Disputa

De olho na reeleição, Helder sobe nos palanques de Lula e Simone Tebet no Pará

Candidata pelo MDB, a senadora do Mato Grosso do Sul tem de dividir o apoio do governador paraense com o petista

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Ambos candidatos visitaram o segundo maior Estado do país, e o único da região Norte onde o PT venceu Bolsonaro em 2018 - Ricardo Stuckert/ Divulgação

O governador Helder Barbalho (MDB) conseguiu a proeza de se equilibrar com cada um dos seus pés em uma canoa diferente. Nas últimas 24 horas, ele ciceroneou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet, do seu partido, nas visitas quase simultâneas que os candidatos realizaram na capital paraense. De olho na reeleição, Helder cumpriu agenda com a presidenciável emedebista, mas não se arriscou a ignorar que o Pará foi o único Estado da região Norte do Brasil a dar vitória ao PT nas eleições de 2018 – o petista Fernando Haddad obteve 41,39% dos votos ante os 36,19% de Jair Bolsonaro, então pelo PSL.

Nesta sexta-feira (2), a senadora Simone Tebet foi levada por Helder para a maior feira livre da América Latina. A partir da Feira do Ver-o-Peso, uma charanga entoando marchinhas de carnaval acompanhou a comitiva no contato com a população. Sob um sol escaldante, o governador fez questão de caminhar junto da sul-mato-grossense e a levou para uma degustação do típico açaí paraense. Em quarto lugar na corrida presidencial, com 5% das intenções de voto, segundo o Datafolha, Simone respondeu à Amazônia Real sobre questões relacionadas ao desmatamento e à demarcação de terras indígenas, dois problemas tanto na Amazônia quanto no seu Estado de origem. “É conciliação. Eu sou pela paz do campo. Não é uma coisa ou outra. É meio ambiente e agronegócio; é meio ambiente e povos originários; é agronegócio e povos originários. O Brasil tem que ser de todos”, diz. 

Para a senadora, a solução para obter essa conciliação “é fácil: voltar os órgãos de fiscalização para dentro da Amazônia. A Funai vai voltar a ter força”. Simone Tebet, contudo, fez questão de distinguir as realidades das duas regiões: “Analisa-se a área, verifica-se se a área tinha origem dos povos originários e indeniza-se se, e apenas se, o proprietário (isso na minha região) tinha titularidade. Aqui é diferente, é área pública que é invadida. Indeniza-se o proprietário que tem titularidade real e devolve-se aos povos originários. No caso da Amazônia é um pouquinho diferente. Lamentavelmente, a gente tem grileiros, mineradores ilegais, exploradores de áreas públicas que desmatam”.

Dona de propriedades rurais no Mato Grosso do Sul, junto de seus três irmãos, filhos do ex-presidente do Senado Ramez Tebet, Simone já defendeu indenizar em dinheiro (e não em títulos de dívida agrária, como é comum) fazendas em áreas indígenas, o cumprimento imediato de reintegrações de posse de áreas sem estudos antropológicos e figurou, em 2018, na lista dos 50 parlamentares que “mais atuaram contra os direitos indígenas no Parlamento”, indicou uma reportagem da Pública

Em seu programa de governo, a presidenciável Simone Tebet propõe a criação de uma “lista suja” com empresas e pessoas que promovam desmatamento, invasão de terras, garimpo ilegal e emissões ilegais de gases do efeito estufa, defende o pagamento por serviços ambientais e retomar o Fundo Amazônia, que foi ignorado pelo governo Bolsonaro. Dentro do documento, escrito em “primeira pessoa”, a candidata garante: “O compromisso do meu governo é claro: desmatamento ilegal zero! Vamos começar passando um ‘pente fino’ em todas as medidas tomadas pelo atual governo que resultaram em incentivo ao desmatamento e à devastação”.

Contra a Convenção 169

Simone Tebet no almoço com Helder Barbalho e empresários no Salão Carajás em um hotel de Belém (Foto: Divulgação)


Após a visita à Feira do Ver-o-Peso, Simone Tebet teve um almoço com empresários no Hotel Princesa Louça. Na lista de convidados, Carlos Xavier, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará; Sebastião Campos, presidente da Federação do Comércio; José Conrado, presidente da Federação das Indústrias; Elizabeth Gourvald, presidente da Associação Comercial; Walter Cardoso, superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; Jorge Portugal, presidente da Associação dos Supermercados; Jair Macedo, diretor da Adepara; Antonio Ferreira, presidente do FCDL; e Rubens Magno, superintendente do Sebrae. 

Pelo menos três deles, Carlos Xavier, José Conrado e Elizabeth Gourvald, assinam um ofício endereçado ao presidente Jair Bolsonaro, em 7 de julho, pedindo que o Brasil deixe de ser signatário da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A importante convenção é uma das formas protetivas das populações indígenas e tradicionais, que garante a elas o direito de “consulta livre, prévia e informada” no caso de obras e projetos que passem por seus territórios. O ofício foi uma iniciativa liderada pelo latifundiário e negacionista climático José Maria Mendonça.

O próprio Carlos Xavier deu início aos diálogos com a comitiva de Simone Tebet e Helder Barbalho, lendo e entregando um documento com o que considera as principais contribuições que o setor pode oferecer à presidenciável. Ele fez questão de lembrar da boa relação que manteve com o pai e a família da senadora, empresários do agronegócio no Mato Grosso do Sul e com trajetória na política, lembrando, principalmente, do trabalho conjunto na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Carlos Xavier deseja que Simone Tebet, se eleita presidente, faça no Brasil o que ela fez como prefeita na cidade de Três Lagoas (MS).

No entanto, em nenhum momento o ofício e seu teor foram mencionados diretamente, mas, sim, os prejuízos da Lei Kandir e do pacto fundiário, além da necessidade de conexão rodoviária para regiões como o Marajó. Por sua vez, a advogada e professora Simone Tebet destacou o que seriam dois dos quatro eixos de seu programa de governo, neste caso, políticas de âmbito social e um grande investimento privado em infra-estrutura, que “rasgue o país com obras”.

Alinhavando os elos de famílias com trajetórias consolidadas, também chancelaram o almoço com empresários o senador Jader Barbalho e sua ex-esposa e deputada federal Elcione Barbalho, pais de Helder, que não fizeram pronunciamentos. No período da tarde, a comitiva se encaminhou para a cidade de Santarém, no oeste do Pará. 

Nessa guinada para encontrar um espaço para crescer nas pesquisas, Simone Tebet tem perdido importantes aliados no seu Estado, o Mato Grosso do Sul, fortemente marcado por apoiadores do bolsonarismo. Embora seja fazendeira e ruralista, desde a CPI da Pandemia, a senadora marcou posição contrária ao governo de Bolsonaro, abandonando parte de seus apoiadores mais fiéis.

O comando de campanha de Tebet anunciou, na sexta-feira à noite, que entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o Partido da Causa Operária (PCO) e seu candidato ao governo do Mato Grosso do Sul, Magno de Souza, por veicular no Twitter e no Google informações de que a senadora “estaria associada ao massacre de indígenas e de crianças”. O ministro do TSE Paulo de Tarso Vieira Sanseverino ordenou a retirada desse material da internet.

O apoio de Lula

Lula com Helder no encontro com artistas e representantes do setor cultural no Teatro da Paz, em Belém (Foto: Ricardo Stuckert)


“Meu partido tem candidato a presidente, mas eu precisava vir aqui, em reconhecimento ao que Lula fez pelo Pará e por Ananindeua, quando fui prefeito da cidade”, justificou o governador Helder Barbalho, na véspera do encontro com Simone Tebet. Na quinta-feira, o ex-presidente deu início à agenda de campanha no Pará, dois dias depois de ter desembarcado em Manaus, na viagem de campanha que dedicou à região amazônica. Os dois encontros foram muito parecidos: o petista se reuniu com empresários, cientistas, indígenas e fez comícios.

Na manhã do dia 1º de setembro, Lula esteve no centenário e portentoso Theatro da Paz, em Belém, para participar de um significativo ato com representantes do setor cultural do segundo maior Estado do país, em extensão territorial. O petista recebeu a carta dos artistas, lida pela cineasta e professora de cinema da Universidade Federal do Pará (UFPA) Jorane Castro, presenciou a manifestação da diversidade cultural do estado e contou com o afago de Helder Barbalho.

A troca de afagos é sugestiva no tabuleiro das eleições de 2022 no contexto paraense. Prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (Psol), agradeceu a Helder, qualificando-o de um gestor que tem apoiado as políticas públicas municipais, em um cenário de terra arrasada e hostilidade do governo de Jair Bolsonaro.

Já Lula acenou para sua base popular. “Será que quem construiu esse teatro pensava que, um dia, os pobres ocupariam esse espaço?”, provocou, reiterando as principais pautas que têm anunciado como propostas de governo, a exemplo da criação dos conselhos de cultura e do Ministério dos Povos Originários.

Se no turno da tarde a agenda de Lula ficou reservada aos mais de 300 candidatos às eleições pelo Pará e prefeitos do Estado, para que, especialmente, fizessem registros fotográficos, à noite o candidato do PT participou de um comício. Caravanas de cidades distantes até 20 horas de Belém contribuíram para somar um público responsável pelo título do evento: “O comício dos 50 mil”. O Espaço Náutico Marine Club, no populoso bairro do Guamá, também foi palco da inusitada participação de Helder e do presidente do MDB no Pará, Jader Filho, irmão do governador e também filho do senador Jader Barbalho.

Participaram dezenas de lideranças dos movimentos sociais, sindicais, partidários e estudantis. A eles, Lula destacou os feitos dos seus governos nas áreas da educação, saúde, moradia, emprego e renda. “Sou o único candidato que não posso errar, porque tenho um legado. Estou condenado a fazer mais do que eu fiz. E não me venham falar em teto de gastos, que só serve para cortar direito do povo pobre e garantir recursos para o sistema financeiro”, emendou. Ele também aproveitou para criticar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviadas por Bolsonaro ao Congresso e que prevê uma redução no valor do Auxílio-Brasil de 600 reais para 405 reais no ano que vem.

O presidenciável do PT deixou para o fim do comício temas que ganharam uma agenda própria, no dia seguinte, junto aos povos das florestas e das águas, com a contribuição de cientistas da Amazônia. “A Amazônia não será mais lugar para ter queimada e derrubada, mas será estudada e pesquisada, para se saber como a biodiversidade pode ajudar o povo da Amazônia. Não haverá mais garimpo ilegal no país, em terra indígena”, garantiu. 

Retomando a palavra após se despedir do público, Lula lembrou de levantar a mão do candidato ao Senado, Beto Faro (PT), e pedir voto a ele e a Helder Barbalho. Confiante na vitória, a militância se dispersa entoando um chavão clássico de quem ordena um “arreda pra lá” no adversário: “sal, sal, sal, sal”.