Ceará

Em Fortaleza, moradores de conjuntos habitacionais sofrem com a falta de serviços básicos

No Jangurussu, são 13 mil pessoas sem comprovante de endereço por conta CEPS inexistentes

Brasil de Fato | Fortaleza, Ceará |
Cerca de 13 mil pessoas moram nas 2.994 unidades do Conjunto Habitacional José Euclides Ferreira Gomes, no Jangurussu. - Foto: Jeny Sousa

Há dois anos, Simone convive com a depressão e por isso precisou se afastar do trabalho. No último mês, ela tomou um susto quando foi ao banco receber seu auxílio doença, mas o benefício não estava na conta. "Eles mandaram uma correspondência para eu fazer a prova de vida, mas não chegou nada lá em casa e perdi. Até resolver essa questão foi difícil, porque se fosse bloquear mesmo, eu não sei o que iria fazer, porque sou sozinha e pago tudo com esse dinheiro", explica a dona de casa.

Simone Melo da Silva é moradora do Conjunto Habitacional José Euclides Ferreira Gomes, localizado no Jangurussu. O empreendimento que leva o nome do pai de Ivo, Ciro, Cid e Lia Gomes, custou cerca de R$ 206,4 milhões, e foi entregue pelo Governo do Ceará em 2017 para abrigar as famílias que moravam no entorno dos rios Maranguapinho e Cocó, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

Atualmente, cerca de 13 mil pessoas moram nas 2.994 unidades do conjunto habitacional e todas passam pelo mesmo problema: a falta de CEP. Na verdade, o Código de Endereçamento Postal aparece nas placas das ruas do residencial, mas ele não funciona para os Correios. É como se todas as pessoas que morassem nos apartamentos não existissem no mapa da cidade.

A falta do serviço provoca diversos transtornos aos moradores, que têm muitas vezes a sua cidadania negada pela falta de endereço. "13 mil pessoas é duas vezes a população de Guaramiranga. Como o Estado constrói uma cidade e não disponibiliza o CEP? Eu coloco tudo pra chegar na casa do meu irmão, encomenda e conta. Não temos estrutura pra nada, é uma necessidade básica e não tem explicação nem das gestões municipal, nem estadual. É como se fosse uma cidade ficcional como Bacurau", reclama o morador Sérgio Farias, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Em cada unidade habitacional, o relato se repete. O técnico de informática Airton Gleisson Teixeira parou de pagar as prestações do carro por conta de dificuldades enfrentadas durante a pandemia e quase teve o carro apreendido porque não recebeu nenhuma correspondência, ou notificação informando da busca e apreensão do veículo. "Eu consegui resolver essa situação, também já fui buscar cartão de crédito na agência, mas isso porque sei usar a internet, as redes sociais, os aplicativos, mas e quem não sabe? Eu recebo auxilio doença e tenho que ficar de olho também porque se não eu perco," conta.

Por meio da Secretaria das Cidades, o Governo do Ceará informou que todas as ruas que cortam o conjunto e seus respectivos CEPS já existiam antes da construção do Residencial José Euclides e que o órgão responsável pela criação do CEP junto aos Correios em Fortaleza é a Seuma - Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente.

Em nota, a Seuma explicou que atua na intermediação do diálogo entre a população e os Correios e que realiza a confecção e instalação de placas de ruas. No caso do Conjunto Residencial José Euclides Ferreira Gomes, informa a nota, a Seuma está em alinhamento com os Correios para a confirmação dos códigos postais e solicitar confecção e instalação das placas de identificação.

Apesar das inúmeras reclamações, os Correios, em contato com o Brasil de Fato, informaram que as entregas no Conjunto Habitacional José Euclides estão ocorrendo com regularidade. Porém, ressalta a nota enviada à redação, a inexistência de identificação completa de logradouro, bloco e apartamento nas ruas do Conjunto Habitacional impacta a atividade de entrega. Ou seja, se eximiu de culpa e culpou as vítimas por qualquer não-recebimento.

A empresa também esclarece que a correta identificação do espaço urbano é de responsabilidade dos moradores e dos órgãos municipais e que, conforme disposto na norma que rege os serviços postais, para a entrega em coletividade (prédios/condomínios) se faz necessário o atendimento do carteiro pelo serviço de portaria.

Vulnerabilidade constante


Além dos problemas enfrentados pela falta do CEP, os conjuntos habitacionais são super adensados e precisam lidar com a falta de escolas públicas, postos de saúde e outros serviços públicos. / Foto: Jeny Sousa

Os diferentes atores que atuam para resolver o problema deixam o sistema burocrático e a população cada vez mais vulnerável. A falta de CEP é apenas um dos problemas enfrentados por quem mora no Conjunto Habitacional, construído para trazer dignidade à população ribeirinha. Falta coleta de lixo, transporte, áreas de lazer, creches e postos de saúde nos arredores do condomínio e essa não é uma realidade apenas dos moradores do José Euclides.

Vale lembrar que em julho, policiais civis armados invadiram a cozinha solidária do MTST, que funciona no Residencial, e segundo denúncias dos moradores, atuaram de forma truculenta contra os trabalhadores que lá estavam, incluindo a cozinheira.
 
Em 2014, o Governo do Estado, em parceria com o Governo Federal, entregou o conjunto habitacional Cidade Jardim I, localizado no bairro José Walter, também pelo Programa Minha Casa Minha Vida. A entrega do condomínio é uma conquista do Movimento dos Sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais que ocupavam e realizavam iniciativas na área.

Moradora do Cidade Jardim I, a dona de casa Dora Oliveira está preocupada com o próximo ano letivo. Duas escolas atendem diretamente os estudantes que moram no condomínio, mas só há transporte escolar para uma delas. "As crianças que estudam hoje na Escola Municipal Francisco Nunes Cavalcante têm direito ao transporte escolar, mas em 2023, elas irão para outras escolas e as famílias vão ter que dar um jeito para elas continuarem estudando. Era para ter uma escola dentro do Conjunto, um posto de saúde também, mas colocam a gente aqui e pronto, não olham mais. Nunca recebemos visita de ninguém da Caixa, Prefeitura, ninguém", relata. São mais de 3.500 famílias morando no residencial.

Sobre a questão do transporte escolar, a Secretaria de Educação de Fortaleza informou que garante o transporte escolar para os alunos assegurando o deslocamento, a frequência e a permanência destes. Informou ainda que está sendo finalizada a EM Professor Noberto Nogueira Alves, localizada dentro do Habitacional, que será inaugurada em breve com foco específico no atendimento dos alunos que utilizam o transporte escolar para ir até a unidade escolar. Outras duas unidades, também para atendimento do Ensino Fundamental, estão sendo construídas no residencial.

Já a Habitafor esclareceu que não realizou atividades no Cidade Jardim I, pois ele é todo de responsabilidade do Governo do Ceará. O Governo, por meio da Secretaria das Cidades, comunicou que o Trabalho Social nos módulos I e II, no Cidade Jardim, está aguardando aprovação pela Caixa. Em nota, a secretaria reconhece que o Trabalho Técnico Social é obrigatório, pois está previsto em programa federal.

No entanto, diz a nota, por serem muitas e em constante evolução, as ações não são suficientes para a sustentabilidade das comunidades. A nota também informa que estão sendo realizados estudos, a nível de Estado, para uma nova intervenção pública nesses residenciais, congregando os diversos atores de cada ente público, para a apresentação de soluções que atendam às necessidades diagnosticadas, da população que vive nesses empreendimentos.

A Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Prefeitura de Fortaleza também enviou informações ao BDF sobre as ações sociais desenvolvidas nos territórios citados. Em nota, a Secretaria informou que os serviços prestados pela pasta são através dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). No caso do José Euclides, o CRAS que atende a comunidade é a do Conjunto Palmeiras. Já o Conjunto Cidade Jardim é contemplado com as ações do CRAS Aracapé. Em novembro foram realizadas, no Centro de Inclusão Tecnológica e Social (CITS), ações do CRAS para o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).

As más condições de inserção urbana e a segregação espacial são problemas comuns em conjuntos habitacionais, com constantes violações de direitos e falta de acesso às oportunidades, especialmente aqueles com menor faixa de renda. Essa é a análise do professor, doutor em Arquitetura e Urbanismo, Renato Pequeno, que coordena o Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB) da Universidade Federal do Ceará. Com diversas pesquisas e artigos publicados sobre o tema, o especialista acredita que o Estado se exime do processo nos pontos referentes à localização. "O Estado ou município, como contratantes, poderiam exigir uma melhor localização, ou pelo menos influenciar, recomendando terrenos bem localizados que foram definidos como Zonas Especiais de Interesse Social. Esse tipo de instrumento urbanístico já existe no Plano Diretor de Fortaleza, é tudo uma questão de vontade política. Por exemplo, os terrenos vazios próximos a um shopping no bairro Papicu são desse tipo: zeis vazias. Mas quem constrói lá, atende a demanda da classe média alta", ressalta Pequeno.

Em uma de suas publicações, Pequeno aponta a baixa efetividade da legislação urbanística na definição das áreas para conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida. A falta de interação entre as políticas urbana e habitacional, traz problemas na implantação de conjuntos periféricos situados em áreas limítrofes. No caso de Fortaleza, as áreas escolhidas para a construção dos empreendimentos nas primeiras fases correspondem àquelas menos recomendadas pelo Plano Diretor, dada a falta de infraestrutura urbana e de equipamentos. " A política habitacional acaba sendo conduzida pelo setor da construção civil que além de construir, escolhe e define a localização optando por lugares mais baratos, sem infraestrutura e boas condições de mobilidade, apesar da legislação garantir terrenos mais bem localizados para habitação de interesse social", ressalta Renato.

Serviço

Solicitação de CEP, reposição e instalação de placas

Canal Urbanismo e Meio Ambiente
(urbanismoemeioambiente.fortaleza.ce.gov.br/servicos/256-placas-de-rua)

Correspondências - Correios

Em casos de a entrega não ser efetivada, a depender do tipo de postagem contratada, os objetos são disponibilizados para retirada pelos destinatários na agência mais próxima. As informações são prestadas no sistema de rastreamento acessível no site
www.rastreamento.correios.com.br ou no aplicativo dos Correios.

CRAS
Próximos encontros no Cidade Jardim
29/11 (Grupo de Famílias e Grupo de Crianças); e 1°/12 (Grupo de Idosos). 

Também no dia 1/12, o CRAS Aracapé realizará no CITS José Walter (Av. K, 330) a Oficina Socioeducativa de descumprimento de condicionalidades do Programa Auxílio Brasil, para orientar os beneficiários e beneficiárias.

Para solicitar ações e serviços dos CRAS, a população pode entrar em contato pelo email [email protected].

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Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia