Retorno

Ministério do Desenvolvimento Agrário será recriado, diz ex-ministro que integra transição

Segundo Miguel Rossetto, a pasta voltará com foco na produção de alimentos saudáveis e geração de renda no campo

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O ex-ministro Miguel Rossetto é parte da equipe de transição - Foto: José Cruz/Agência Brasil

O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e deputado estadual recém-eleito Miguel Rossetto (PT-RS) afirmou, em entrevista para O Joio e O Trigo na última quinta-feira (17), que a pasta que ele comandou por duas vezes vai voltar a existir no próximo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT): "O ministério vai ser recriado. Essa é a expectativa", disse. A pasta foi extinta durante a gestão do ex-presidente Michel Temer.

Rossetto foi nomeado na semana passada para o núcleo de "Desenvolvimento Agrário" da equipe de transição do governo eleito. De acordo com ele, o grupo discute como "ampliar a produção de alimentos saudáveis, assegurar renda e enfrentar a miséria rural num projeto de produção sustentável, sem agressão ao meio ambiente".

A prioridade em uma eventual recriação da pasta, diz, é garantir a retomada da reforma agrária e a titulação de comunidades quilombolas – políticas previstas na Constituição, mas paralisadas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) – além de ampliar o crédito e o apoio à agricultura familiar.

"Queremos resgatar o legado [das gestões petistas]", afirmou Rossetto, "mas isso não significa imitar o que já foi feito".

Entre erros que a pasta evitará repetir, diz, está a construção de assentamentos sem o apoio de políticas públicas que garantam qualidade de vida e inserção econômica dos trabalhadores.

"As áreas de assentamento têm que receber um conjunto de políticas públicas que permitam dinamismo produtivo e integração em uma dinâmica econômica regional", argumenta. "O companheiro não pode entrar na terra e demorar seis anos para ter acesso à uma casa, ficar sem energia elétrica, não ter estrada para escoar a produção."

Falta de consenso

As declarações de Rossetto, entretanto, vão de encontro ao que disse no dia seguinte o senador Carlos Fávaro (PSD-MT). Em uma coletiva de imprensa em Brasília na sexta (18), o parlamentar afirmou que não há consenso em torno da recriação da pasta.

"Não está definido ainda, há uma percepção pessoal de que, se criou grupo de trabalho, há intenção de criar ministério, mas há divergências da própria equipe sobre separar, manter, vamos olhar tecnicamente", afirmou ele. Fávaro é membro da bancada ruralista no Congresso e integra o grupo de trabalho de "Agronegócio" na equipe de transição do governo eleito.

Já o deputado federal cassado Neri Geller (PP-MT), outro interlocutor de Lula junto ao Agro e integrante da equipe de transição, não se opôs à recriação da pasta em entrevista à Folha de S. Paulo publicada nesta segunda (21). "Eu acho que se pode criar o [Ministério do] Desenvolvimento Agrário para ter política mais específica, inclusive com relação aos programas sociais, como o programa de aquisição de alimentos. Mas dentro do conceito do governo não posso falar isso agora porque é discussão que está acontecendo na transição."

Há ainda uma outra proposta na mesa. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que também integra a equipe de transição, pretende sugerir a criação de um ministério com outra configuração. A pasta agregaria os temas da alimentação, distribuição de terras e abastecimento, segundo noticiou a coluna Painel, da Folha.

Um dos objetivos seria integrar melhor o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).  

Promessa

Lula prometeu a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em um encontro com representantes de cooperativas rurais em setembro deste ano, em São Paulo. 

"Todo mundo sabe que o MDA vai voltar, talvez melhor do que ele era. Todo mundo sabe que nós vamos ter um Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nós vamos ter que criar aquelas coisas que custam muito barato e que funcionam muito, porque trata da especificidade", disse ele na ocasião.

Criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o MDA teve um papel central durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), na execução de políticas públicas para a agricultura familiar.

Reforma Agrária

No período, foram distribuídos 50 milhões de hectares de terras a pequenos agricultores – o que representa 69% de toda a distribuição realizada desde 1994. Cerca de 740 mil famílias foram beneficiadas, segundo o Incra, órgão responsável por executar essa política pública, em documento apresentado ao Supremo Tribunal Federal.

"É muita coisa. Eu aceito sem nenhum problema a pessoa que me diz 'olha, fizeram, mas queria que fizessem mais'. Nós podemos discutir porque é que não se fez mais, mas se fez e se fez muito", defendeu o gaúcho Guilherme Cassel, também ex-ministro do Desenvolvimento Agrário (2006-2010), em entrevista ao Joio, em julho.

A atuação do MDA durante os governos petistas, com políticas focadas na agricultura familiar, representou um contraponto à atuação do Ministério da Agricultura, onde são discutidas as pautas da agricultura empresarial.

"A agricultura familiar é a principal responsável pela produção de alimentos para o mercado interno", ressalta Pepe Vargas, que comandou o Ministério entre 2012 e 2014. "Aquilo que se convencionou chamar de agronegócio é basicamente exportação de commodities agrícolas."

Assim como Rossetto e Cassel, Vargas é um defensor da recriação do MDA. "Acho que é fundamental recriar o ministério, ter um setor no governo que pense essas políticas de crédito para a agricultura familiar, políticas de preços."

"A concepção que foi desenvolvida lá atrás [nos governos petistas] é extremamente atual", defende o ex-ministro.  

 

Legado do passado recente

Nos últimos anos, as políticas voltadas para a agricultura familiar sofreram reveses. Sob Temer, o MDA perdeu o status de ministério e depois, com Bolsonaro, virou uma secretaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Os recursos para aquisição de terras da Reforma Agrária, que chegaram a R$ 930 milhões em 2011, caíram a R$ 41 milhões em 2019, em valores não corrigidos pela inflação. Em 2021, o governo federal destinou pouco mais de R$ 50 mil para o programa, ainda de acordo com o documento do Incra. 

Lula e Dilma expediram, juntos, 204 decretos de desapropriação de terras. Com Temer, foram 26 decretos, e com Bolsonaro, nenhum. 

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que chegou a ter execução orçamentária total de R$ 485 milhões em 2012, ainda no governo Dilma, viu seu orçamento despencar para R$ 34 milhões em 2019, com Bolsonaro, após sucessivas reduções nos anos anteriores.

Em 2020 a dotação do PAA voltou a subir, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento, mas não atingiu os patamares do início da década anterior. Foram executados R$ 200 milhões. 

Segundo reportagem do portal UOL, o projeto de orçamento enviado pelo Governo Bolsonaro ao Congresso prevê um corte de 97% na verba do PAA, deixando-o com apenas R$ 2,6 milhões de verba prevista para 2023.

Questionado sobre a falta de espaço no orçamento, Rossetto admite que pode haver dificuldades, em especial no primeiro ano de governo, mas diz que o presidente eleito "está fazendo um esforço gigante para criar condição fiscal para que os programas de combate à miséria persistam no ano que vem".

"Vamos lidar com restrições, mas a roda precisa começar a girar. [Vamos] ampliar o crédito, [destinar] recursos para regularização fundiária e quilombola e para o PAA", argumentou.

Desmonte e retomada dos conselhos

Na gestão Bolsonaro, o Ministério do Desenvolvimento Social – que havia abrigado a pasta nos anos anteriores – foi extinto, e a estrutura do antigo MDA ficou com Tereza Cristina (Progressistas), que assumiu como ministra da Agricultura. 

Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária da Câmara dos Deputados durante o governo Temer, Cristina pleiteou, na época, uma vaga no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), com a intenção de aparelhar o colegiado com a pauta do agronegócio, mas esbarrou no regimento do Conselho, segundo duas fontes ouvidas pelo Joio.

Na transição para o governo Bolsonaro em 2018, ela se incorporou à equipe do novo governo ao lado de Onyx Lorenzoni e Osmar Terra, de onde saiu a decisão de extinguir o Consea, assim como os demais conselhos de participação popular – entre eles o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural (Condraf).

Para o ex-ministro Pepe Vargas, a retomada das políticas executadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário passa pela reativação destes conselhos e a convocação de conferências populares.

"O PAA, o Programa Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), o Programa de Garantia de Preços Mínimos são algumas políticas que devem ser retomadas em diálogo com as instâncias de participação", aponta ele, que defende também a retomada da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), criada por meio da Lei 12.897/13, com o objetivo de aumentar o acesso dos agricultores ao conhecimento e à tecnologia e melhorar a produtividade no campo.

"Junto com a Embrapa, a Anater poderia cumprir um papel fundamental não só para agricultura familiar, mas também para médios produtores. Estava começando a ser estruturada e deixou de ser prioridade", aponta o ex-ministro.

Texto atualizado às 11:46 da terça-feira (22) para acrescentar as declarações do deputado federal cassado Neri Geller (PP-MT) à Folha de S. Paulo.