Rio Grande do Sul

Racismo

Ofensas contra Seu Jorge viram caso de polícia no RS

O cantor teria sido chamado de “negro vagabundo” durante show no Grêmio Náutico União, clube da elite de Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Delegacia de Combate à Intolerância investiga atos de racismo proferidos contra Seu Jorge - Foto: Reprodução/Instagram

A polícia civil abriu uma investigação sobre possíveis atos de racismo contra o cantor, compositor e ator Seu Jorge durante sua apresentação no Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, na noite de sexta-feira (14). A apuração está a cargo da Delegacia de Combate à Intolerância.

No clube, um dos mais tradicionais da capital gaúcha, parte da plateia teria chamado o artista de “negro vagabundo”, enquanto pessoas reproduziam o som gutural - “Uh, Uh, Uh” - de macacos.

“Nó no estômago”

A denúncia correu como um rastilho nas redes sociais, tornando-se um dos assuntos predominantes e gerando reações de inconformidade. “Saí com um nó na garganta com aquilo que presenciei ali”, descreveu uma das pessoas que estava na plateia diante das agressões que viu e ouviu no salão do clube que, pelos seus cálculos, abrigaria cerca de 800 espectadores. Sem revelar sua identidade por temer alguma represália, ela foi entrevistada no programe Timeline, da rádio Gaúcha.

“Era uma plateia 100% branca”, disse, que desaprovou uma fala de Seu Jorge ao trazer ao palco um menino de 15 anos, Pedrinho da Serrinha, exímio instrumentista do cavaquinho.

Seu Jorge criticou as propostas sobre a redução da maioridade penal e, segundo a testemunha, argumentara a importância do preto ter um lugar na sociedade. Antes, recitara “Negro Drama”, música do grupo Racionais MC’s que trata da dureza da vida da juventude negra na periferia. “Não foi um discurso partidário, apenas antirracista”, observou.

Quando se apagaram as luzes, no hiato entre o fim da apresentação e o bis costumeiro, começaram os gritos de “Uh, Uh, Uh” e os xingamentos de “negro vagabundo”, “preguiçoso” e outros.

Seu Jorge retornou à cena e disse apenas algo como “Fiquem bem” e se retirou. “Foi aí que começaram os gritos de “Mito”, “Mito”, relembrou. Há quem diga que o cantor teria feito o “L” de Lula. Ela afirma que não viu esse gesto.

O clube fica no bairro Moinhos de Vento, de alta classe média. A zona eleitoral que abarca a região é uma das duas entre as dez de Porto Alegre onde Bolsonaro ganhou a eleição. É o reduto de onde partiram as marchas pelo impeachment e, depois, da militância bolsonarista.

RS é “palco perverso de racismo”

Hoje (17), o Núcleo de Pesquisa Antirracismo da Faculdade de Direito da UFRGS divulgou nota descrevendo o episódio como “gravíssima e criminosa situação de racismo institucional”.

Acrescenta que o Rio Grande do Sul “tem se notabilizado no mundo, a exemplo do caso Beto – o cliente que foi espancado até a morte por seguranças de uma unidade do supermercado Carrefour – como o palco mais perverso do racismo institucional”.

Cita episódios de racismo em estádios, clubes, lojas, hospitais, bancos e outros ambientes e pede ainda responsabilização de todos os envolvidos.

“Envolvidos serão responsabilizados”

O União, como é chamado, informou estar “apurando internamente os fatos”. Segundo seu presidente, Paulo José Kolberg Bing, “se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados”. Em nota, ele afirma que o clube “repudia qualquer tipo de discriminação”, adicionando que o União respeita o trabalho do artista.

Centenário, o clube foi fundado pela colônia alemã em 1906 para a prática do remo. Seus jovens fundadores deram-lhe, então, o nome de RuderVerein-Freundschaft, na tradução “Sociedade de Regatas Amizade”. Quando veio a I Guerra Mundial e a Alemanha passou a ser inimiga do Brasil, trocou sua identidade para a atual.

Da primeira sede, um barraco de tábuas, chegou às quatro sedes atuais, com 60 mil associados e 450 funcionários, tornando-se – como garante seu site – o terceiro maior clube do país.


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Edição: Marcelo Ferreira