mofo, eu?

Economista de Lula diz que plano "não é mofado" e explica como vai "pôr o pobre no orçamento"

Juliane Furno fala sobre os principais pontos do programa de governo do PT

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Um dos pilares do plano é cancelar o teto de gastos - Reprodução/ Youtube

Sem querer, a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) proporcionou um dos momentos mais marcantes de seu adversário Lula (PT) no debate de presidenciáveis do último domingo (28).

Ao dizer que "o Brasil precisa caminhar e os seus economistas são todos mofados", ela instigou Lula a retrucar que, se ela não havia visto avanços, "o seu motorista viu, seu jardineiro viu, sua empregada doméstica viu".

::: "Sua empregada doméstica viu o Brasil melhorar", diz Lula ao ser atacado por Soraya Thronicke :::

Uma das economistas da equipe de Lula é a colunista do Brasil de Fato Juliane Furno. Para saber a resposta para a acusação de 'mofo', além de entender como o Lula, se eleito, pretende conduzir a economia - "colocando o pobre no orçamento", como promete - leia a entrevista abaixo:

Brasil de Fato: O plano de Lula para a economia é mofado?

Juliane Furno: O plano de governo do Lula não é definitivamente mofado e eu acho que ele se conecta com o que tem de mais vanguardista dentro da própria literatura ortodoxa na economia.

Os relatórios do FMI, principalmente da pandemia pra cá, têm apontado a importância da política fiscal, do gasto público em períodos de crise. Portanto gasto público cumpre uma função fundamental.

Além disso, o próprio FMI reviu num texto a importância suprema da política industrial, principalmente no mundo globalizado. As economias periféricas passaram por um processo muito acentuado de abertura comercial e financeira. É importante que essas economias apostem na política industrial como forma de reverter essa especialização.

Já a questão ambiental é motor de progresso econômico. Está no programa uma economia de baixo carbono, de transição energética, que se conecta com os principais problemas na vanguarda da questão econômica e social em que a economia brasileira pode assentar suas bases para o crescimento.

Portanto, é um programa que inova em grande medida ao retomar os instrumentos de política econômica do Estado: retomar a capacidade de gestão da política fiscal, da gestão da política monetária, da política industrial e principalmente mostrar propostas efetivas pra transição da matriz energética para a economia de baixo carbono e programas de sustentação inclusive financeira pra empreendimentos que sejam redutores de emissão de gases poluentes na atmosfera.

Estamos desde 2016 testando receitas neoliberais na economia, com resultado de piora de índices sociais e falta de crescimento. Por quê?

Porque o neoliberalismo mostrou o seu fracasso. É uma política econômica que prima por estabilidade econômica e, dentro da estabilidade, principalmente a de um componente: preços.

Acontece que a economia representa um universo de variáveis econômicas que precisam estar concatenadas. Então, não vale a pena perseguir a estabilidade de preços, ou seja, uma inflação controlada, se isso acontece às custas do desemprego, baixo crescimento econômico e aumento dos juros, que têm impacto também fiscal sobre a rolagem da dívida.

O neoliberalismo é necessariamente uma piora dos indicadores sociais, que são consequência da política neoliberal porque há mais gente desempregada, com menos renda, com baixos salários. Uma economia operando em juros elevados, uma inflação que vive uma camisa de força com o sistema de metas impede justamente o consumo. É o gasto que é o motor do investimento e o investimento por sua vez é o que determina o crescimento de uma economia

O próximo presidente terá pouco espaço de manobra. Como arrumar dinheiro para manter os auxílios, gerar empregos (colocar o pobre no orçamento) e manter a economia controlada?

O próximo presidente vai ver diminuídas as suas margens de atuação sobre a política econômica. Em primeiro lugar, a política monetária agora está sob a tutela de um Banco Central independente, ou seja, as gestões da política monetária, da taxa de juros, do emprego não vão estar mais sobre a coordenação de um projeto de desenvolvimento que envolve uma sintonia entre Banco Central e o Tesouro Nacional.

A política fiscal está criminalizada e congelada, ou seja, o teto de gastos impede que se atue com a política fiscal para o seu manejo de forma anticíclica, ajudando a reduzir a dinâmica recessiva do ciclo econômico.

As empresas estatais estão operando com gestão análoga à gestão de uma empresa privada, portanto perdem também esses instrumentos de indução do crescimento, principalmente via demanda do setores industriais. O BNDES, que é banco de investimento, que qualquer nação utiliza para garantir financiamento de longo prazo, foi completamente descapitalizado. A taxa de juros de referência dos empréstimos pro setor produtivo foi modificada.

Portanto tem muito menos espaço de manobra. Mas tem um elemento vinculado à vontade política e à estabilidade externa. O Brasil não vive problema no balanço de pagamento nem dívida externa. Isso pode fazer com que a simples supressão de uma regra política - teto de gastos - abra a possibilidade para o aumento dos gastos públicos.

A gente não tem problema de dinheiro, o que existe é uma regra administrativa política que chama teto de gastos. É ela que impede que o estado possa aumentar o volume de recurso públicos colocados na economia, até para dinamizar o setor privado, para que no futuro ele possa fazer economia pra ir pagando e amortecendo a dívida contraída nesse período

Quais os planos para a Petrobras?

É que ela volte a ser uma empresa indutora do desenvolvimento econômico brasileiro, uma empresa cujos investimento sejam demandas para o setor metal-mecânico, toda a cadeia do setor petroquímico, indústria naval para que esses setores possam soerguer a partir de políticas de conteúdo local.

Portanto a Petrobras precisa retomar o papel de uma empresa que amplia os seus investimentos na economia brasileira. Porque o investimento da Petrobras é por consequência o aumento do investimento nessas empresas da cadeia produtiva e ela precisa urgentemente migrar de uma empresa de petróleo para uma empresa de energia.

A ampliação do volume de investimentos em energias renováveis está presente no programa de governo. Devemos garantir a soberania energética que é não só a disponibilidade física de energia, mas preços acessíveis e garantia de que a sua gestão não seja curto-prazista, vinculada ao aumento da distribuição de lucros e dividendos para os seus acionistas, mas que seja comprometida com o desenvolvimento nacional.

Isso não quer dizer uma empresa deficitária, mas que a taxa de lucro seja compatível com os desafios de investimento e de preços baixos que são fundamentais pra manter o próprio setor industrial, que depende de acesso à energia barata.

Há espaço para uma convivência positiva entre o agro e o pequeno agricultor?

Sem dúvida, até porque eles não disputam o mesmo mercado. Então é necessário ter um agronegócio como uma forma de gestão da estrutura produtiva que seja intensiva, com produção de larga escala e vinculada ao setor externo, porque isso gera moeda estrangeira para a economia brasileira e garante que a gente não tenha problema do balanço de pagamento.

Mas é necessário regulação sobre esse setor, principalmente o aumento tributação que recai sobre o agronegócio. Hoje não existem impostos estaduais, não existe ICMS sobre exportação de commodities. Esse é um grande problema, é uma inequidade. O imposto sobre terras no Brasil é autodeclaratório e tem uma capacidade arrecadatória muito baixa. É preciso ter regulação sobre esse setor.

São necessárias, também, políticas que incentivem o aumento da produtividade, ou seja, o agronegócio tem que crescer sem precisar expandir fronteira agrícola. Ele tem que conseguir ser mais produtivo ocupando o mesmo contingente territorial. Isso é fundamental porque hoje o que impacta na emissão de gases de efeito estufa no Brasil não é energia. São, em primeiro lugar, as queimadas, e em segundo, o mau uso dos solos. Portanto, o agronegócio tem vinculação estreita com o problema ambiental brasileiro e para isso precisa regulação. Isso pode acontecer pelo fortalecimento de empresas públicas como a Embrapa e com outras formas de aumento do gasto em ciência e tecnologia para um melhor uso do solo.

Além disso,  a agricultura familiar é fundamental, porque esse é o que produz comida, diferentemente do agronegócio que produz commodity. A gente vive também uma crise alimentar dramática no Brasil e isso exige uma ampliação da área plantada de alimentos. Para isso é necessário reforma agrária, mas mais do que o acesso a terra, são necessários capacitação técnica e financiamento pra esses pequenos produtores

O Plano de Governo fala investir em energias limpas. Como?

O Plano é muito vinculado ao elemento da questão ambiental, principalmente através da questão energética. Ela é a terceira variável que mais influencia na emissão de gases de efeito estufa, mas tem um papel fundamental que pode por o Brasil na liderança mundial da transição da matriz energética.

Isso exige investimento público e esse investimento público é que vai ser o principal responsável. É através do investimento público em primeiro lugar que se dinamiza posteriormente o investimento privado.

É preciso investimento em biocombustíveis, em energias renováveis, variáveis. A Dilma falava sobre estocar vento, é essa estocagem que garante que essas energias renováveis possam ser utilizadas independentemente de ter sol ou de ter vento.

Então este é o desafio, além do investimento em energia fotovoltaica, na energia solar, a ampliação da energia hídrica também que é uma fonte de energia limpa no Brasil.

Edição: Thalita Pires