Os comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica publicaram uma nota conjunta, nesta sexta-feira (11), na qual falam sobre os atos antidemocráticos que questionam o resultado das eleições presidenciais.
O almirante Almir Garnier Santos (Marinha), o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) afirmam que "são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade".
Os militares, no entanto, não deixam claro a quem se referem quando falam que condenam "restrições a direitos por parte de agentes públicos". O recado pode ser direcionado ao ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vem sendo criticado por bolsonaristas por atuar contra a disseminação de desinformação e os atos golpistas.
O texto segue instando as "autoridades da República" a darem "imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população", como forma de "restabelecimento e a manutenção da paz social". Entre as principais reivindicações dos atos, estão a intervenção militar para evitar a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desrespeitando o processo eleitoral.
"Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade."
A nota dos comandantes vem dois dias depois de o Ministério da Defesa apresentar ao TSE o relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral, na quarta-feira (9). O documento não aponta nenhum indício, mas não descarta a possibilidade de fraude no pleito. "Não é possível assegurar que os programas que foram executados nas urnas eletrônicas estão livres de inserções maliciosas que alterem o seu funcionamento", escreveu a pasta.
Nota golpista
O texto foi recebido com críticas. O senador Omar Aziz (PSD-AM) foi duro contra a nota e afirmou que os militares estão sendo "coniventes" com atos golpistas.
"Na nota tem 'atos democráticos'. Veja se pode ser chamado de ato democrático a pessoa pedir intervenção militar na frente dos quartéis", afirmou em entrevista ao UOL. "Fico estarrecido que pessoas inteligentes, preparadas, assinem uma nota dizendo que isso é ato democrático. Isso é balbúrdia. É crime. E aqueles que aceitam isso estão sendo coniventes."
Nas redes sociais, o cientista político e historiador Christian Lynch afirmou que a nota visa "endossar a legitimidade das manifestações nas portas dos quartéis e ser lida pelos acampados junto com a nota da Defesa que admite a possibilidade da fraude".
A nota dos comandantes das FFAA parece anódina. Não é. Foi redigida a pedido de Bolsonaro para endossar a legitimidade das manifestações nas portas dos quartéis e ser lida pelos acampados junto com a nota da Defesa que admite a possibilidade da fraude.https://t.co/b3LRh1MKgq
— Christian Lynch (@CECLynch) November 11, 2022
Também no Twitter, a pesquisadora Michele Prado, autora do livro Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-right e o populismo i-liberal no Brasil, classificou a nota como "golpista".
"Nota golpista do Exército avaliza que o Presidente da República atenda às demandas dos manifestantes de extrema direita que há quase duas semanas pedem por um golpe de Estado. Não foi só humilhação das Forças Armadas que Bolsonaro executou, mas também sua cooptação ao extremismo".
Nota golpista do Exército avaliza que o Presidente da República atenda às demandas dos manifestantes de extrema direita que há quase duas semanas pedem por um golpe de Estado.
— Michele Prado (@MichelePradoBa) November 11, 2022
Não foi só humilhação das Forças Armadas que Bolsonaro executou, mas também sua cooptação ao extremismo
O coronel da reserva do Exército brasileiro Marcelo Pimentel, estudioso das relações entre militares e a política, questionou: "Desde quando Comandantes das Forças Armadas fazem “nota ao POVO e às INSTITUIÇÕES”?"
Alguém ainda tá procurando a “ala moderada” das cúpulas hierárquicas nas Forças Armadas?
— Marcelo Pimentel JS (@marcelopjs) November 11, 2022
O jornalismo alimentou essa narrativa.
E o pior é q vai ter gente batendo palma p/ certa “nota ao povo”!
Desde quando Comandantes das Forças Armadas fazem “nota ao POVO e às INSTITUIÇÕES”?
Veja abaixo mais comentários nas redes:
Na nota, as Forças Armadas dizem que são "sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história". No entanto, de acordo com a Constituição, não cabe atuação moderadora dos militares. A carta magna prevê 3 poderes, independentes, e nenhum moderador.
— Renato Souza (@reporterenato) November 11, 2022
Mais uma nota golpista pelas forças armadas ... a eleição não acabou.
— Fernando Horta (@FernandoHortaOf) November 11, 2022
Agora, além dos conhecidos "dog whistles" que eles lançam para os bolsonaristas (como chamá-los de "Soldados Brasileiros" em letras maiúsculas), eles também ignoram completamente o poder judiciário.
Os comandantes das Forças Armadas arranjaram tempo para passar pano para os golpistas que acampam em torno de quartéis através de uma nota. Enquanto isso, as fronteiras são uma peneira, pobres morrem "por engano" nas periferias e Viagra com sobrepreço é comprado pelos militares.
— Leonardo Sakamoto (@blogdosakamoto) November 11, 2022
E depois daquela nota golpista da Defesa vem o Exército... na moral, Lula tem que derrubar o alto comando inteiro, foda-se! https://t.co/PdCAJBfYEk
— Medo e Delírio em Brasília (@medoedeliriobr) November 11, 2022
Edição: Nicolau Soares