aparelhamento?

Polícia Rodoviária Federal coleciona episódios controversos durante o governo Bolsonaro

Participação em chacinas, morte de homem em "câmara de gás", inspeções em veículos no dia da eleição: a lista é ampla

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Método nazista foi utilizado por agentes da Polícia Rodoviária Federal no litoral de Sergipe em 2021 - Reprodução/PRF

Desde o último domingo (30), dia do segundo turno das eleições presidenciais, ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ganharam protagonismo no cenário político do país. Depois de atuar fiscalizando (e atrasando) ônibus que levavam eleitores para votar, os agentes são agora acionados para desmobilizar bloqueios que bolsonaristas fazem em estradas pelo país, mas têm sido criticados pela demora nas ações. Os episódios se somam a outros que ganharam as manchetes durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL).

No dia da votação, dezenas de relatos em redes sociais, feitos inclusive por prefeitos de cidades nordestinas, falavam sobre operações realizadas pela PRF em diferentes localidades, parando ônibus que levavam eleitores. Na noite anterior, o diretor-geral da PRF, Silvinei Marques, postou no Instagram mensagem de apoio ao então candidato à reeleição Jair Bolsonaro. Um indício do que viria no dia seguinte.

:: Randolfe Rodrigues: "O comando da PRF é uma falange fascista, a serviço do crime" ::

A cientista política, antropóloga e especialista em Segurança Pública Jacqueline Muniz, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), avalia que a ação da PRF no dia da votação teve impacto não apenas nas localidades onde aconteceu, mas em todo o país.

"Não era só questão de impedir alguns eleitores de chegar em alguns pontos no Nordeste. A ideia era  criar a expectativa nacional de que o eleitor não vai conseguir chegar, produzindo desistência e abstenção. O sujeito fala 'não vou para a rua, a polícia tá parando, não vou conseguir chegar'. Eles estavam fabricando o medo, fabricando ameaças, produzindo insegurança", afirmou.

Marques foi chamado à sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para prestar esclarecimentos. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal, os agentes estavam verificando situações como pneus carecas ou faróis queimados, e nenhum veículo teria sido impedido de chegar ao local de destino.

Após o encontro entre Moraes e Marques, as operações foram suspensas faltando poucas horas para o término do horário de votação. Porém, elas não deveriam ter sido realizadas, já que essa foi uma decisão judicial assinada pelo próprio ministro na véspera.

Em entrevista ao Brasil de Fato no dia da votação, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez duras críticas à cúpula da PRF ao comentar o caso. 

"Eu não quero generalizar aos policiais rodoviários que são honestos e decentes. Agora, o comando da PRF é uma falange fascista, a serviço do crime. O atual diretor da PRF deve ser levado à prisão e não descansaremos enquanto ele não for preso. Não somente ele, da mesma forma o ministro da Justiça. O que aconteceu hoje [30 de outubro] foi o descumprimento de uma determinação do TSE. É uma das histórias mais tristes da democracia ocidental", afirmou na ocasião.

Aparelhamento?

Embora agentes da PRF tenham atuado diretamente para desmontar alguns dos protestos que bloqueavam estradas em diversas partes do país, a demora ou conivência em algumas das ações foi alvo de críticas. Denúncias nas redes sociais mostram conivência de agentes em alguns dos pontos onde bolsonaristas se manifestaram.

Em um dos casos, que, segundo a denúncia, aconteceu no aeroporto de Guarulhos (SP), um homem vestido com uniforme da PRF usa uma ferramenta para abrir espaço em uma grade sob gritos de celebração dos participantes dos protestos.

Em outro episódio, que teria sido registrado em Santa Catarina, um homem com uniforme da PRF afirma que "a única ordem que nós temos é para estar aqui com vocês", insinuando que não haveria qualquer tipo de ação para liberar a estrada bloqueada.

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a corporação informou que "adotou todas as providências para o retorno da normalidade do fluxo, direcionando equipes para os locais e iniciando o processo de negociação para liberação das rodovias priorizando o diálogo, para garantir, além do trânsito livre e seguro, o direito de manifestação dos cidadãos, como aconteceu em outros protestos". 

Chacinas e assassinato

Os episódios dos últimos dias não são isolados. Em maio, agentes da PRF se envolveram em dois episódios de extrema violência em um intervalo de três dias.

Primeiro, no Rio de Janeiro, atuaram em operação policial que culminou com uma chacina no bairro da Penha que terminou com 23 pessoas mortas a tiros.

Depois, em Umbaúba, no litoral sergipano, Genivaldo de Jesus Santos foi morto em uma espécie de câmara de gás improvisada em viatura da corporação. Depois do caso, o diretor-geral Silvinei Marques extinguiu as Comissões de Direitos Humanos da PRF..

Leia mais: Polícia Rodoviária Federal atuou em pelo menos três chacinas no governo Bolsonaro

A gestão de Marques foi responsável, ainda, por distribuir uma cartilha religiosa a servidores da corporação. O material, com ares motivacionais, trazia estímulo à leitura de passagens bíblicas.

Indicado para o cargo em abril de 2021, o próprio diretor-geral acumula problemas. Ele responde a pelo menos oito processos disciplinares na corporação, que foram colocados em sigilo de 100 anos por Bolsonaro três meses após ele assumir o cargo.

Para Jacqueline Muniz, o país sofre de "ingovernabilidade dos meios de força". Para ela, "nós no Brasil não fizemos o dever de casa fundamental numa democracia, que é blindar as polícias do uso político partidário e da apropriação privatista".

Muniz explica que corporações ligadas ao poder público federal, não apenas no Brasil, estão mais expostas a aparelhamento político, já que atuam perto das instâncias de poder e muitas vezes são responsáveis diretas pela segurança de autoridades.

"Muitas vezes são os próprios autores policiais que escrevem projetos de lei para deputados. A proximidade que vai virando conivência, convivência e conveniência tem se dado por que não fizemos repactuação federativa das competências das polícias do país", aponta a especialista.

A professora acredita ainda que os episódios registrados nos últimos dias, com protestos em diversos pontos do país e suposta conivência da PRF, podem ser positivos politicamente para líderes de direita que querem ganhar espaço no xadrez político do país.

"Neste momento, todos os aliados [de Bolsonaro] estão comemorando a divisão de seu espólio, dos votos conservadores. A maior parte dos '50 e tantos' milhões que o presidente não eleito teve. As pessoas estão discutindo como vai ser a composição do Congresso, quanto pior, ali na esquina, ficar, melhor para determinados atores políticos", completou.

Edição: Nicolau Soares