partidos para se manter influente desde 1994, e por isso se aproximou de Bolsonaro.

O senador é hoje uma das principais lideranças evangélicas no Congresso e tem o apoio declarado de nomes como o pastor Silas Malafaia e o bispo Edir Macedo.

O pastor Arilton Moura, um dos acusados de participar do esquema de corrupção no Ministério da Educação, também é seu conhecido. Ambos fazem parte da mesma congregação cristã, e Arilton foi secretário extraordinário para Integração de Ações Comunitárias entre maio e novembro de 2018, último ano de Zequinha como vice-governador, durante a gestão de Simão Jatene.

Desde o início de seu mandato, Zequinha se consolidou como o “porta-voz do setor de mineração no Senado” e o “principal mediador entre grupos de garimpeiros e a Presidência”, como afirmou o livro O cerco do ouro – garimpo ilegal, destruição e luta em terras Munduruku, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.

Em 2019, ele articulou um encontro entre representantes de garimpeiros e mineradores com os então ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) para demandar a restrição de poderes do Ibama. As reuniões passaram a ser frequentes. 

Houve ao menos 11 encontros de garimpeiros ilegais com integrantes do alto escalão do governo entre aquele ano e o seguinte articulados pelo senador, e eles continuaram depois. Uma dessas reuniões, que teve a presença do vice-presidente Hamilton Mourão, aconteceu cinco dias antes de uma audiência pública em Altamira. O superintendente do Ibama à época, indicado pelo senador, disse, sob o olhar de Zequinha, que acompanhava pessoalmente o encontro, que o órgão iria parar de queimar maquinários porque “quem gosta de fogo é Satanás”.

A audiência em questão, que ocorreu em setembro de 2019, tinha a maioria dos presentes formada por posseiros que reivindicam propriedades em terras protegidas. Ela poderia passar despercebida aos olhos da grande imprensa, mas a fala foi gravada em vídeo e o indicado acabou sendo demitido dias depois.

O momento foi simbólico por enunciar o poder que essa categoria viria a ter nos anos seguintes do governo Bolsonaro, quando se tornou comum que todo tipo de lobista, garimpeiro e grileiro da Amazônia passasse a circular livremente nos corredores mais restritos de Brasília.

Além disso, aconteceu na cidade com um dos maiores índices de desmatamento do Brasil e a que teve a maior quantidade de emissões de gases de efeito estufa naquele ano – mais do que Suécia e Noruega.

No dia da audiência, aliás, a página “Brasil pela legalização do garimpo” no Facebook postou um vídeo em que o advogado Fernando Brandão afirmava que o governo havia acatado a sugestão de impedir atos do Ibama. Ele disse que tinha recebido o recado por telefone do vice-líder do governo na Câmara, José Medeiros, avisando que havia sido uma conquista a partir da luta dele, de Zequinha e do também deputado bolsonarista Joaquim Passarinho.

O grupo de lobby do garimpo contou com a participação do presidente da Associação Nacional do Ouro, Dirceu Frederico Sobrinho. Ele seria o dono de 77 quilos de ouro encontrados em um avião escoltado por agentes da Casa Civil em São Paulo, em maio deste ano. Sobrinho e a sua empresa FD Gold respondem a investigações sobre extração de ouro, mas negam irregularidades.

Zequinha também ciceroneou representantes da Cooperativa de Garimpeiros e Mineradores de Ourilândia e Região (Cooperouri) em pelo menos duas ocasiões.

A entidade é investigada pela Polícia Federal pela extração ilegal de ouro “esquentado” no sul do Pará, já explorou terra Kayapó e movimentou R$ 57 milhões em um ano, com depósitos a pessoas envolvidas com garimpo ilegal. O senador também acompanhou a entidade em um encontro com o presidente da Agência Nacional de Mineração, Victor Bicca, em novembro de 2019.

Foi nos encontros com representantes e garimpeiros que o governo elaborou a muitas mãos o Projeto de Lei 191, que legaliza o garimpo, a mineração e a construção de hidrelétricas dentro de terras indígenas.

A proposta ainda não foi votada na Câmara Federal, mas seus efeitos já podem ser sentidos na falta de atenção à fiscalização. Nos últimos dez anos, o garimpo em terras indígenas disparou quase 500%, segundo o MapBiomas.

“Ele prometeu ajudar”

Pouco antes do início da pandemia de covid-19, o antropólogo Edward Luz foi detido por atrapalhar o trabalho dos fiscais em Ituna Itatá. Ele foi preso em flagrante e as imagens viralizaram rapidamente nas redes sociais. Luz é conhecido como “antropólogo dos ruralistas” por ter uma empresa de consultoria que faz laudos que beneficiam donos de terras em vez de populações tradicionais. Ele é contra ONGs e “esquerdistas”.

Luz não teve dúvidas quando, no início do último mês de julho, foi preso pela terceira vez em três anos, pelo mesmo motivo e no mesmo local: pediu que chamassem Zequinha Marinho. “Ele prometeu ajudar caso minha detenção injusta continuasse, mas acabou não sendo necessário”, disse o antropólogo pouco tempo após ter passado 14 dias detido.

O antropólogo, filho de um missionário evangélico de mesmo nome que tem como missão evangelizar indígenas de recente contato, e o senador têm uma relação de proximidade há anos. “Ele colocou todo o seu gabinete, ou parte significativa dele, para atender a nossa demanda em Ituna Itatá. Me passou o telefone de dois assessores dele e, por fim, quando a coisa apertou, ele empenhou-se em fazer uma reunião com Ricardo Salles acontecer”, diz.

A reunião com o ministro aconteceu poucos dias antes da primeira prisão de Luz, e uma foto do encontro estampa o perfil do antropólogo no Twitter até hoje (ele diz que muitos não acreditaram que eles realmente estiveram juntos).

Zequinha e Luz alegaram ao ministro que as ações do Ibama ocorriam em assentamentos rurais que não ficam dentro de terra indígena. Porém fiscais do Ibama que participaram das operações são categóricos ao afirmar que agem unicamente dentro da área protegida. O Instituto de Terras do Pará também atestou, em ofício de 2017 obtido pela reportagem, que não existe assentamento dentro de terra indígena.

“Colocaram o governo de quatro”

Depois da tragédia de Dom e Bruno, tornou-se praticamente impossível avançar em retrocessos ambientais sem despertar o interesse internacional. Um acordo que já teria sido feito com o governo era para revisar os limites da Terra Indígena Cachoeira Seca, também no sul do Pará. Segundo Luz, ele foi com Marinho pedir ajuda para a Funai, e o senador acionou o secretário de Assuntos Fundiários do governo Bolsonaro, Luiz Antônio Nabhan Garcia, e o Ministério da Justiça pela causa.

“Apesar da demora nas negociações, elas estavam caminhando”, afirma o antropólogo. “Mas entendemos que o assassinato de Dom Phillips e Bruno Araújo prejudicaram e muito todas as nossas reivindicações”.

A reportagem teve acesso a um ofício que Zequinha enviou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, em setembro de 2020, pedindo benefícios para os grileiros do local. Ele solicitou que os registros de Cadastro Ambiental Rural (CAR), regularização obrigatória de todos os imóveis rurais do país, e as Guias de Transporte Animal dos invasores, que haviam sido canceladas pelo governo, fossem reativados. Mas nenhuma decisão chegou a ser tomada.

Em junho deste ano, ao mesmo tempo que a Funai publicou a portaria que renova a restrição de Ituna Itatá, o senador montou uma comissão para indenizar os ocupantes de Cachoeira Seca que se instalaram na terra indígena de boa-fé.

“Na prática, é uma derrota que não dá nem pra mensurar”, comentou o antropólogo. “Parabéns, vocês conseguiram [se referindo à imprensa]. Colocaram o governo Bolsonaro de quatro”, continua.

Apesar do discurso, a dupla Luz-Zequinha já havia sofrido uma outra derrota em maio, um mês antes de Dom e Bruno serem mortos, em uma audiência pública para tratar da finalização do projeto de reforma agrária do assentamento agroextrativista Lago Grande, distrito de Santarém.

O local tem comunidades que vivem da exploração da floresta de forma sustentável e aguardam o título de posse coletivo da terra. Mas gigantes da mineração – em especial a multinacional Alcoa, que já atua nas proximidades – têm interesse em explorá-la.

Luz participou da audiência em 2 de maio deste ano e discursou sobre os planos de liberar mineração em terras protegidas e criar uma comissão parlamentar de inquérito para investigar ONGs. Mas a sua fala foi ofuscada por gritos de “volta pra cadeia” dos participantes. Lá, uma área de reforma agrária, o discurso antiambientalista não pegou.

Centrão garimpeiro

Apesar de nunca ter trabalhado diretamente com garimpo, Zequinha é próximo de empresários e mineradores do sul do Pará e é reconhecido por eles como um representante no governo federal. Um deles é o vereador de Redenção Pedro Lima, que era seu colega de partido.

A mineradora de Lima possui cinco lavras de pesquisa mineral para explorar ouro e manganês registradas na Agência Nacional de Mineração. Ele conseguiu em maio de 2021 a homologação de uma delas, na cidade de Xinguara. Pouco antes, o vereador liderou uma equipe de garimpeiros que visitou o gabinete do senador. “Ele está sempre pronto para nos receber”, disse em entrevista a uma emissora local.

O talento de Zequinha para a política foi afirmado tanto por seus aliados como por inimigos. Como porta-voz de posseiros, ele conseguiu feitos de que outros parlamentares jamais chegaram perto, como a facilidade em indicar pessoas de sua confiança para postos-chave.

Em 2017, o político conseguiu indicar seu sobrinho Lázaro Marinho, que também foi vereador em Redenção, para coordenar o Distrito Sanitário Especial Indígena da Funai Redenção, responsável pela Terra Indígena Kayapó, outra região assolada por garimpo e desmatamento. Na época, indígenas protestaram contra a indicação. Ele foi exonerado em 2020. 

Agora, em plena campanha eleitoral pelo governo do Pará, Zequinha parece ter se distanciado novamente de temas polêmicos para evitar perder votos.

Sua campanha ao governo, com o mote #BolsonaroéZequinha e #ZequinhaéBolsonaro, é pautada principalmente pela defesa do combate à corrupção. Porém ele já foi acusado de fazer rachadinha com o salário de funcionários de seu gabinete na Câmara – em processo que se arrasta há anos na Justiça sem julgamento. Ele foi citado pela ex-servidora do Ministério da Saúde Maria da Penha Lino como um dos beneficiários do escândalo das Sanguessugas, mas não chegou a ser investigado.

No ano passado, o Ministério Público Eleitoral do Pará pediu a cassação do mandato do senador por suposto caixa 2 nas eleições de 2018, e também da esposa dele, Julia Marinho, que já foi deputada e hoje concorre a um novo cargo na Câmara, por suposto uso de recursos da cota feminina para abastecer a campanha do marido. O processo está parado no Tribunal Superior Eleitoral há quase um ano.

Edward Luz conta que foi a Brasília, no começo de junho, para falar com autoridades da Funai sobre o caso de Ituna Itatá. Queria que o órgão tivesse uma posição firme para negar a demarcação e esperava que o senador o ajudasse. “O Zequinha não participou dessa vez. Ele deveria ter sido mais evidente, mais audaz, mas não foi”, reclamou.

“Isso é o Centrão. Ele não quer ser visto publicamente como inimigo dos índios. Mas, para pessoas como ele e como eu, não tem negociação. Nós já somos vistos como genocidas”, disse Luz.

A Pública tentou entrar em contato com Zequinha por vários dias. A assessoria de imprensa dele pediu para receber as perguntas, mas, depois de alguns dias, disse que ele não conseguiria responder. A reportagem se colocou à disposição para encontrá-lo pessoalmente ou falar por telefone no horário que fosse mais conveniente ao político, mas esse pedido tampouco foi atendido.