Aos 47 anos

Polícia investiga morte de líder da última reserva extrativista de mangaba em Aracaju

“Quem assassinou o senhor Uilson?”, questionam movimentos, expondo que o ambientalista sofria ameaças de morte há 5 anos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Uilson de Sá se formou missionário católico com Padre Coblin, um dos idealizadores da chamada Teologia da Enxada - Reprodução

Ativista, líder comunitário, missionário e presidente da Associação de Catadoras e Catadores de Mangaba, Uilson de Sá da Silva foi encontrado morto no fim do dia desta segunda-feira (28), dentro de sua casa, em Aracaju (SE). Foram a sobrinha e a mãe, dona Zenaide, que acharam o familiar de 47 anos já sem vida, com as mãos e os pés amarrados. 

As ameaças que sofria por conta de sua atuação política fizeram com que, desde 2019, Uilson integrasse o Programa de Proteção a Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), sendo acompanhado pela polícia em determinados eventos.  

O bairro de Santa Maria, onde o ativista vivia, fica ao lado de uma grande área pública. Dentro dela, está localizada a Reserva Extrativista das Mangabeiras Padre Luiz Lamper, a última da capital sergipana. Ali, 49 famílias - incluindo a de Uilson – vivem, há gerações, da extração de mangaba. 

Os conflitos aumentaram na região desde o avanço de um processo de urbanização da região implementado pela prefeitura de Aracaju, com a empresa privada Camel Empreendimentos e Construções, para a construção de habitações populares.  

“É uma área muito cobiçada pelo capital imobiliário”, define Ângela Melo (PT), vereadora de Aracaju que acompanha as mobilizações feitas pela comunidade extrativista e tinha proximidade com o líder comunitário.  

Acirramento do conflito 

Em 2016, o território foi ocupado por integrantes de um movimento de moradia que, depois, se retiraram mediante o recebimento de um auxílio aluguel e do comprometimento da prefeitura de Aracaju de construir moradias populares.  

A partir daí, com forte atuação de Uilson, houve uma articulação envolvendo a comunidade extrativista, movimentos sociais, a Universidade Federal de Sergipe (UFS), parlamentares e procuradores em defesa da reserva de mangabeiras. “Em momento nenhum a comunidade foi contra a construção de moradias populares. A luta é pela preservação do território e que a prefeitura construa as moradias em outras áreas, inclusive próximas da reserva”, explica Ângela, integrante da mobilização. 

O conflito se intensificu a partir de 2021, quando a prefeitura de Aracaju começou, dentro da área, as obras para o projeto habitacional. De acordo com Ângela Melo, cerca de 200 árvores centenárias, entre mangabeiras e cajueiros, foram derrubadas. 

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“Uilson chamava a imprensa, fazia a denúncia, paralisava as máquinas com manifestações”, relata João Daniel (PT), integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e deputado federal por Sergipe. 

“A cada árvore que caía, morria também uma parte de nós e principalmente das pessoas que estavam ali no território, a única reserva urbana da cidade de Aracaju”, expõe Ângela, ao criticar a falta de diálogo por parte da prefeitura.  

Desde 2021, a administração municipal está sob gestão de Edvaldo Nogueira Filho, antes do PCdoB e, atualmente, do PDT. Questionada, a prefeitura informou ao Brasil de Fato que lamenta a morte do extrativista e que “contesta a suposta omissão do município” na resolução do conflito no território. 

“O governo municipal projetou o Complexo Mangabeiras, que alia, de maneira inovadora, uma reserva extrativista e um conjunto residencial, urbanizando de maneira sustentável uma região antes tomada por habitações improvisadas e insalubres”, informou a prefeitura de Aracaju. 

“Quem assassinou o senhor Uilson?” 


"Se fizermos um resgate memorial, temos a impressão que os índios ou os negros fizeram a plantação dessas árvores, pela organização delas", afirmou Uilson em entrevista / Reprodução Redes Sociais

O Instituto de Criminalística fez uma perícia na residência de Uilson de Sá nesta terça-feira (29) e a Polícia Civil colheu o depoimento de familiares e vizinhos. Os trabalhos foram acompanhados por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público Federal (MPF). Além, também, de uma multidão de familiares, amigos e moradores da região que se aglomeraram na rua, aos gritos de “justiça”.  

A procuradora do MPF Lívia Tinôco também foi ao local e, segundo nota do órgão, pediu apoio da Polícia Federal para elucidar o caso. As autoridades afirmam que a causa da morte do ativista está ainda sob investigação e que nenhuma hipótese está descartada.  

Mas para o deputado João Daniel, suicídio não é uma possibilidade. “Tratava-se de uma pessoa que tinha muitos planos, projetos, convivia e era muito respeitado no bairro e na comunidade, principalmente nessa questão ambiental”, aponta, lembrando que Uilson estava preparando uma romaria.  

O Brasil de Fato entrou em contato com familiares do líder comunitário, que não estavam em condições emocionais para fornecer entrevista.  

Movimentos sociais e parlamentares se manifestaram nas redes sociais descrevendo estar “em choque”, demandando elucidação do caso e responsabilização dos envolvidos. Em nota, o MST de Sergipe lembra que o líder comunitário dizia que “as mangabeiras são vidas que salvam outras vidas”. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) “promete não descansar” até que a história seja desvendada e questiona: “quem assassinou o senhor Uilson?”. 

Uma liderança tombada 

Nascido em 1975, Uilson de Sá se formou missionário católico junto com o padre José Coblin, que desenvolveu a chamada Teologia da Enxada, expressão nordestina da Teologia da Libertação. 

“Estamos certos da resistência”, diz Uilson em um minidocumentário feito por Mônica Fonseca, enquanto caminha, sob o sol, em uma área em que, segundo ele, os pés de mangaba correm o risco de ser derrubados. “Um extrativista”, argumenta, “esteja ele em qualquer lugar do mundo, ele não vai permitir que suas árvores sejam arrancadas”. Afinal, explica, “essas árvores são nossas vidas”. 

Sob a sua condução, desde o início de 2022, a comunidade organiza, mensalmente, reuniões com café da manhã partilhado e rodas de conversa junto com outros movimentos sociais. 


Uilson de Sá e Ângela Melo em uma das reuniões mensais em defesa da reserva extrativista / Arquivo pessoal

“É com muita indignação que a gente tem hoje a nossa grande liderança tombada”, expressa Ângela Melo. Ao mesmo tempo em que enfatiza: “O tombamento de Uilson não vai silenciar as nossas vozes. Vai nos dar força e coragem para continuar nossa luta”.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho