Reta final

Clima de decisão toma as ruas do país e rivalidade cresce na disputa à presidência

Campanhas de Bolsonaro e de Lula fazem corrida contra rejeição para tentar convencer indecisos no segundo turno

Brasília (DF) |
Rivalidade entre apoiadores dos dois candidatos ganha as ruas e supera limites da internet - Evaristo Sá/AFP

Está chegando a hora de saber quem será o próximo presidente eleito do Brasil. A disputa é franca e a tentativa de virar votos e convencer indecisos até domingo (30), dia do segundo turno das eleições, ultrapassa o mundo virtual e se espalha pelas ruas. A alusão ao duelo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (PL), é onipresente em todo país. 

O equilíbrio entre os candidatos se manifesta em adesivos, bandeiras e nas cores adotadas pelos apoiadores de cada candidato, empunhadas com orgulho, coladas nas roupas ou fixadas em janelas de casas e apartamentos. Dois campos tão opostos na paisagem de Brasília, onde a política é vivida à flor da pele, quanto em ideias e táticas usadas para cativar eleitores.

O professor Júlio César Bosco, provoca os bolsonaristas que já o apelidaram de "mortadela" dizendo que é voluntário, em referência a vídeos em que participantes do ato pelo 7 de setembro em São Paulo aparecem recebendo dinheiro e camisetas. "Agora é batalha de rua, de convencimento, mostrando a melhor proposta, que é a do Lula e mostrando os erros do governo Bolsonaro, mesmo para quem votou em Ciro (Gomes) ou (Simone) Tebet", diz.

Por outro lado, a aposentada Marlúcia Santos alega que já votou no líder petista em sua primeira eleição, há 20 anos, mas que logo "abriu os olhos para a roubalheira". "Eu tenho falado para as pessoas que estão resistentes que nós não podemos entregar o Brasil para o comunismo. Não é questão de partido, é questão do bem contra o mal", enfatiza.

Ambos estavam separados a poucos metros de distância e com a ajuda de policiais do Distrito Federal, nesta terça-feira, do lado de fora do Terminal Rodoviário Metropolitano. Pelo grande fluxo de pessoas, o local é o preferido pelas militâncias em período eleitoral e desde a última semana está dividido entre apoiadores de Lula e Bolsonaro.

Crises na campanha bolsonarista animam opositores

A pequena margem que separa os dois candidatos mostra que todo detalhe nessa reta final pode decidir o jogo. De acordo com a pesquisa Ipec, divulgada nesta segunda-feira (24), o ex-metalúrgico se mantém à frente do ex-capitão do Exército, com 50% das intenções de voto contra 43%. 

Já a pesquisa Quaest, desta quarta-feira (26), trouxe um resultado semelhante com a diferença da rejeição à Bolsonaro ter oscilado para cima (de 46% para 49%) depois de um mês em queda. Lula permaneceu com 43% nesse quesito desde o início da campanha para o segundo turno. 

Uma sucessão de crises era tudo o que a campanha do PL, partido do presidente, não queria enfrentar a essa altura do campeonato. Mas o celebrado roteirista dessa quadra da história nacional reservou novos e inesperados capítulos que podem ajudar a pender a balança para o lado do ex-presidente, cujo segundo mandato terminou em 2010.

A declaração do presidente sobre ter "pintado um clima com meninas venezuelanas pegou mal especialmente para o público feminino que mais o rejeita. Já em declaração ao jornal Metrópoles durante sabatina nesta segunda-feira (24), Bolsonaro disse não ter visto "nenhum depoimento contundente" das vítimas de assédio de Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal.

Na quinta-feira passada, outro incêndio para a base de apoio do governo veio do ministro da Economia Paulo Guedes, que admitiu haver um plano para desvincular o salário mínimo e as aposentadorias da inflação - um tremendo pano para manga para apontarem que o salário mínimo não sofreu reajuste "real", acima da inflação, há 4 anos. 

Mas o principal golpe viria no domingo (23), quando o ex-deputado federal e aliado da família Bolsonaro Roberto Jefferson (PTB) resistiu à prisão de forma violenta, com tiros e granadas lançados contra agentes da Polícia Federal. A gestão desastrada do episódio em declarações do presidente e com participação do ministro da Justiça Anderson Torres ajudaram a aprofundar a crise, mesmo com o impedimento do deputado André Janones (Avante-MG) de explorar o caso emitido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
 
De acordo com deputado federal Orlando Silva (PCdoB-MG), o fato ilustrou a radicalidade do campo bolsonarista e encorajou os apoiadores de Lula a levantarem suas bandeiras. "Talvez o fato de domingo tenha sido um fator para virar a chave dos indecisos, porque não se trata de perspectivas comparáveis. Uns falam que um candidato é ruim e o outro também. Mas se trata de civilização versus barbárie", opina.

O engenheiro Mauro Martinelli se empolgou e aparelhou o próprio carro com todos os adereços possíveis em menções a Lula, intercaladas por bandeiras do Brasil. Ele participa voluntariamente da distribuição de adesivos, bandeiras e santinhos do seu candidato favorito e disse ter notado uma adesão maior à campanha por gente que antes temia se expor. 

"Tinha muito medo das pessoas em adesivar o carro com o Lula, e esse receio diminuiu bastante porque as pessoas estão nos procurando mais. E nós não estamos tendo material suficiente para entregar para as pessoas, quando chega acaba muito rápido", conta Martinelli.

Governo volta a questionar lisura do processo eleitoral

O contra-ataque de Bolsonaro veio em forma de nova pressão sobre o TSE, que recentemente ampliou seus poderes de fiscalizador. Nesta terça-feira, o ministro das Comunicações Fábio Faria convocou a imprensa ao Palácio da Alvorada para denunciar supostas irregularidades em centenas de milhares inserções de rádio, especialmente no Nordeste.

No dia seguinte, o ministro Alexandre de Moraes, que preside a Corte eleitoral, rejeitou o pedido de investigação por indicar falta de provas e considerou uma "tentativa de tumultuar o pleito". Horas mais tarde, Bolsonaro reiterou que foi prejudicado e prometeu levar o caso "até às últimas consequências".  

Para a cientista política Vera Chaia, professora da PUC de São Paulo, a tese é farsesca. "Acho que é um roteiro escrito. Tanto que é uma maneira de desviar do caso Roberto Jefferson, de dizer que não está tendo uma campanha igualitária. Na verdade, nunca teve. Quem está no poder e faz propaganda política a todo momento é quem está no governo. O Bolsonaro tem, além de todo horário gratuito da campanha eleitoral, a sua propaganda oficial", argumenta.

O caso atirou combustível na narrativa bolsonarista de perseguição feita pelo Poder Judiciário, que remonta à investigação ainda em curso no Supremo Tribunal Federal sobre as fake news e outras decisões que desagradaram o líder da extrema-direita. Depois de questionar as urnas eletrônicas ao longo de meses, Bolsonaro dá sinais de que pode contestar o resultado, caso saia derrotado das eleições. 

Uma retórica que precisará ser distensionada depois de domingo, na opinião da advogada Cláudia Bressan Brincas, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). "Os questionamentos vão continuar. Claro que quem perder vai procurar os seus direitos na Justiça Eleitoral ou no próprio Supremo", prevê. 

"Mas o que nós precisamos é criar uma reforma eleitoral séria, ampliar essa discussão com audiências públicas, inclusive, em todos os estados. Não podemos ficar a cada dois anos tendo a legislação alterada com resoluções depois editadas pela própria Corte eleitoral. Isso causa uma instabilidade, uma insegurança jurídica grande", comenta a advogada.

O futuro do país depois de domingo

Políticos do campo progressistas acusam Bolsonaro e seus aliados de estimularem o ódio e a desinformação através de um sistema paralelo e sofisticado de comunicação. Por isso, nutrem esperanças de que a ascensão de Lula à presidência também inaugure uma nova fase de reconciliação, acompanhada por mudanças na legislação.

"Eu aposto nisso, que o presidente Lula vai liderar um processo de reconciliação que deve chegar ao Congresso Nacional. Ele precisa se sintonizar com o debate que é feito em torno da regulação da internet, porque a internet não é um território sem lei. Ela tem regras privadas para atender interesses das Big Techs, mas como ela mexe com interesses públicos, ela precisa ter regras públicas", defende Orlando Silva.

Vera, que se considera uma "masoquista" por ter o hábito de assistir às propagandas eleitorais, avalia que a campanha de Bolsonaro tem se voltado mais a atacar Lula e símbolos relacionados à esquerda. Já o outro candidato busca expor suas alianças e apoios conquistados com personalidades de campos diversos da política, como Simone Tebet (União Brasil-MS), Marina Silva (Rede-SP) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

"Acho que o convencimento vai ser por aí: pelas redes sociais, pela campanha eleitoral na televisão e no rádio. Acho que na TV é mais importante ainda, porque você vê o candidato. Isso está sendo levado em conta e as campanhas estão se reestruturando para esses dias finais para tentar arregimentar mais eleitores", indica.
 

Edição: Thalita Pires