Eleições 2022

O que explica a diferença entre as pesquisas de intenção de voto e o resultado das eleições?

Declaração de informações falsas por parte de entrevistados ou "voto envergonhado" podem influenciar análise

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro sempre disse aos seus apoiadores para não acreditarem nos institutos de pesquisa. A consequência foi um afastamento desse eleitorado dos instrumentos de captação dos levantamentos - Ricardo Stuckert e Agência Brasil

As pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial indicavam resultados diferentes dos apresentados nas urnas deste domingo (2). Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve 48,4% dos votos e Jair Bolsonaro (PL), 43,2%. Simone Tebet (MDB) teve 4,2% e Ciro Gomes (PDT), 3%. Os outros candidatos, juntos, não chegaram nem a 2%. 

Um dos fatores que pode explicar a diferença é o fato de que uma parcela expressiva dos eleitores decide o voto no dia das eleições. Segundo pesquisa Datafolha realizada pouco antes da eleição presidencial de 2018, 12% dos eleitores definiram o voto no dia do pleito. Esses votos ficam de fora das pesquisas, tornando-as distantes do resultado eleitoral. 

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Mas, nas eleições deste ano, pesquisadores afirmam que outro fator pode explicar a diferença. João Feres Júnior, cientista político do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Manchetômetro (site de acompanhamento da cobertura de imprensa para economia e política), afirma que a principal diferença entre as intenções de voto e o que se deu nas urnas pode ser explicado pelo eleitorado bolsonarista, uma vez que a maior novidade é o percentual de votos conquistados pelo presidente que não entraram no radar dos levantamentos. 

“A diferença se deu só na intenção de voto de Bolsonaro. Na intenção de voto do Lula, as pesquisas acertaram dentro e perto da margem de erro”, reforça. "Eu acho que a única resposta possível, apesar de ser uma hipótese, é que os eleitores do Bolsonaro são arredios às pesquisas de intenção de voto, ou seja, evitam responder pesquisas ou, quando respondem, declaram informações falsas." O problema, afirma Feres Júnior, foi “captar a preferência pelo Bolsonaro”. 

Para explicar essa diferença, alguns analistas vêm utilizando a teoria do voto envergonhado. A tese da cientista política alemã Noelle-Neumann, no livro Espiral do Silêncio, é a seguinte: a percepção de que existe uma vantagem para determinado candidato leva a eleitores a de fato votar em tal candidato, sem que esse voto seja revelado nas pesquisas.  

Segundo Márcio Moretto, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, na Universidade de São Paulo (USP), “os casos de estudo da pesquisadora alemã foram de votações que, embora estivessem bem apertadas, havia uma tendência bem clara da percepção eleitorado sobre quem iria vencer o pleito. Nesses casos a votação pendeu para o "favorito" bem acima da margem de erro das pesquisas eleitorais”, afirma ele.  

“Notem, as pesquisas erram não porque as pessoas mentiram ou se omitiram ao respondê-las, mas porque um dos campos teve vergonha de defender publicamente seu voto e isso teve um impacto na última hora.” 

Mas, por esta tese, o resultado obtido pelo ex-presidente Lula poderia ser maior do que apareceu nos radares das pesquisas. A realidade, no entanto, é que teria havio um “ínfimo esforço de levar pessoas para as ruas nos momentos em que poderia fazer sentido” por parte da campanha petista, segundo Moretto, e uma “postura exageradamente cautelosa de Lula nos debates”, que foi deixada de lado apenas no último debate, da TV Globo. “A aposta foi numa estratégia de 'ganhar parado'", afirma o pesquisador.

A estratégia, entretanto, “deixou espaço para Bolsonaro ocupar as ruas e as redes com a retórica de que era ele o verdadeiro favorito”. 

“Inspirados no trabalho de Neumann, toda a campanha de Bolsonaro nas redes foi para desacreditar os institutos de pesquisa e convencer as pessoas a confiar no que elas veem nas ruas e nas redes. A estratégia deu certo. Bolsonaro deu um recado para a sua base no começo do ano: 'não acredito em pesquisas'. Pronto, sua base não respondeu mais pesquisa e seu nome encolheu nas pesquisas", diz Moretto. 

Atuação de Ciro Gomes

Alguns cientistas políticos também apontam para a migração de votos de Ciro Gomes (PDT) para Jair Bolsonaro já no primeiro turno, devido ao comportamento do pedetista de ataque ao ex-presidente Lula e ao Partido dos Trabalhadores, numa tentativa de angariar os votos de bolsonaristas.  

"No dia 28 de setembro, mostramos que Lula tinha 51%, e Bolsonaro 36%. Tebet 5%, e Ciro, 7%. No dia 1º [de outubro], divulgamos outra pesquisa mostrando o Lula caindo, com 49%, e Bolsonaro subindo com 38%. Ou seja, a tendência de última hora já era de aproximação", explica o diretor da Quaest Consultoria, Felipe Nunes, em entrevista ao UOL

"Lula acabou ficando com 48%, dentro da margem de erro, mas Bolsonaro apareceu com 43%. Isso quer dizer que ele cresceu cinco pontos. De onde vem esse voto? Houve aproximadamente 3 pontos do Ciro que foram embora, não para o Lula, mas para Bolsonaro. A postura que Ciro adotou na reta final da campanha foi determinante no tipo de apontamento que fez para o eleitor", afirmou Nunes. 

A opinião é a mesma de Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). 

“Bolsonaro, como um candidato da extrema-direita, tende a ter uma reta final de campanha que envolve fake news, agressividade ao oponente. Isso faz com que os votos no espectro da direita que estejam indecisos acabem se concentrando nele. Nesse sentido, o voto útil do Ciro Gomes foi para o Bolsonaro”, afirma, em entrevista ao Jornal Brasil Atual

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Mas há divergências. Para João Feres Júnior, não existe nenhuma comprovação de que de fato isso tenha ocorrido. “É chute puro, porque as mesmas pesquisas, quando perguntavam aos eleitores do Ciro em que votariam em um segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a maioria ia para o Lula, tanto do Ciro quanto da Simone Tebet. Portanto, não é verdade que a deflação que houve do Ciro foi para o Bolsonaro. Não acredito nisso”, afirma. 

Os resultados das pesquisas 

Os resultados divergem da pesquisa da pesquisa do Instituto Brasmarket, divulgada na sexta-feira (30) anterior à eleição. No levantamento espontâneo, quando os nomes dos candidatos não são apresentados aos entrevistados, Bolsonaro teve 44,3% das intenções de voto contra 27,6% de Lula. Ciro teve 3,8% e Tebet, 3,2%. 

Também divergem da pesquisa divulgada pelo Instituto Veritá na última semana antes da eleição. No levantamento espontâneo, Bolsonaro aparece com 47,3%; Lula com 44,7%, Ciro Gomes com 3,4% e Tebet com 3,1%. 

Um levantamento feito pelo Instituto Equilíbrio Brasil, divulgado em 28 de setembro, mostrava Bolsonaro com 46%, contra 41% de Lula. Ciro e Simone tinham 5% e 4%, respectivamente, também em levantamento espontâneo. 

As três pesquisas foram amplamente divulgadas pelas redes bolsonaristas por colocarem o mandatário à frente do ex-presidente Lula. Mas não foram apenas esses levantamentos que apresentaram índices diferentes daqueles concretizados nas urnas.

Na pesquisa Ipec (antigo Ibope), divulgada no sábado, um dia antes da eleição, Lula tinha 51% dos votos válidos e Bolsonaro, 37%. Ciro e Tebet empatavam com 5%. No Datafolha, Lula aparecia com 50% dos votos válidos, contra 36% de Bolsonaro. Tebet tinha 6% e Ciro marcava 5%.  

Já no levantamento feito pela Quaest, Lula aparecia com 49% das intenções de votos, seguido por Bolsonaro (38%), Ciro (6%) e Tebet (5%). Similarmente, a Paraná Pesquisas da sexta-feira anterior à eleição, Lula tinha 43,9%, Bolsonaro apareceu com 37,3%, Tebet teve 5,8% e Ciro Gomes pontuou 4,9%. 

Arranque bolsonarista 

Segundo Mayra Goulart, os resultados de âmbito nacional, ainda que tivessem alguma diferença em relação aos levantamentos, estão dentro da variação das pesquisas. “Os resultados estaduais erraram bastante, mas amostras reduzidas têm maiores chance de erro, porque fazem uma prospecção nacional de algo regional”, afirma. 

Na eleição em São Paulo para o Senado, todas as pesquisas estavam mostrando Márcio França (PSB), da coligação do ex-presidente Lula, à frente de Marcos Pontes (PL), aliado de Bolsonaro. No sábado anterior à eleição (1º), o bolsonarista aparecia com 31% das intenções de voto contra 43% de França, segundo o levantamento Ipec. No fim do dia, entretanto, Marcos Pontes estava eleito senador com 49,91% dos votos. França apareceu em seguida, com um desempenho de 35,9%. 

No pleito para o governo paulista, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) liderava as intenções de voto com 39%, enquanto Tarcísio de Freitas (Republicanos) aparecia com 31%, conforme dados do Datafolha também divulgados no sábado. Com 100% das urnas apuradas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), no entanto, Tarcísio teve 42,3% dos votos e Haddad, 35,7%. 

O arranque dos eleitores de Bolsonaro, que não foi captado pelas pesquisas, também reforçou a agenda bolsonarista no Congresso Nacional. A sigla do presidente Jair Bolsonaro, o PL, conseguiu eleger a maior bancada da Câmara dos Deputados e do Senado. No total, foram eleitos 99 deputados federais, um aumento de 23 parlamentares em relação à legislatura atual. No Senado, foram eleitos oito senadores, somando 13 congressistas na Casa. Com isso, o PL conseguiu totalizar 112 parlamentares no Congresso Nacional.

Edição: Rodrigo Durão Coelho