Eleições 2022

O uso dos candidatos à Presidência nas disputas estaduais

Quanto a proximidade de postulantes aos governos de estado dos presidenciáveis pode mudar suas chances na eleição?

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Associado a Lula em 2018, Haddad foi o segundo candidato a governador do PT que menos cita o ex-presidente em seu perfil do Twitter - Foto: Reprodução

Durante o primeiro turno das eleições 2022, o Twitter se apresentou como uma ferramenta massiva de comunicação para os candidatos aos diversos cargos em disputa no Brasil. Nesse sentido, a disputa para o cargo de governador(a) dos 26 estados brasileiros não foi diferente. Mesmo o cargo sendo focado nas políticas locais, isso não implica que os candidatos iriam simplesmente ignorar o cenário da disputa federal ou mesmo que não poderiam se beneficiar de um apoio ou proximidade com um ou outro candidato. Porém, será que se vincular à disputa federal de fato é interessante para esses candidatos?

Com base no monitoramento de 90 candidatos a governador em todos os estados da federação durante todo o primeiro turno, dos dias 16 de agosto a 1 de outubro deste ano, vimos que a quantidade de citações entre Lula, Bolsonaro e Ciro Gomes variou bastante por partido e que alguns partidos não fizeram nenhuma menção a nenhum dos candidatos. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi o que mais citou Lula em relação às suas publicações totais. O partido citou os presidenciáveis em mais da metade dos tweets postados pelos seus 11 candidatos a governador. Já no campo oposto, citando majoritariamente Jair Bolsonaro, encontra-se o PRTB, que traziam o atual presidente da República em mais de 40% dos tweets publicados.

Em média, o conjunto de candidatos a governador(a) de um partido cita os candidatos à Presidência em 16% de seus tweets. Sem contar o PSTU e o PRTB, todos os partidos que ultrapassaram essa marca faziam parte da coligação de Jair Bolsonaro ou de Lula, citando majoritariamente seu próprio candidato. Essa escolha de utilizar o candidato como uma forma de crescer sua visibilidade é uma estratégia que foi utilizada por muitos, porém, não de maneira uniforme.

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Não é difícil pensar em exemplos em que a associação com candidatos à Presidência pode ou não favorecer outros candidatos a cargos menores. Mesmo em disputas para eleger deputados federais, é possível encontrar estampada a figura de Lula ou Bolsonaro ao lado de algum nome dos mais diversos partidos da coligação. Isso permite ao eleitor, rapidamente, associar um candidato novato a pautas que já são de conhecimento mais geral. Em 2018, a associação de Haddad com Lula foi um exemplo claro disso, e o mote “Haddad é Lula e Lula é Haddad” foi um dos principais slogans de campanha para o candidato petista. Isso não era diferente do lado oposto, sendo que usuários de grupos de WhatsApp de apoio ao atual presidente, poucos dias antes do primeiro turno das eleições 2018, recebiam listas imensas de candidatos associados ao número 17 para “quem apoia o capitão” votar.

Nesta eleição, se observarmos os candidatos de ambas as coligações, apenas com candidatos que utilizam o Twitter para sua campanha (eles tuitaram ao menos 50 vezes durante o primeiro turno), vemos que nem todos se utilizam dessa ferramenta da mesma forma. No caso do PT, Edegar Pretto, candidato ao governo do Rio Grande do Sul, foi o que fez o maior número de tweets citando Lula. Entre os tuítes, as frases “Com muito orgulho, sou candidato do Lula no RS. Criamos as UPAS, as Farmácias Populares, o SAMU, ampliamos o GHC e o Hospital de Clínicas. E no governo Tarso Genro, se cumpriu os 12% do orçamento em saúde pública. #lulaedegar13”. Edegar iniciou a campanha com aproximadamente 8% das intenções de voto, mostrado pelas pesquisas, e terminou com 17,4% dos votos (última pesquisa), sendo que, nas urnas, obteve 26,77%. O segundo que mais usou a imagem do presidente foi Jerônimo Rodrigues, candidato ao governo da Bahia, que tinha, nas pesquisas iniciais, 18% dos votos, tendo terminado a campanha com quase 35%. 

Não é possível fazer uma associação direta dessa "migração de votos" da imagem de Lula para a de seus aliados, mas a tentativa dos candidatos a governador de tentar aproximar sua imagem da do petista busca ampliar sua base de apoio, aproveitando-se do engajamento do candidato à Presidência. 

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Entre os candidatos a governos estaduais da coligação de Jair Bolsonaro, a imagem do presidente foi ainda mais utilizada. Nesse caso, apenas três candidatos a governador não citaram Jair Bolsonaro: Carlos Moisés, do Republicanos de Santa Catarina (ele foi o candidato que começou com valores mais altos nas pesquisas, com 30,7% de intenções de votos); Wanderlei Barbosa, do Republicanos do Tocantins (também o candidato com maior intenção de votos desde a primeira pesquisa); e Cláudio Castro, do PL do Rio de Janeiro (que começou em posição intermediária e terminou eleito no primeiro turno). 

Por outro lado, o candidato que mais cita Bolsonaro é Tarcísio de Freitas, do Republicanos que busca vaga em São Paulo contra Haddad. Curiosamente, Haddad, que teve em 2018 seu nome amplamente associado ao de Lula durante a campanha presidencial, não se associa da mesma forma ao ex-presidente. Haddad foi o segundo candidato a governador do PT que menos cita Lula em seu Twitter. 

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A estratégia de os candidatos a governador se associarem aos presidenciáveis se mostrou favorável comparativamente a postagens regulares. Mesmo partidos que não fazem parte das coligações puderam se beneficiar no número total de interações no momento em que citam Lula ou Bolsonaro. Vemos, por exemplo, como o NOVO teve um engajamento 150 vezes maior ao citar Jair Bolsonaro; o PSD, mais de 75 vezes; o PSDB, mais de 60 vezes. Entre os partidos que cresceram mais ao citar Lula, encontramos, na oposição, Republicanos e PL, e apoiando o candidato, PCB, PDT, PSOL e MDB. Em média, ao citar Bolsonaro, um post recebe 1.325 interações, citando Lula, recebe 635, e sem citar nenhum, recebe, em média 228 interações. 

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Em outras palavras, de modo geral, a “federalização” das campanhas estaduais, ou seja, trazer o debate federal para dentro da campanha tem rendido bons frutos para praticamente todos os partidos na disputa a governador. O fato de os candidatos à presidência serem mais conhecidos pelo público em geral possibilita que os candidatos a governador de estado “cresçam” como auxiliares de uma linhagem já estruturada. Isso fica claro ao unificarmos todos os candidatos a governador na coligação de Bolsonaro e de Lula. Nesse caso, vemos dois fatores interessantes: em primeiro lugar, como candidaturas bolsonaristas tiveram, em geral, um engajamento superior às lulistas na rede. Em segundo lugar, também podemos ver como a política antagonista, ou seja, focada no ataque ao adversário, conseguiu valores gerais mais relevantes do que a focada em autoconstrução: 

 

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Ao citar seu adversário, ambos os grupos conseguiam um engajamento médio bastante superior em relação a postagens que não citavam os seus candidatos. 

Em suma, citar Lula ou Bolsonaro se apresentava como uma possibilidade de ampliar a visibilidade de uma candidatura. Em especial, a maior capacidade de viralização de Bolsonaro (em comparação com as menções a Lula) ampliou o engajamento das publicações para praticamente qualquer partido político brasileiro. O acirramento da disputa em escala nacional parece indicar que essa tendência à federalização das disputas estaduais pode ficar ainda mais acentuada nos lugares onde haverá segundo turno.  

Francisco Kerche é mestrando em sociologia no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, pesquisador de sociologia digital e consultor de análise de dados no Greenpeace Brasil 

Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br

*Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Glauco Faria