Coluna

O Brasil virou uma enorme Aparecida

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Apoiador do presidente com dedo em riste contra funcionários de emissora de TV - Reprodução/Twitter
As cenas do dia 12 são uma versão um pouco mais concentrada do que acontece no país desde 2018

Qualquer brasileiro com um mínimo de senso de civilidade e respeito à liberdade religiosa no Brasil ficou atônito com as cenas no último dia 12. Entre muitos católicos, o sentimento é de indignação.

Clérigos sendo vaiados, igrejas sendo ameaçadas por tocarem sinos, gritarias, bagunça e gente alcoolizada durante uma celebração religiosa em Aparecida do Norte na celebração ao dia de Nossa Senhora, padroeira do Brasil, e um dia muito importante para o catolicismo brasileiro. 

As cenas são só uma versão um pouco mais concentrada do que acontece em todo o país desde 2018: os hooligans-canarinhos espalhando arruaça por onde passam, só faltam as pessoas armadas, pois até agressões e ofensas nós tivemos. 

Até mesmo nos locais de trabalho a população não está segura, o Tribunal Superior Eleitoral já registrou mais de 200 casos de assédio eleitoral, onde empregadores estão coagindo seus funcionários a votarem em Jair Bolsonaro. 

Não é só um golpe de estado, tanques nas ruas ou fardados solapando o poder civil que podem colocar em risco a nossa democracia, a corrosão da civilidade e a incapacidade da convivência com o contraditório são tão nocivas para a democracia quanto qualquer outra coisa. 

Não há democracia quando um dos lados é agredido, assassinado ou teme manifestar suas preferências políticas por isso representar riscos à sua integridade. Na verdade, o autoritarismo sempre começa assim: com um grupo virando alvo do outro. 

Na mesma semana da esbórnia em Aparecida do Norte, o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, apelou à "calma e discernimento" em seu Twitter no último domingo (16), chegando a fazer referência a regimes totalitários, ao se defender de acusações de apoio à esquerda por ter uma foto com roupa vermelha em seu perfil. Acontece que a cor vermelha é a cor padrão das vestes dos cardeais da igreja católica no Brasil e ao redor do mundo. 

Relatos semelhantes foram registrados em igrejas evangélicas onde fiéis vestidos de vermelho são impedidos e assistirem cultos. 

Aqueles que acusam Lula e o Partido dos Trabalhadores de planejarem fechar igrejas são os mesmos que empreendem uma verdadeira escaramuça contra religiosos, sejam eles católicos ou evangélicos, em todo o país.

E é isso que assistimos há quatro anos! O presidente dia sim e dia também ameaçando opositores, instituições e a sociedade enquanto os problemas da sociedade brasileira ficam de lado, assim como o dia de Nossa Senhora de Aparecida foi colocado de lado em prol de um show de grosserias. 

Todos os dias e até mesmo no meio da pandemia do coronavírus, assistimos cenas definitivamente grotescas de desrespeito até mesmo com o luto alheio, algumas destas, protagonizadas pelo presidente do país que foram replicadas aos montes por seus apoiadores em todo o país. 

E enquanto o presidente chora e tenta comover os eleitores na TV, nas redes sociais e eventos públicos o radicalismo segue o mesmo, sem qualquer redução, o Bolsonaro raiz que ataca os opositores, as instituições e qualquer um que não lhe apoie integralmente, assim como seus apoiadores em Aparecida. 

No debate organizado pelo pool do Grupo Bandeirantes, além da TV Cultura, Folha de São Paulo, CNN e UOL, Bolsonaro fez a mesma coisa. Apelou para teorias da conspiração, QAnon e mesmo ganhando mais de cinco minutos “gratuitos”, não conseguiu falar com ninguém além da sua seita de “zapzap e Telegram”. 

Mentiu, degradou o debate e agiu com demasiada desfaçatez e desdém pela seriedade e importância do momento. 

Acontece que isso não é positivo para quem está atrás por mais de 6 milhões de votos, pesquisas qualitativas feitas pela AtlasIntel e também pelas campanhas dos candidatos mostram que mesmo com o presidente saindo ligeiramente melhor no último bloco, o evento não foi tão lucrativo para Bolsonaro.

Embora o Brasil e a civilidade percam toda vez que o presidente se aproxime de um microfone, pelo menos, a sua intenção de votos e os cabelos do seu marketeiro saem perdendo também.

Edição: Glauco Faria