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Nossa batalha de Stalingrado

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Até 30 de outubro, Bolsonaro e Lula disputarão voto a voto a preferência de eleitoras e eleitores - Flickr/Presidência da República e Flickr/Agência PT | Montagem: Brasil de Fato
A própria esquerda não entendeu o que significa o Bolsonaro de 2022

Olá! Enquanto ainda estamos tentando entender o que se passou no último domingo, já vivemos as emoções do segundo e do terceiro turno.

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.Jair vai à guerra. No primeiro round, o capitão conseguiu com sucesso associar Lula ao tema da corrupção e unificar o antipetismo, revertendo o quadro desfavorável que vinha prevalecendo na campanha. A estratégia levou os eleitores de Ciro e Tebet ao voto útil de última hora, o que explica, em parte, os erros dos institutos de pesquisa que subestimaram a força do bolsonarismo, e da própria esquerda que não entendeu o que significa o Bolsonaro de 2022, turbinado pelo apoio do centrão no Brasil profundo. Agora, Bolsonaro pretende virar o jogo e fazer da eleição um plebiscito sobre o retorno de Lula, tirando o foco de sua rejeição e do fracasso de seu governo. Com isso, partiu para uma blitzkrieg que conseguiu reunir o crème de la crème antipetista numa rede de apoio que inclui os governadores eleitos Romeu Zema (Novo/MG); Cláudio Castro (PL/RJ); o atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), derrotado nas eleições; e o ex-desafeto e recém eleito senador Sérgio Moro (União Brasil/PR). O que mostra que os partidos não controlam a decisão de seus caciques. A principal preocupação de Bolsonaro, como se vê, é recuperar a popularidade no sudeste, maior região eleitoral do país. E já que a máquina está ligada, vale segurar os preços do petróleo mais uma vez e anistiar 90% das dívidas de pessoas físicas na Caixa. E é claro que não faltará o “toma lá, dá cá”, com os governadores cobrando o preço para dar um apoio mais entusiasmado. Por outro lado, os cortes do governo na educação podem reanimar os movimentos de estudantes e repercutir na eleição. Apesar de ter saído atrás na esfera institucional, Lula também conquistou apoios importantes, do PSDB, do Cidadania, de caciques do MDB, do ex-presidente FHC, dos “pais” do Plano Real e, especialmente, de Simone Tebet. Os 4,2% de votos da emedebista podem ser determinantes para Lula fechar a fatura. Além disso, a campanha petista conseguiu fazer a serpente provar do próprio veneno nas redes: viralizou a ligação de Bolsonaro com a maçonaria, assim como a fala de Bolsonaro associando o nordeste ao analfabetismo também contribuiu para impulsionar a campanha de Lula.

.A queda do Tucanistão. A exclusão do PSDB do segundo turno paulista após um domínio de quase três décadas do Palácio dos Bandeirantes provavelmente foi o ato de despedida do partido que governou o país por duas vezes e disputou a presidência competitivamente em seis eleições. A queda da Roma tucana é a combinação da luta intestina em que o partido se meteu desde 2014 e da incorporação do eleitor tucano ao bolsonarismo desde 2018. Não apenas do eleitor, mas dos próprios dirigentes. Afinal, o cargo de vice na chapa de Simone Tebet era apenas figurativo e as posições do derrotado Rodrigo Garcia em São Paulo, e de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul, revelam que o partido está mais próximo do capitão do que da velha social-democracia. Não à toa, além da adesão de tucanos históricos, como FHC e Serra, à candidatura Lula, a decisão de Garcia de apoiar Bolsonaro levou a uma debandada de secretários estaduais, do irmão de Mário Covas e até do recém-convertido Alexandre Frota. O que será do PSDB num cenário em que Bolsonaro não esteja no poder, é uma questão a ser respondida. Outro tucano, mas com o hábito de mudar a penugem, Ciro Gomes, também corre risco de extinção. No fim das contas, o voto cirista era mesmo um voto antipetista ou bolsonarista envergonhado. E o comportamento infantil no anúncio do apoio do PDT a Lula só reforça que o futuro de Ciro deve ser fora do trabalhismo. O fim parece próximo também para outro fenômeno fagocitado pelo bolsonarismo, o MBL. Abatido pelos escândalos de youtubers e dublês políticos como o Mamãe Falei, o MBL elegeu apenas dois de seus candidatos. Os desaparecimentos não são apenas ideológicos, mas literais: sete partidos deixaram de ter representação no Congresso, em comparação com 2018, e o número pode aumentar já que seis partidos que elegeram deputados federais não cumpriram a cláusula de barreira (Pros, Patriota, PSC, PTB, Solidariedade e Novo). Portanto, novas fusões e federações partidárias estão no horizonte. O certo é que, independente de legendas, o próximo congresso será mais conservador e terá um centrão mais fortalecido. E as urnas nem esfriaram e a disputa para a presidência da Câmara e do Senado já começou: as recém eleitas Damares e Tereza Cristina ameaçam a Rodrigo Pacheco no Senado, enquanto Arthur Lira não tem com que se preocupar, por enquanto, na Câmara.

.Festa no condado. Resignados, mas não muito, com a possibilidade de conviver com um governo Lula, a Faria Lima não poderia ter tido um domingo mais satisfatório. Na melhor das hipóteses para a Bovespa, Bolsonaro se reelege. Neste caso, terá à frente um homem com coragem para fazer o serviço sujo, como cortar verbas da educação sem qualquer remorso. A alegria da Faria Lima com este cenário pode ser medida pela disparada de ações na segunda-feira e pela abertura da temporada de caça às estatais de energia e saneamento. Na hipótese menos pior, o susto do primeiro turno obrigará Lula a negociar os termos de um acordo econômico do qual o petista vinha se esquivando durante toda a campanha. O recado foi dado inclusive por quem passou para este lado da trincheira: os tucanos Armínio Fraga e Edmar Bacha e o ex-secretário de política econômica do governo Lula, Bernard Appy, defendem que o programa econômico seja mais moderado e voltado para o centro. O mesmo discurso dá o tom do “apoio” da revista inglesa The Economist, bíblia do mercado financeiro, que incluiu o nome do futuro ministro da Economia na lista de exigências. Até aqui, nem Lula e nem o PT se incomodavam com a chuva de especulações para o Ministério mas, para alegria da Faria Lima, Lula já admite que o nome não virá das fileiras de seu partido. Além disso, tem sinalizado que é do interesse do partido enfrentar a reforma tributária e compensar os Estados com Parcerias Público-Privadas nas áreas de infraestrutura e logística. Além do mercado financeiro, os desafetos do agronegócio e evangélicos também devem receber acenos da campanha nos próximos dias.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Projeto fazendão versus Plano de Metas à la JK. Eleições 2022 e a economia em disputa. Em entrevista para o Instituto Humanitas, o economista José Luis Oreiro compara as propostas econômicas e projeta o futuro da economia brasileira após as eleições.

.Representatividade no Congresso: avanço lento e temas sob risco. No Nexo, um panorama do novo mapa do Congresso para 2023 e o que explica o crescimento das representações de mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+.

.Regime autocrático e viés fascista: um roteiro exploratório. No A Terra é Redonda, André Singer detalha com precisão cirúrgica a anatomia do fascismo bolsonarista.

.Ameaça da China e ataque ao STF: o que o podcast de Steve Bannon diz sobre o Brasil. A Agência Pública analisou centenas de episódios do podcast de Steve Bannon para compreender o pensamento da nova direita sobre o Brasil.

.Análise de hashtag bolsonarista revela coordenação para apoiar golpe nos EUA. O Núcleo Jornalismo revela como o governo Bolsonaro e seus seguidores apoiaram a tentativa de golpe de Trump nos EUA pelas redes.

.Documentos inéditos mostram que Exército abraçou o Centrão desde a Constituinte. Veja como os militares colaboraram com a construção do centrão no fim da ditadura. No Intercept.

.Catar 2022. A Copa do Mundo Greenwashing. O Instituto Humanitas traduz o artigo de Jérôme Latta sobre o falso discurso e os riscos ecológicos da Copa no Catar.

.20 novos livros para ler em tempos de eleições. A revista 451 indica leituras para compreender o atual momento político brasileiro.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Felipe Mendes