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Fachin acertou o alvo mas demorou demais

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Foi em cima desta letargia programada que o ministro Edson Fachin concedeu as três liminares que barram, por enquanto, o feirão do bangue-bangue idealizado por Bolsonaro - Nelson Jr./SCO/STF
Desde que assumiu, o presidente editou uma batelada de normas para favorecer o faroeste caboclo

Quando o Supremo Tribunal Federal analisava os decretos de Jair Bolsonaro que transformam em mamão com açúcar a compra de armas de fogo e de munição, seu ministro predileto, Nunes Marques, pediu vistas e brecou o julgamento. Ato contínuo, simplesmente sentou-se em cima da decisão durante inacreditáveis 352 dias.

Foi em cima desta letargia programada que o ministro Edson Fachin concedeu as três liminares que barram, por enquanto, o feirão do bangue-bangue idealizado por Bolsonaro.

Surfando a mesma onda armamentista e de olho nos negócios, a Taurus programou para esta Semana da Pátria o lançamento da sua coleção Independência. Um dos trabucos traz a inscrição “Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil”, com o que a fábrica de armas acerta a sintonia com o discurso protofascista que associa liberdade à arma.

Desde que assumiu, o presidente editou uma batelada - mais de 40 - decretos, portarias, resoluções, instruções e projetos de lei para favorecer o faroeste caboclo.

Mas, agora, Fachin enfureceu o clã. A ponto do deputado Eduardo, o Zero3, fazer um chamamento de sujeitos armados para se constituírem em “voluntários de Bolsonaro”.

Sugere que os pistoleiros peguem santinhos e adesivos para distribuir. Quer dizer, o eleitor vai ser abordado por um truculento com uma arma na mão e a propaganda na outra. E ai de quem recusar... 

Num estalar de dedos – ou num clique do gatilho – fomos remetidos à República Velha, quando o revólver era a lei e o voto, descoberto.

Para o ministro, “à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política” era imprescindível agir como agiu. Óbvio, menos na Terra Plana em que o país se converteu a partir de 2018.

Além do mais, o despacho não carecia da existência de ameaças e assassinatos recentes. O Brasil não tem decepcionado os amantes da selvageria armada.

A edição 2022 do Atlas da Violência indica que, entre 2009 e 2019, mais de 620 mil pessoas foram assassinadas no país. Número que a publicação cogita poder, até mesmo, chegar a 713 mil. Do total, mais da metade eram jovens e adolescentes. Uma geração foi triturada nesse moedor.

Em termos de comparação, a Guerra da Ucrânia, ao longo de 150 dias de ataques e bombardeios, matou cinco mil civis e uma cifra imprecisa de soldados de ambos os lados que não chegaria a 50 mil.

Na Bósnia, nos anos 1990, conflito que durou três anos, incluindo armamentos muito mais letais, o total de mortos não chegou a 200 mil.  

Na Síria, um levantamento feito pela ONU calculou as mortes em 350.209, embora considere a quantia subestimada.

Mesmo os Estados Unidos, a pátria das armas legais, dos serial killers e dos massacres semanais, não fazem frente à matança generalizada neste país tropical abençoado por Deus.

Um relatório alarmado do FBI, sua polícia federal, constatou que, em 2020, houve um crescimento de 29% na taxa nacional de homicídios, que bateu em 21,5 mil. Que vem a ser a metade do que o Brasil teve em 2019.

Fachin apontou e acertou o alvo. Mas demorou a sacar a caneta.

Edição: Glauco Faria