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Cresce a participação na votação no exterior e TRE-DF estuda projeto para voto online

Com a adesão de 304 mil pessoas, o primeiro turno garantiu vitória do PT no exterior, mas PL vence na América Latina

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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Brasileiros fazem fila para votar na embaixada em Buenos Aires, na Argentina, no último domingo (2). - Igor Freitas Lima

As imagens de filas quilométricas para chegar ao local da votação se repetiram em países de todas as regiões durante a eleição do último domingo (2). A cena, também registrada em zonas eleitorais brasileiras, foi inédita em muitos países onde o Brasil tem relações diplomáticas, já que, para este pleito, houve um aumento de 39% na regularização do título de eleitor fora do país.

Em termos de adesão, o pleito do dia de 2 de outubro contou com a participação de 304 mil pessoas, o que representa 43,7% do eleitorado no exterior. Em 2018, a participação foi de 40%, com 202 mil pessoas.

Um caso emblemático foi na Argentina. Maior colégio eleitoral fora do Brasil na América Latina, a Argentina registrou um aumento de 78% de transferência de título de eleitor de brasileiros residentes no país. O principal local de votação chegou a ter quatro horas de fila para votar.

Nesse sentido, a abstenção diminuiu de 59% para 56%, mas ainda é uma taxa considerada alta para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), Roberval Belinati. Para isso, ele anunciou que enviará um projeto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para habilitar o voto pela internet no exterior.

"A abstenção ainda é alta. Na minha opinião, pela dificuldade dos eleitores para votar no exterior", diz Belinati ao Brasil de Fato. "Já temos adotado o voto pela internet no Brasil. A OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] realizou, há poucos dias, a eleição para a nova diretoria pela internet. Eleições seguras, transparentes e pacíficas, nunca houve problema", relata.

"Já falamos com o ministro [Edson] Fachin e com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e eles ficaram muito empolgados com a ideia", diz. A modalidade facilitaria o processo de votação e implicaria em uma redução de gastos, defende. Segundo presidente do TRE-DF, foram enviadas 1.018 urnas eletrônicas e de lona a 100 países, e o custo para a garantia do pleito no exterior foi de R$ 10 milhões de reais.

O processo virtual consistiria, então, em um cadastro para votação em um determinado período. O eleitor receberia uma senha e, no dia da eleição, realizaria o voto através de um dispositivo digital, de qualquer lugar do mundo. Roberval ressalta que o projeto será estudado pelo TSE.

Facilidades para o voto no exterior

A possibilidade de realizar a transferência virtualmente também foi um facilitador. Além disso, campanhas internacionais pelo voto no exterior fizeram chegar as informações sobre a regularização do título a mais pessoas. O jornalista Paulo Pereira, coordenador do núcleo do PT na Argentina, conta como a campanha de informação na Argentina foi importante para que mais brasileiros realizassem a transferência de título de eleitor para o país onde residem. Na última eleição, em 2018, eram 7.143 os brasileiros aptos para votar na Argentina; em 2022, são 12.746.

"O trabalho de divulgação do núcleo colaborou para a ampliação do número recorde na Argentina. Muita gente vinha nos perguntar se ainda poderiam votar, como funciona, como fazer o processo", conta.


Brasileiros acompanham apuração dos votos no sindicato dos metalúrgicos em Buenos Aires, na Argentina. / Igor Freitas Lima

"Mas atribuímos esse aumento a vários fatores, porque não estamos desconectados da realidade do Brasil", ressalta. "A campanha com artistas encorajara os jovens a tirar o título. Depois, há uma comunidade brasileira que saiu do Brasil pós-golpe de 2016, e pós-pandemia, e essa imagem péssima do Bolsonaro incentivou as pessoas a participarem desse processo eleitoral."

"Essas eleições são, em certa medida, atípicas do ponto de vista da mobilização do eleitorado", afirma o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, autor do podcast Fora da Política Não Há Salvação. "Há uma polarização grande, que parece diferente do que atravessamos em 2018. Ainda era o início da consolidação de dois campos políticos", diz Couto. 

"Hoje, o bolsonarismo se consolidou nesses 4 anos, com um perfil autoritário. Isso explica a mobilização no Brasil. Vemos votos diferentes de anos anteriores, com uma queda nos brancos e nulos. Foram 4%, um número baixo considerando eleições presidenciais", observa.

No total, foram 294.525 votos válidos no exterior."Todo voto conta, cada voto é importante", defende o presidente do TRE-DF. "Um voto pode decidir uma eleição."

Para a eleição no exterior, o voto é exclusivamente para o cargo de presidente.

Como votaram brasileiros na América Latina?

O cenário da votação no exterior neste primeiro turno foi muito parecido com o registrado nas urnas em território brasileiro. Foram seis pontos de votos válidos de diferença: o candidato Lula (PT) venceu com 47% o presidente Jair Bolsonaro (PP), com 41%. Em território nacional, a diferença foi de cinco pontos.

Foi a primeira eleição que o PT vence no exterior desde 2002, pleito que elegeu Lula a presidente pela primeira vez, com 60% dos votos válidos fora do Brasil no segundo turno. Na América Latina, no entanto, o mais votado foi o candidato pelo PL, Bolsonaro.

 

*Dados da Guiana Francesa (que não puderam ser desagregados da França no mapa): 231 votos em Bolsonaro (60%) e 110 em Lula (28%), com 39% de taxa de participação.

**A exceção para analisar o panorama foi a Venezuela, que não contou com local de votação no território, dado o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com o país em 2020.

O que explicaria, então, o cenário na região?

Para Mônica Valente, secretária executiva do Foro de São Paulo, há uma convergência entre países que atravessaram processos recentes de insurgência popular, eleições vitoriosas para o campo progressista e territórios onde Lula venceu.

"Nesses países, foi colocado em questão um polo mais progressista, com justiça social, de integração regional, de resgate do papel do Estado, onde os brasileiros no exterior, com algumas exceções, votaram majoritariamente em Lula. A exceção, nesse quadro, é a Bolívia, e precisamos entender melhor qual o grau de migração do agronegócio para esse país", afirma.

Bolsonaro também ganhou no Peru, com 48%. O país é governado por Pedro Castillo, professor e dirigente sindical, que venceu a eleição em 2021 contra Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori.

A participação de brasileiros na região neste primeiro turno foi de 54%. Com a alta adesão no primeiro turno, e a desistência de muitos devido às filas, a campanha agora se concentrará em incentivar as pessoas a voltarem às urnas no próximo dia 30, para o segundo turno.

Muitos deverão comparecer, dado o engajamento provocado pela própria conjuntura. No entanto, o eleitor no exterior é suscetível a dúvidas específicas pela particularidade de participar do pleito fora do Brasil e, em muitos casos, de ser a primeira eleição que participam no exterior.

A articulação com movimentos e referências em outros países torna-se fundamental para alcançar e conscientizar o eleitorado brasileiro em outros países, especialmente os que contam com uma população numerosa de brasileiros. E não apenas para comparecer às urnas a cada quatro anos, mas também para a conscientização política e cidadã.

"No final de 2018, foram os movimentos populares, sindicais e partidos no exterior que conseguiram furar o bloqueio da mídia empresarial e corporativa no Brasil sobre a prisão do Lula", destaca Monica Valente. "Foi a partir do laço no exterior, da mobilização, da discussão e de figuras da intelectualidade de todo o mundo que órgãos da imprensa no exterior passaram a prestar atenção nas nossas questões."

Como lembra Paulo Pereira, em um encontro com o ex-presidente Lula na Cidade do México neste ano: “Ele disse que, se não fosse a comunidade internacional, incluindo todos os personagens políticos, anônimos, que faziam festivais Lula Livre, marchas, abaixo-assinados, que iam atrás de juristas, personalidades da mídia política, talvez ele ainda estivesse na cadeia", conta Pereira.

"Temos hoje um presidente no poder que ameaça constantemente o Estado democrático de direito, e avisa que não vai reconhecer os processos eleitorais. O apoio internacional nunca foi tão importante", ressalta. "Em termos de números, parece irrisório dizer que temos 13 mil eleitores na Argentina, ao lado dos 156 milhões no Brasil. Mas não é só um número, é também uma grande mensagem e apoio internacional dizendo que nosso campo vai derrotar o ódio e o fascismo, seja onde for."

Edição: Thales Schmidt