REJEIÇÃO

Repúdio à privatização do sistema socioeducativo de MG ganha força e entidades lançam carta

Na avaliação das organizações, projeto é racista e classista e vai na contramão de resoluções de proteção ao adolescente

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
"Jovens não são mercadoria": mais de 50 entidades lançam carta aberta em repúdio à iniciativa - Desinterna MG

Em uma audiência pública na Assembleia Legislativa, na última terça-feira (29), o movimento Desinterna Minas Gerais divulgou uma carta-manifesto em repúdio ao projeto do “Novo socioeducativo”, que prevê a privatização do sistema.

O documento, assinado por mais de 50 entidades, afirma que a proposta dos governos federal e estadual vão na contramão de diversas resoluções de proteção aos direitos humanos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção sobre os Direitos das Crianças e a recomendação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Isso porque, conforme o documento, a proposta expande o sistema socioeducativo por meio da internação, “em detrimento do necessário fortalecimento da rede socioassistencial, saúde e educação públicas”.

Além disso, o manifesto também destaca a inconsistência e contradição da proposta. Uma das questões levantadas é a falta de justificativa para a construção de dois novos centros de internação, tendo em vista que as unidades do sistema socioeducativo no estado não têm déficit de atendimento e se encontram operando com 65% da sua capacidade.

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As entidades afirmam ainda que o modelo proposto pelo governo apenas fortalece o encarceramento compulsório da juventude negra e periférica de Minas Gerais, que de acordo com as entidades, representam 82% dos jovens internados no sistema socioeducativo.

“Quando um ente privado é incluído na execução da medida de internação, a lógica inicial do caráter excepcional da medida é alterada, visto que o objetivo do setor privado é o lucro, e este é acentuado proporcionalmente pela quantidade de adolescentes e/ou de vagas previstas para inserção de adolescentes em unidades socioeducativas, pelo tempo na internação, pelas condições de execução das medidas ou pela construção de mais unidades socioeducativas”, pontuam.

Confira na íntegra a carta-manifesto:

CARTA ABERTA

JOVENS NÃO SÃO MERCADORIA! – CONTRA AS PPPs DO PROJETO “NOVO SOCIOEDUCATIVO”

As entidades que assinam esta carta requerem a imediata suspensão do projeto “Novo Socioeducativo”, que prevê a construção de duas unidades de internação, de 90 vagas cada, a serem geridas por meio de parceria público-privada. Os motivos abaixo listados elucidam o porquê tal projeto representa retrocesso na pauta dos Direitos Humanos e defesa das Crianças e dos Adolescentes.

- O projeto “Novo Socioeducativo” é racista e classista, uma vez que prevê a expansão de espaços de privação de liberdade. As juventudes negras e moradoras de periferia são criminalizadas pelo Estado, sendo o alvo das políticas de privação de liberdade no Brasil. Dados (1) demonstram que o sistema socioeducativo de Minas Gerais é composto por uma juventude majoritariamente negra, 24% dos jovens são pretos e 58% pardos, ou seja, 82% são jovens negros. Enquanto que o estado mineiro é composto por 11% de uma população preta e 49% parda, somando 60% de pessoas negras. Tal projeto é contrário ao ponto 10 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que é a "redução das desigualdades”.

- O projeto “Novo Socioeducativo” foi idealizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro e desenvolvido em parceria com a UNOPS. O governo Bolsonaro é conhecido internacionalmente por representar retrocesso na pauta dos Direitos Humanos, tendo sido denunciado à ONU por violações de Direitos Humanos no Brasil. Persistir com o projeto é insistir em implantar um dos maiores retrocessos na pauta da defesa das crianças e adolescentes das últimas décadas.

- O projeto “Novo Socioeducativo” é antidemocrático. Como em grande parte das medidas implantadas pelo governo Bolsonaro, a sociedade civil não foi chamada a participar da elaboração do projeto. Do mesmo modo, o governo do estado de Minas Gerais, onde está previsto a construção de duas PPPs se recusa a dialogar com a sociedade civil e com o parlamento. Em 2020 a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais realizou uma Audiência Pública para discutir as parcerias público-privadas que seriam implantadas na internação do sistema socioeducativo mineiro, o governo do estado declinou o convite para participar, não enviando nenhum representante.

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- O projeto “Novo Socioeducativo” fere a Convenção sobre os Direitos das Crianças em seu artigo 37. O artigo prevê que a privação de liberdade deve ser efetuada apenas como último recurso e pelo tempo mais breve possível. Na contramão do que prevê tal artigo, o projeto “Novo Socioeducativo” expande o sistema socioeducativo através da internação, em detrimento do necessário fortalecimento da rede socioassistencial, saúde e educação públicas.  Além disso, quando um ente privado é incluído na execução da medida de internação, a lógica inicial do caráter excepcional da medida é alterado, visto que o objetivo do setor privado é o lucro, e este é acentuado proporcionalmente pela quantidade de adolescentes e/ou de vagas previstas para inserção de adolescentes em unidades socioeducativas, pelo tempo na internação, pelas condições de execução das medidas ou pela construção de mais unidades socioeducativas.

- O projeto “Novo Socioeducativo” não justifica a escolha do local da construção das unidades. Não há déficit de vagas para cumprimento da medida socioeducativa de internação em Minas Gerais. Segundo dados obtidos junto à Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo de Minas Gerais, a taxa de ocupação nas unidades de internação em 28/11/2022 é de 65% se considerada a capacidade autorizada e 50% se considerada a capacidade total.

- O projeto “Novo Socioeducativo” segue uma lógica de instituição total e prevê a construção de duas unidades com 90 vagas cada, número alto de jovens por unidade. O artigo 94, inciso III do ECA preconiza que na internação deve haver atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos.

- O projeto “Novo Socioeducativo” contraria recomendação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Em Nota Técnica no 10/2022 o Mecanismo conclui, sobre o sistema de cogestão de unidades de internação em Minas Gerais, que o modelo de parceria público-privada não garante a correta gestão do sistema por, dentre outros elementos, dificultar denúncias relacionadas a violações de Direitos Humanos. O Mecanismo também afirmou um superávit: apesar de o sistema socioeducativo de Minas Gerais estar com superávit de vagas - são cerca de 1.750 vagas para 1.093 adolescentes, em julho de 2020. O projeto contraria a ODS 16 “paz, justiça e instituições eficazes”.

Se Maria aos 13 anos de idade aborta, se José, aos 17 anos de idade vende droga, se o João, aos 15 anos de idade rouba, isso não é sinal de que precisamos de mais vagas de privação de liberdade, nem tampouco de gerar lucro a instituições gestoras de unidades de internação, é sinal de que precisamos investir em políticas públicas de fortalecimento da rede socioassistencial, educação e de saúde pública de qualidade em liberdade

Entidades que assinam a carta aberta Jovens não são mercadoria! – contra as PPPs do projeto

“Novo Socioeducativo”:

1 Desinterna Minas Gerais!

2 Coalizão pela Socioeducação

3 Agenda Nacional pelo Desencarceramento

4 ANDI - Comunicação e Direitos

5 Assessoria Popular Maria Felipa

6 Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade de Minas Gerais

7 Associação de Amigos/as e familiares de presos/as (Amparar)

8 Associação de Familiares de Presos de Rondônia (AFAPARO)

9 Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco (AMAR- RJ)

10 Associação de Usuários e Usuárias dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais

11 Associação Fluminense de Estatutários que Trabalham como Operadores da Socioeducação

(AFETOS)

12 CDDH Serra - Centro de Defesa dos Direitos Humanos

13 Cedeca- Ceará

14 Cedeca- Emaus

15 Cedeca- Sapopemba

16 Centro Educacional Cidadania e Paz

17 CEPI - Centro Popular Ribeirão das Neves

18 Coleito Mulheres Arteiras

19 Coletivo de Apoio às Mães Órfãs

20 Coletivo de Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade da Bahia

21 Coletivo de Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas

22 Coletivo Rosas no Deserto

23 Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Socioeducativo e Prisional

24 Comissão de Direito Socioeducativo da OAB/RJ

25 Fórum Mineiro de Saúde Mental

26 Frente Distrital pelo Desencarceramento

27 Frente Estadual pelo Desencarceramento Bahia

28 Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais

29 Frente Estadual pelo Desencarceramento de Rondônia

30 Frente Estadual pelo Desencarceramento de Sergipe

31 Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas

32 Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro

33 Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos

34 Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (GAJOP)

35 Grupo Criminologia Crítica Feminista

36 Grupo de Estudos Pretos

37 Indômitas Coletiva Feminista

38 Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial

39 Juventude Operária Cristã (JOC)

40 Marcha da Maconha BH

41 Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro

42 Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

43 MONDH -ES Movimento Nacional de Direitos HUmanos

44 Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin- UFRJ

45 Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência (Obijuv)

46 ODH Projeto Legal

47 Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Belo Horizonte

48 Pastoral do Menor do Espírito Santo

49 Projeto Laços

50 Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência

51 Rede Nacional de Mães e Familiares de Vitimas do Terrorismo do Estado

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa