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Pedir artigo 142 vai contra ordem institucional, afirma procuradora de SP

Procuradora Margarete Pedroso explica por que demanda pode ser tentativa de golpe

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Artigo 142 não autoriza intervenção militar - Anderson Coelho/AFP

Os bolsonaristas responsáveis pelo bloqueio ilegal do tráfego de veículos nas rodovias do Brasil estão requisitando a aplicação do artigo 142 da Constituição Federal, que disciplina a função das Forças Amadas, para pedir intervenção militar contra o resultado da eleição presidencial.

No pleito do último domingo (30), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu Jair Bolsonaro (PL), com 50,90% dos votos.  

Margarete Pedroso, procuradora do Estado de São Paulo e especialista em Direito do Estado pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado, afirma, no entanto, que o artigo não autoriza a intervenção militar e sua utilização “não está de acordo com toda a ordem constitucional".

"É totalmente desconexo com a realidade utilizar o artigo 142 da Constituição Federal”, diz.

O trecho da Constituição diz que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. 

Isso significa que as forças de segurança podem ser acionadas em casos excepcionais, como guerra com outros países. Não pode, no entanto, ser empregada por um poder contra outro – no caso, pelo Executivo contra o Judiciário, representado pela Justiça Eleitoral – o que configuraria uma tentativa de golpe. Mais: sua utilização deve ser aprovada pelo Congresso.  

Nesse sentido, “o dispositivo não permite que o presidente da República aja de forma autoritária, de modo contrário à Constituição, muito menos que aja contra os poderes já constituídos no país e de forma a burlar aquilo que foi decidido soberanamente pelo povo, em eleições”, afirma Pedroso. 


Bolsonaristas fecham estrada em Volta Redonda, no Rio de Janeiro / MAURO PIMENTEL / AFP

Pedroso também explica que o artigo 142 não pode ser interpretado de forma literal e isoladamente, sem levar em conta os demais princípios da Constituição, como soberania, democracia, pacto federativo e separação de poderes. “Interpretar o artigo 142 isoladamente e de forma literal já é um golpe em si.” 

“No caso, não há possibilidade de uma intervenção das Forças Armadas, porque nós temos as instituições plenamente em funcionamento. Nós temos um poder Judiciário que já está atuando. Nós temos o poder legislativo que também não reconhece o artigo 142 como motivo suficiente intervenção de poder. Nós temos os estados que, dentro do pacto federativo, têm o dever de atuar com as policias nas estradas estaduais”, afirma Pedroso. 

Lei e ordem 

Na mesma linha, o uso das Forças Armadas para garantir a lei a ordem, previsto pelo artigo, não tem respaldo na realidade, na visão da procuradora. “Quem está provocando de algum modo a desordem é o próprio chefe do Executivo pela omissão e por não determinar a liberação das estradas para pacificar a ordem no país.” 

Nesta terça-feira (1º), a Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais (FENAPRF), entidade de representação sindical da categoria, criticou o candidato derrotado Jair Bolsonaro (PL) por se omitir em relação aos bloqueios e não reconhecer publicamente o resultado das eleições.  

"A postura do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em manter o silêncio e não reconhecer o resultado das urnas acaba dificultando a pacificação do país, estimulando uma parte de seus seguidores a adotarem ações de bloqueios nas estradas brasileiras", afirma a federação em nota

Anuência de autoridades 

Pedroso afirma que qualquer autoridade que não cumpra as determinações de desbloqueio e atue no sentido a atender aos interesses dos bolsonaristas que pregam um golpe está sujeito à penalização.  

Nesse sentido, um dispositivo que deve acompanhar a interpretação do artigo 142 é o artigo 359-L do Código Penal.  A legislação prevê que “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais” implica em uma pena de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência praticada. 

O mesmo dispositivo determina como golpe de Estado a tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” acarreta uma reclusão de quatro a 12 anos, além da punição relacionada à violência praticada. 

Nesta segunda-feira (31), um agente do Grupo de Apoio Preventivo da Coordenadoria de Trânsito de Itajaí, em Santa Catarina, foi afastado após incentivar os manifestantes a bloquearem a BR-101. Em um vídeo que circula nas redes, o agente diz aos bolsonaristas que é preciso “resistir”. "Nós estamos todos no mesmo barco, nós estamos junto com vocês. O que eu peço para vocês: evitar botar fogo. Nós não podemos nos comparar aos bandidos. Nós somos cidadãos de bem." 

O registro de colaboração de agentes aos manifestantes bolsonaristas também foi feito em São Paulo. Em outro vídeo, um agente da PRF diz que irá auxiliar os golpistas. Diante do cenário, Moraes se mostrou favorável a agir contra Silvinei Vasques, diretor-geral da PRF. 

Pedroso afirma que as responsabilidades da Polícia Rodoviária Federal devem ser apuradas no âmbito criminal, se houver crime de desobediência à ordem judicial, por exemplo; no âmbito civil, por improbidade administrativa; e no âmbito administrativo disciplinar, com o afastamento dos servidores públicos envolvidos. 

“Lembrando que todo servidor público deve se submeter à Constituição Federal. Qualquer servidor público que aja contra a lei pode ser punido de modo administrativo e criminal, inclusive redundando, além das penas criminais, na perda de seu cargo. Essas são as medidas que devem ser adotadas contra os servidores que estão deixando de atuar para desbloquear as estradas”, afirma Pedroso. 

STF determinou desbloqueio das estradas 

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou ao governo federal a adoção imediata de "todas as medidas necessárias e suficientes" para desobstruir as rodovias. 

Em sua decisão, Moraes afirmou que a Constituição assegura o direito de greve, manifestação ou paralisação, “não podendo ser exercidos”, no entanto, “de maneira abusiva e atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais”. 

Nos bloqueios, está “demonstrado o abuso no exercício do direito de reunião direcionado, ilícita e criminosamente, para propagar o descumprimento e desrespeito ao resultado do pleito eleitoral para Presidente e Vice-Presidente da República, cujo resultado foi proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral”.  

Na mesma linha, o procurador-geral da Justiça de São Paulo, Mario Luiz Sarrubbo, classificou os grupos que estão promovendo as obstruções como “uma organização criminosa que está atentando contra o Estado Democrático de Direito no Brasil”.  

“Trata-se de uma manifestação de desrespeito ao resultado das urnas e de desrespeito à vontade do povo brasileiro. O MP [Ministério Público] não se curvará a quem quer que seja”, disse em coletiva de imprensa na manhã desta terça-feira (1º). 

O Ministério Público Federal (MPF) também pediu que a PRF explique as medidas adotadas para garantir o trânsito nas rodovias federais, nesta segunda-feira, em até 24 horas, diante do “bloqueio das rodovias federais por caminhoneiros em todo o país, como forma de protesto aos resultados das eleições para presidente do Brasil”. 

A PRF contabilizou um pico de 421 pontos de bloqueio pelo país, até a manhã desta terça-feira. Desse total, 306 pontos foram desmantelados. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho