Desigualdade

Desinvestimento na saúde faz crianças negras e indígenas morrerem mais do que brancas

Desmonte faz indígenas de até cinco anos terem 16 vezes mais chances de morrer por má-nutrição do que brancos

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Os dados reforçam o que já foi documentado em outras pesquisas: as desigualdades raciais das barreiras de acesso aos serviços de saúde - Leonardo Milano
O racismo estrutural está por trás dessas desigualdades na mortalidade

As crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia do que as crianças nascidas de mães brancas. Entre as crianças negras, o risco é 72% maior em relação ao mesmo grupo. O dado é de um estudo liderado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz da Bahia, publicado na revista The Lancet Global Health. 

Tamanha desigualdade nas taxas de mortalidade infantil entre crianças de até cinco anos está relacionada ao acesso desigual aos programas públicos entre as populações vulnerabilizadas socialmente e o desinvestimento na saúde nos últimos anos. 

Poliana Rebouças, pesquisadora associada do Cidacs explica que a “maior disparidade racial para má nutrição, diarreia, gripe e pneumonia” está relacionada às “condições mais precárias de vida”. 

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“Como nós entendemos que o racismo é estrutural, ou seja, determina as condições de vida das pessoas e consequentemente as condições de saúde, nós entendemos que o racismo estrutural está por trás dessas desigualdades na mortalidade de menores de cinco anos por essas causas”, afirma Rebouças 

Atualmente existem políticas de saúde direcionadas para as populações indígenas e negra, mas que não foram aplicadas correta ou totalmente. “Então acreditamos que qualquer política de saúde deve ter foco nas desigualdades raciais na infância e nas igualdades raciais sobre as quais as famílias vivem, mais condições de acesso, melhores serviços para essas famílias e para as crianças”, defende a pesquisadora Rebouças. 

“O racismo opera como fator que vai determinar as condições de vida dessa criança, os anos de escolaridade da mãe, o local que nasce, por isso é importante ser considerado.” 

Na mesma linha, Maria Gomes, coordenadora do Portal de Boas Práticas e de Ações Nacionais e de Cooperação do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), afirma que o dado é “um sinalizador de profundas desigualdades sociais, raciais e de outros fatores de vulnerabilidade. Crianças indígenas e negras estão sob o maior risco de adoecimento, menor alcance de programas sociais e maior risco para mortalidade”.  

A pesquisadora também afirma que a situação se intensificou nos últimos quatro anos e principalmente durante a pandemia. “O Brasil vem passando nos últimos cinco anos por um processo de ampliação de uma crise econômica, política, social, com profundas implicações em populações mais vulneráveis. A mortalidade infantil que vinha numa tendência histórica de redução passa, em torno de 2016, a um movimento de estabilidade e mesmo de crescimento”, afirma.  

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Ao mesmo tempo, o “impacto negativo da pandemia levou a uma desorganização de serviços essenciais tanto na atenção primária quanto também serviços ligados ao atendimento de urgência e emergência e aos serviços especializados, o que trouxe uma piora na performance, no desempenho desses serviços, que já vinham há décadas lutando por uma estabilidade, por uma garantia de acesso, por procedimentos baseados nas melhores evidências, com qualidade e segurança”, diz Rebouças.  

A pesquisadora explica que esse quadro é responsável, por exemplo, pela redução da cobertura da vacinal e o agravamento do adoecimento de crianças de maneira desigual.  

Dados do estudo

No total, o estudo observou 19.515.843 milhões de crianças nascidas entre 1º de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2018, por meio do Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Mortalidade (SIM).  

Os pesquisadores observaram que, em 2020, 224.213 crianças menores de cinco anos foram encontradas no SIM. “E o que a gente traz nesse estudo é que essas mortes, muitas vezes, ocorrem por causa evitáveis, como diarreia, desnutrição, pneumonia e gripe”, afirma Poliana.  

Além da chance 14 vezes maior de uma criança indígena morrer por diarreia, o índice é 16 vezes maior em caso de má-nutrição e sete vezes em caso de pneumonia, em relação às crianças brancas. Entre as crianças pretas, os números são de 78% a mais de chances para pneumonia e duas vezes mais para má-nutrição. Nos casos de causas acidentais, as crianças negras têm 37% mais riscos de morrerem do que as crianças nascidas de mães brancas. Já entre os indígenas, esse risco é 74% maior. 

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A pesquisa também mostra o perfil das mães dessas crianças. Do total, 52% das mulheres pretas são solteiras. Entre as mães indígenas, o índice é de 43%. Das mulheres pardas, 45%, e das brancas, 36%. As mães indígenas são as que têm mais filhos: elas são 34%, as pretas 14%, as pardas 12% e as brancas 6%.    

Um fator essencial para auxiliar na sobrevivência das crianças é a realização de pelo menos seis consultas de pré-natal. Entre as mulheres indígenas, somente 29% conseguiram realizar a metade desse número, apenas três consultas. A proporção entre pretas e pardas foi igual, 11%. Entre as brancas, apenas 5%. 

Segundo o estudo, os dados reforçam “o que já foi documentado em outras pesquisas: as desigualdades raciais das barreiras de acesso aos serviços de saúde materna e suas graves consequências para a saúde materno-infantil". 

Edição: Rodrigo Durão Coelho