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25 anos após Abdias do Nascimento, Douglas Belchior usa boné para pautar identidade cultural

TSE liberou presença do acessório na foto do candidato petista, pois "está diretamente ligada à sua própria imagem"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Em 1997, Abdias do Nascimento defendia o uso de roupas africanas no Senado - Foto: Divulgação

"Para nós, africanos e descendentes, o modo de nos vestirmos representa muito mais que uma forma social de estar. Cada cor, cada detalhe do estilo de nossos trajes guarda uma relação direta com o nosso ontológico. Entenda-se: com a nossa identidade, com a nossa ancestralidade e, fundamentalmente, com a forma como lidamos com o mundo". Assim, em 12 de março de 1997, em discurso no Senado, o então senador Abdias do Nascimento protestou pelo direito de usar roupas africanas no Congresso Nacional.

Nesta terça-feira (13), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que o candidato a deputado federal Douglas Belchior (PT) terá o direito de aparecer de boné, na foto que o identifica nas urnas.

"Conquistamos hoje, o direito de ser na urna o que sou nas ruas, na militância, na minha vida e em todo lugar que vou. O boné é muito mais que um adorno, é uma marca que não é só minha, mas de toda uma geração que bate de frente com o mundo, na sua forma de se vestir. Eu serei na urna o que sou na vida, assim como serei no Congresso ou que sou na quebrada", afirma Douglas Belchior.

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Em seu mandato, Abdias do Nascimento tentou fazer com que o Senado aceitasse roupas africanas em suas dependências, mas o pedido foi negado. "O Brasil ainda padece de uma subserviência aos modelos ocidentais que remonta aos tempos da Colônia e do Império, quando nobres e cortesãos ostentavam como todo garbo roupas feitas de tecidos grossos e pesados, obedecendo à moda europeia da época, alheios ao fato de ser este um País tropical", criticou o ex-parlamentar, que morreu em 23 de maio de 2011.

Em sua decisão, Sérgio Banhos, ministro do TSE, justificou seu parecer favorável à Belchior. "É assertiva a utilização do acessório pelo candidato, que tem origem afrodescendente e é engajado na cultura rapper, está diretamente ligada à sua própria imagem perante o eleitorado, o que, em princípio, pode ser considerado elemento étnico e cultural, que se enquadra no permissivo legal."

O mérito sobre o caso ainda pode ser analisado pelo plenário do TSE, a decisão é provisória e vale apenas para Douglas Belchior. Outros candidatos não estão autorizados a utilizar o acessório nas fotos oficiais que estarão nas urnas.

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A tentativa de barrar o uso da foto de Belchior com o boné foi do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, que entendia que o uso do acessório era apenas um "elemento cênico". Banhos, em sua decisão, afirmou que "neste caso específico, não atrapalha a visualização do seu rosto nem dificulta o seu reconhecimento pelo eleitor".

Douglas Belchior afirmou que pretende estender o debate para a Câmara dos Deputados, caso seja eleito. O acessório é proibido no plenário da Casa. "Claro que vou brigar para usar o boné, não tem sentido a proibição, é um símbolo da resistência negra e periférica."

Edição: Nicolau Soares