Abertura da exposição Lanceiros Negros acontece ao final da Semana Farroupilha, em espaço diante do Acampamento no Parque da Harmonia, ressaltando a relevância do fato histórico. O foyer da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PRR4), unidade de segunda instância do Ministério Público Federal (MPF) em Porto Alegre (RS), ficou lotado para a abertura, no final da tarde desta quarta-feira (21).
Autoridades, convidados e parte dos 19 modelos, personalidades negras que vivem no Rio Grande do Sul e que se deixaram retratar para lembrar a força e a coragem dos escravizados que lutaram na Revolução Farroupilha (1835-1845), puderam prestigiar de perto os quadros do fotógrafo e idealizador do projeto, Marcio Pimenta. Na exposição, as fotos contaram com intervenções artísticas da publicitária, produtora cultural, atriz, escritora e jornalista Paula Taitelbaum.
O procurador-chefe da PRR4, Antônio Carlos Welter, fez a abertura da cerimônia enaltecendo o evento que marca a retomada oficial de atividades abertas ao público no foyer da Regional, um espaço que tem como objetivo aproximar a sociedade do MPF também por meio de atividades relacionadas à cultura.
Ele ressaltou a relevância da mostra e a necessidade de reparação histórica, ainda existente, a todos os descendentes de negros e negras que sofreram com a escravidão no Brasil. "A historiografia oficial é silente, omissa e pouco ou nada fala sobre o chamado Massacre dos Porongos. O fato é que mais de 200 homens negros foram mortos de forma vil, traídos em seus sonhos e seus desejos. Temos pouca ou nenhuma informação sobre essas pessoas, suas origens, nomes ou famílias, mas todos partilhavam do sonho de liberdade, que foi ceifado pelas espadas imperiais, guiadas pela falta de virtude de alguns generais farrapos", afirmou.
O procurador-chefe da PRR4, Antônio Carlos Welter, fez a abertura da cerimônia enaltecendo o evento / Foto: Katia Marko
Segundo o procurador, nossa sociedade ainda é desigual, o acesso ao ensino público ou privado não reflete a diversidade étnica brasileira. “Precisamos enquanto sociedade buscar formas de reparar o passado projetando o futuro, de não interromper a concretização dos sonhos, dos desejos, daqueles que meramente por conta da sua cor terminam preteridos. Como disse a poeta Maya Angelou, a nossa sociedade já tem muitas dúvidas, precisamos de mais arco-íris em nossas vidas.”
:: Fotógrafo Márcio Pimenta retrata os novos lanceiros negros ::
O fotógrafo Márcio Pimenta agradeceu a presença de todos, bem como o apoio das entidades que transformaram o projeto em realidade. Mas fez questão especial de destacar a abertura e disponibilidade de todos e todas que aceitaram participar do projeto. "Ninguém me conhecia e quiseram iniciar um diálogo. Em cada encontro no meu estúdio, aprendia mais sobre os Lanceiros Negros", contou.
"Em cada encontro no meu estúdio, aprendia mais sobre os Lanceiros Negros", afirmou Pimenta / Foto: Katia Marko
“Somos as verdadeiras lanceiras negras”
Representando a Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, a assessora de Diversidade, Clarissa Lima, fez um discurso muito aplaudido pelos presentes. Filha de um zelador e de uma empregada doméstica, é servidora pública beneficiada pela política de cotas e tem orgulho de ser uma das retratadas da exposição, que dá visibilidade ao povo negro e a uma história pouco contada, inclusive nas salas de aula.
"Cada uma das personalidades retratadas carrega consigo a ancestralidade dos Lanceiros Negros. Muito obrigada, Márcio Pimenta, por esse trabalho maravilhoso e, principalmente, por incluir mulheres negras, pois somos nós, mulheres negras, que geramos a vida e convivemos com a aflição de colocar uma criança negra em um mundo tão racista. Somos nós que ganhamos os menores salários e vivemos com a dupla discriminação de gênero e de raça. Fomos e continuamos sendo verdadeiras lanceiras negras.”
Emoção e poesia na fala de militante histórico
O último discurso ficou por conta do advogado e radialista Antônio Carlos Cortês, também fotografado na mostra e um dos fundadores do Grupo Palmares que, há 50 anos, idealizou e realizou a primeira celebração do 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), na capital gaúcha. Brincou que foi necessário que "o Pimenta viesse da Bahia para temperar a nossa história". E finalizou mesclando versos do poeta mineiro Geir Campos (“Operário do canto, me apresento… sem marca ou cicatriz, limpas as mãos, minha alma lima, a face descoberta, aberto o peito, e – expresso documento – a palavra conforme o pensamento”) e da poesia Navio Negreiro, do também baiano Castro Alves, um crítico contumaz do tráfico de escravos para o Brasil:
"Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!"
A publicitária, produtora cultural, atriz, escritora e jornalista Paula Taitelbaum foi convidada por Márcio Pimenta para fazer interações nas fotos / Foto: Katia Marko
Fotos contaram com intervenções artísticas
A publicitária, produtora cultural, atriz, escritora e jornalista Paula Taitelbaum foi convidada por Márcio Pimenta para fazer interações como quisesse. “Ele me disse: as fotos são essas, faz o que quiser, eu quero uma interação tua.” Paula contou que Márcio já conhecia o seu trabalho e queria trabalhar junto com ela há um tempo.
“Eu escolhi a cor vermelha e a cor branca, vermelho pelo sangue, pela paixão, branco buscando a paz, e aí eu fiz intervenções. Muitos dos fotografados eu não conhecia pessoalmente, mas através da foto do Márcio que é muito sensível, eu conseguia captar um pouco da personalidade de cada uma dessas pessoas”, afirmou.
Segundo Paula, ela tentou que nas interações tivesse sempre algo a ver com a própria pessoa, com os Lanceiros Negros. “Busquei as pontas, as lanças, a questão tribal, a questão da África, dos antepassados, da ancestralidade. E aí fui de uma forma muito livre interagindo, brincando, e me deu muito prazer também participar. Adorei o resultado final, acho que a gente fez uma parceria bem boa, eu espero que venham outras.”
“O mais importante é a valorização do povo negro”
O senador Paulo Paim, também retratado na exposição, defendeu que o mais importante da exposição é a valorização do povo negro. “A história dos lanceiros é uma história que tinha que ser, além de contada em livros, em poesia, virar um filme de época. Mostrar a forma como os lanceiros foram massacrados. Naquele momento eles eram o símbolo maior da libertação dos escravos. E assim, que nem um restinho de pólvora que acorreu o Brasil todo, e por isso massacraram eles. Então eu só posso cumprimentar com muito carinho o fotógrafo e todos aqueles que colaboraram com esse momento, é uma homenagem ao povo negro, um carinho de todos.”
O senador Paulo Paim, também retratado na exposição, defendeu que o mais importante da exposição é a valorização do povo negro / Foto: Katia Marko
Visitação pública vai até 19 de dezembro
A exposição Lanceiros Negros está aberta à visitação pública até 19 de dezembro, na PRR4, de segunda a sexta-feira, das 12h às 18h – exceto feriados. Ela faz alusão específica ao episódio conhecido como Massacre dos Porongos (1844), quando, desarmado, um esquadrão de Lanceiros Negros foi surpreendido pelas tropas imperais e acabou dizimado, dando fim ao sonho da liberdade prometida aos negros que participassem do conflito. O projeto de Pimenta, inclusive, já foi destaque em reportagem publicada na National Geographic Brasil, no final de junho.
A mostra é uma realização da Fundação Pedro Jorge e conta com apoio da PRR4, da Associação Nacional dos Procuradores da República e da Secretaria de Cultura do RS.
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* Com informações da Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal na 4ª Região
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