SOB NOVA DIREÇÃO

Privatizada, Eletrobras quer aumentar salário de diretor enquanto demite em massa

Venda de controle da estatal a investidores do mercado financeiro deve aumentar contas de luz em cerca de 25%

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Privatização da Eletrobras foi concluída em junho, meses antes da eleição presidencial - Marcelo Camargo /Agência Brasil

Privatizada no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), a Eletrobras vive hoje um momento de mudança em sua gestão. E essa mudança começou com uma proposta de aumento de até 3.500% no salário de administradores da empresa enquanto ela demite até 2.312 funcionários para cortar gastos.

A proposta de aumento para a cúpula da agora ex-estatal foi aprovada em novembro pelos seus conselheiros da administração, que serão beneficiados com a medida. Para que entre em vigor, será agora avaliada numa assembleia de acionistas marcada para o dia 22.

De acordo com a proposta, o salário do presidente da Eletrobras, cargo ocupado atualmente pelo engenheiro Wilson Ferreira Júnior, subiria dos atuais R$ 52,3 mil para R$ 300 mil por mês – aumento de mais de 470%. Já o salário mais alto pago a um conselheiro de administração passaria de R$ 5,4 mil para R$ 200 mil – aumento de mais de 3.500%.

Esses percentuais, inclusive, seriam aplicados retroativamente a partir de abril de 2022.

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A Associação dos Funcionários de Furnas (Asef) reclamou do aumento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão público que fiscaliza empresas com ações negociadas em bolsa de valores, como é o caso da Eletrobras. Para a Asef, não é razoável que acionistas avaliem um aumento como este numa assembleia às vésperas do Natal e num momento em que a empresa demite funcionários para reduzir custos.

Só para remunerar seus administradores, a Eletrobras prevê gastar quase R$ 36 milhões no ano caso os aumentos sejam concedidos.

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Fabíola Antezana, diretora do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF) e integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), lembrou que, no terceiro trimestre de 2022, a Eletrobras registrou prejuízo R$ 88 mil – algo que não acontecia há algum tempo, disse ela. No mesmo período de 2021, a companhia havia lucrado R$ 965 milhões.

“Parece que a empresa quer pagar um ‘bônus’ aos diretores e conselheiros que trabalharam durante o processo de privatização ao mesmo tempo em que demite boa parte do quadro mais antigo da empresa”, criticou.

Novo PDV

Em outubro, quatro meses após a privatização, a Eletrobras lançou um novo Plano de Demissão Voluntária (PDV). De acordo com a empresa, 2.312 de seus funcionários cumprem os requisitos para aderir ao programa, que custará R$ 1 bilhão.

O plano está voltado em desligar do quadro da empresa e de suas subsidiárias funcionários mais antigos, que estão aposentados e continuam trabalhando ou estão prestes a atingir critérios para a aposentadoria.

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O lançamento desse PDV, aliás, acendeu um alerta dentro do grupo técnico (GT) de Minas e Energia convocado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um dos membros do GT, Robson Formica, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), disse ao Brasil de Fato que as demissões comprometem a capacidade técnica do sistema elétrico brasileiro e podem causar até acidentes.

“O PDV coloca cria o risco de colapso do sistema”, alertou. “A capacidade técnica dos demitidos não está sendo reposta.”

Mais privatização

Formica reclamou também da possibilidade de o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) vender suas ações da Eletrobras. Na prática, isso reduziria ainda mais a participação societária da União na empresa, que era de 72% antes da privatização e baixou a 43% após a operação. O BNDES nega que planeje essa venda.

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Antezana também questionou a decisão de a Eletrobras incorporar ações de suas subsidiárias, deixando assim de ser um grupo de empresas para ser somente uma grande corporação. Segundo ele, dessa forma, a companhia tenta “empurrar” a funcionários do sistema um só modo de gestão e, de quebra, cria obstáculos para a eventual reestatização da empresa.

Formica e Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) que também é membro do GT de Minas e Energia, afirmaram ao Brasil de Fato serem favoráveis à reestatização.

Para Chaves, isso é “necessário, possível e urgente” pois a privatização vai elevar as contas de luz no Brasil. O CNE estima aumento de até 25% nos próximos anos.

Edição: Glauco Faria