"Pintou um clima"

"Machista e xenófobo": advogada venezuelana repudia fala de Bolsonaro sobre crianças migrantes

Diretora de ONG disse que declaração deixa evidente preconceito do mandatário; deputado venezuelano também condenou ato

Caracas (Venezuela) |
Essa situação deixa evidente os preconceitos com os quais Bolsonaro interpreta a realidade, disse advogada - Alan Santos/PR/Flickr

As declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre um encontro que teve com crianças venezuelanas que vivem no Brasil gerou repúdio entre políticos e organizações defensoras dos direitos humanos da Venezuela. 

Na última sexta-feira (14), em entrevista a um podcast transmitido pelo YouTube, o presidente brasileiro afirmou que havia se reunido em uma região do Distrito Federal com meninas "de 14, 15 anos", de nacionalidade venezuelana, que estavam "arrumadas para ganhar a vida". Bolsonaro também disse que o motivo que o fez parar para conversar com as crianças foi porque "pintou um clima".

Em entrevista ao Brasil de Fato, a advogada e diretora da ONG venezuelana Surgentes, Martha Grajales, condenou as falas do mandatário e disse que elas "deixam evidentes uma postura preconceituosa".

"Toda essa situação deixa evidente os preconceitos machistas e xenófobos com os quais Bolsonaro interpreta a realidade, porque ao constatar que se tratava de jovens venezuelanas que estavam se arrumando em um sábado ele presumiu que era para exercer a prostituição", disse.

Em matéria publicada pelo portal UOL, uma das mulheres venezuelanas que esteve no local durante o encontro com o presidente afirmou que a atividade que elas realizavam "não tem nada a ver com o que ele [Bolsonaro] está falando agora". Segundo a entrevistada, elas participavam de uma ação social com "uma brasileira que fazia curso de estética que vinha até aqui para fazer a prática do que estava aprendendo, de corte de cabelo, design de sobrancelha".

Para Grajales, o presidente tentou se aproveitar politicamente do fato para ligar o que ele imaginava se tratar de uma atividade relacionada com prostituição infantil à crise que ocorre na Venezuela.

"Tudo isso nos permite constatar que, além dos terríveis preconceitos que refletem o comportamento do presidente, seu verdadeiro interesse não era proteger os direitos dessas crianças, senão instrumentalizar politicamente essa situação", afirmou.

O deputado Gilberto Giménez, do partido Movimento Eleitoral do Povo (MEP) e membro da Comissão Especial para Migrantes do Congresso da Venezuela, também aponta para um caráter político das falas de Bolsonaro e disse que o presidente encoraja uma "estigmatização" do migrante venezuelano.

"Essa triste declaração de Bolsonaro não nos surpreende, pois ela se encaixa em sua personalidade doentia. Independente das minhas diferenças políticas com o presidente brasileiro, isso faz parte de uma estigmatização do venezuelano e da Venezuela que vem ocorrendo nos últimos anos", disse Giménez ao Brasil de Fato.

Para o parlamentar, a mesma estratégia "de atacar a Venezuela e o migrante venezuelano ocorreu na Colômbia, no Peru e em outros países que eram governados pela direita, mas eles falharam e tenho certeza de que no Brasil também não terão sucesso".

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), cerca de 6 milhões de venezuelanos vivem fora da Venezuela. Muitos deles participaram dos fluxos migratórios dos últimos anos impulsionados pela crise econômica no país e, no Brasil, existem cerca de 300 mil migrantes do país vizinho. 

Para Grajales, muitas mulheres migrantes encontram condições de vida ruins nos países para os quais migraram e deveria ser papel das autoridades locais proteger e preservar os direitos humanos dessas cidadãs. 

"Não se trata de desconhecer a realidade de muitas mulheres venezuelanas que se viram obrigadas a migrar de nosso país nos últimos anos como consequência da grave crise econômica que atravessamos, mas é importante dizer que é absolutamente condenável usar essa dolorosa realidade para tentar tirar proveito político, enquanto demonstra que na ação concreta não há nenhuma vontade para compreender e transformar essa situação", destaca.

Edição: Thales Schmidt