"DESRESPEITO"

No Dia de Finados, manifestação golpista revolta parentes de vítimas da covid em Manaus

Manauaras se dizem chocados e desrespeitados com ato bolsonarista: "desrespeito à democracia e às vidas perdidas"

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
Cemitério público de Manaus, Nossa Senhora Aparecida, localizado no bairro Tarumã, em 13 de novembro de 2020 - Bruno Kelly/Amazônia Real

Neste Dia de Finados (2), um protesto golpista contra o resultado da eleição presidencial foi organizado por bolsonaristas em frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA) em Manaus (AM). Na cidade que foi o epicentro da pandemia de coronavírus do país, a manifestação revoltou amigos e parentes de vítimas da covid-19, que responsabilizam a omissão do governo de Jair Bolsonaro (PL) pelo alto número de mortes. 

O Comando Militar da Amazônia (CMA), onde um pequeno grupo de bolsonaristas se reuniu para pedir “intervenção federal”, fica em uma avenida que dá acesso ao cemitério do Parque Tarumã, zona oeste, onde foram abertas covas coletivas para acomodar o número avassalador de mortos em Manaus. Quem foi visitar familiares e amigos neste feriado de Finados teve que passar pelo protesto. 

"Lamentável do ponto de vista humano" 

Para a professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Marinês Viana de Souza, a data deveria ser um momento de expressar o luto pelas vidas de seus parentes levadas pela pandemia: a mãe, um tio e o cunhado. “Perdi todos em um intervalo de 15 dias. Manaus foi um centro de terror, de angústia e é triste ter como resposta uma frase ‘não sou coveiro’”, afirmou, referindo-se à fala do presidente Bolsonaro. 

Marinês também contraiu covid-19, justo no período em que a saúde na capital amazonense colapsava por falta de oxigênio. “Somente após uma [decisão] liminar na Justiça eu consegui me internar, já dependente de oxigênio. Ou seja, se não fosse isso, eu ia morrer em casa, como infelizmente muitos morreram”, conta e professora da UFAM. 

Ela repudiou as manifestações golpistas e afirmou que não entende por que os manauaras defendem um político que desencorajou o uso de máscaras e a aplicação de vacinas. “Tudo isso [manifestações] para proteger um cidadão que imitou alguém agonizando por falta de ar. É profundamente lamentável do ponto de vista humano”, disse. 

"Desrespeito à democracia e às vidas perdidas"  

“Eu me sinto extremamente desrespeitada”, disse a pedagoga Ana Paula Diniz. Ela relembra a perda de dois amigos com covid-19, ambos professores. Uma das vítimas criava sozinha um casal de filhos, que ficou desamparado após a morte precoce da mãe por coronavírus. 

“É um desrespeito à democracia e às vidas perdidas, às famílias que perderam seus parentes e que ainda estão enlutadas até hoje. Esse é um luto justo, diferente do luto que a gente viu exposto nas redes sociais após a eleição. A tristeza deles [bolsonaristas] pelo candidato deles não ter vencido não é nada perto do sofrimento causado pelas vidas que se foram”, afirmou Ana Paula. 

O servidor público Allan dos Santos Pinto, morador de Manaus (AM), que perdeu o avô durante a pandemia, também relatou indignação. “Realmente eu acho isso um insulto. São pessoas que não se compadecem com o sofrimento alheio. Essas pessoas só olham para si. Acho uma total falta de respeito. A maioria venceu, e esses atos são antidemocráticos”, afirmou.

Descaso com a pandemia 

Além dos já conhecidos atos de negligência do governo federal com a covid-19, recentemente novas informações vieram à tona sobre a conduta do governo federal durante a pandemia, com impactos mortais para a população manauara.

O Brasil de Fato reportou com exclusividade que o então ministro de Infraestrutura de Bolsonaro, hoje governador eleito de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), enviou oxigênio a Manaus por uma rota mais demorada, atrasando em até 66 horas a entrega do insumo. 

Em vez de navegar pelo rio Madeira, que seria a rota mais rápida, a operação comandada por Tarcísio transportou o insumo hospitalar pela BR-319, que estava praticamente intrafegável durante a estação de chuvas, em janeiro de 2021.

No mesmo período, o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, promovia festas regadas a uísque com a equipe da pasta em Manaus, enquanto o estado vivia a crise do oxigênio que deixou centenas de mortos. 

A revelação foi feita pela ex-mulher de Pazuello, a dentista Andrea Barbosa. Segundo ela, o general tratou o estado do Amazonas como uma espécie de “laboratório humano” para testar a imunidade de rebanho contra a covid-19.

Edição: Vivian Virissimo