Petrodólares

"Zebra" da Copa, Arábia Saudita usa fundo estatal para investir em futebol e limpar imagem

Fundo de Investimento Público dos sauditas faz parte de esforço bilionário para "modernizar" o país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Comemoração da vitória da Arábia Saudita em Riade - Amer HILABI / AFP

O mundo futebolístico foi surpreendido nesta terça-feira (22) pela vitória da Arábia Saudita contra a seleção argentina na abertura do grupo B da Copa do Mundo. Mas se muito brasileiros entraram na onda de celebrar o fracasso do país vizinho, há uma realidade por trás desse sucesso saudita que envolve conflitos e violências dignas de nota. 

A Arábia Saudita quer deixar de ser apenas uma monarquia dependente da exportação de petróleo. Por meio de seu Fundo de Investimento Público (FIP), os sauditas colocam bilhões de dólares em algumas das maiores empresas do mundo e também fazem investimentos massivos em esportes — com o futebol tendo uma posição de destaque.

A interação entre os sauditas e o esporte bretão ficou mais visível em 2021, quando o FIP comprou o clube inglês Newcastle por 300 milhões de libras esterlinas (1,9 bilhões de reais). Desde então, os novos donos investiram outras centenas de milhões de dólares na contratação de jogadores, inclusive a compra do meio de campo brasileiro Bruno Guimarães, que faz parte do grupo de Tite na Copa do Catar.

De acordo com informações do mais recente balanço trimestral do FIP, e publicadas pelo jornal britânico Financial Times, o fundo colocou US$ 2,3 bilhões em "múltiplos clubes de futebol" nos oito primeiros meses de 2022. A maior parte desse dinheiro foi para investimentos na própria liga saudita.

O clube saudita Al-Hilal, do jogador Salem Al-Dawsari, responsável pelo gol da vitória contra a Argentina nesta terça, é ligado ao fundo saudita. O time lista como seu "parceiro estratégico" uma das empresas do Fundo de Investimento Público, a Companhia de Investimento Qiddiya.

Com mais de US$ 600 bilhões em ativos, o Fundo de Investimento Público existe desde 1971, mas ganhou novo fôlego com Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro da monarquia saudita e governante de fato do país. Com a recente disparada no preço do petróleo com a guerra na Ucrânia, o país viu sua petroleira estatal, que contribui com fundos para o FIP, destronar a Apple e se tornar a empresa mais valiosa do mundo.


Gianne Infantino, presidente da Fifa, ao lado de Mohammed Bin Salman, príncipe e líder da Arábia Saudita durante a cerimônia oficial de abertura do Mundial no último domingo (20) / Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Em seu relatório anual mais recente, o FIP afirma que seu objetivo é "diversificar" e mirar investimentos de longo prazo com a participação em mais de 130 empresas. O fundo colocou US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões) na Uber e também aposta em carros elétricos, campeonatos de golfe, um campeonato de corrida de barcos elétricos e turismo.

A ONG Human Rights Watch já afirmou que o governo da Arábia Saudita usa o futebol e outros esportes em um esforço para "para distrair de seus graves abusos de direitos humanos". O país está envolvido no conflito no Iêmen, apoiando forças governamentais contra grupos Houthis, inclusive sob a acusação de cometer crimes internacionais de guerra contra civis.  

Além disso, de acordo com relatórios da inteligência dos Estados Unidos, o príncipe Mohammed bin Salman ordenou o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018. Crítico do governo saudita, o jornalista que escrevia para o Washington Post foi visto pela última vez ao entrar no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia. Seu corpo nunca foi encontrado. Recentemente, em decisão polêmica, o presidente Joe Biden concedeu imunidade a bin-Salman. 

Por fim, internamente, apenas em 2018 o governo deixou de considerar crime que mulheres dirijam carros em 2018. O país não permite a união homoafetiva.

Edição: Arturo Hartmann