Sanções à Rússia

Aliada da Rússia, Hungria é ‘pedra no sapato’ da UE na ajuda financeira à Ucrânia

UE aprova novas sanções contra Rússia e libera ajuda à Ucrânia, mas negociações revelam falta de coesão no bloco

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, e o presidente russo, Vladimir Putin, após uma coletiva de imprensa na residência do gabinete do primeiro-ministro em Budapeste. - Attila Kisenbenedek / AFP

A União Europeia confirmou nesta sexta-feira (16) que chegou a um acordo sobre o nono pacote de sanções contra a Rússia. A nova lista de restrições inclui 200 indivíduos e empresas, incluindo quatro canais de TV e vários bancos. A lista que proíbe o fornecimento de bens e tecnologias de uso duplo - eletrônicos, peças de reposição e motores, inclusive para drones - também foi ampliada.

De acordo com fontes diplomáticas citadas pela Reuters, foi relatado na última quinta-feira (15) que os países da UE tiveram dificuldade para chegar a um acordo sobre as sanções por divergências sobre o possível alívio nas restrições à exportação de fertilizantes russos por portos europeus, mesmo que se trate de empresas pertencentes a empresários russos sancionados.

O Conselho da UE informou em comunicado que a União Europeia aprovou o descongelamento dos ativos de cidadãos e empresas russas envolvidas no comércio de produtos agrícolas e alimentícios, incluindo trigo e fertilizantes.

Após o anúncio de que o nono pacote havia sido acordado, o presidente francês Emmanuel Macron disse que as sanções são eficazes e gradualmente têm um impacto, inclusive sobre a capacidade da Rússia de produzir e consertar suas armas.

No entanto, o ministro das Relações Exteriores da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, classificou a nona rodada de sanções como uma "oportunidade perdida".

"É triste que tenhamos passado tanto tempo discutindo a flexibilização em vez do endurecimento das sanções. Juntamente com a Polônia, conseguimos fornecer medidas de segurança adicionais para fechar quaisquer brechas. A Lituânia preferirá manter os portões fechados”, escreveu Landsbergis.

A controvérsia em torno da unidade da União Europeia na adoção de medidas ligadas à guerra na Ucrânia não é novidade do último pacote de sanções contra Moscou. E um dos principais países que, desde o começo do conflito, tem dificultado o consenso entre os 27 membros do bloco é a Hungria.

Um exemplo claro deste imbróglio foi o mais recente pacote de ajuda financeira à Ucrânia aprovado pela UE. Inicialmente o aporte de 18 bilhões de euros a Kiev por parte do bloco havia sofrido um veto da Hungria. Visto como aliado de Vladimir Putin, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, tem usado a boa relação com a Rússia para barganhar vantagens econômicas com a União Europeia.

Nesse processo, para pressionar contra o veto, a Comissão Europeia exortou todos os países da UE a congelar o pagamento de 7,5 bilhões de euros à Hungria, destinados a igualar os níveis de vida nos países da UE.

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Bruxelas acusou repetidamente o governo Orban de violar os princípios da UE no campo dos direitos humanos, dos padrões democráticos e da luta contra a corrupção. Ao mesmo tempo, a Comissão Europeia alertou para a possibilidade de aplicar pela primeira vez o mecanismo do estado de direito da UE, que permite reduzir os pagamentos ao país que vêm do orçamento do bloco.

A Hungria concordou em desbloquear o programa de ajuda bilionária à Ucrânia depois que o bloco fez concessões sobre a alocação de subsídios a Budapeste.

Em compromisso alcançado na última segunda-feira, dia 12, a UE aliviou o congelamento dos fundos à Hungria para 6,3 bilhões de euros. Ou seja, o país receberá 1,2 bilhão de euros. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, negou que o processo de negociação seja "uma chantagem".

Sem citar diretamente a Hungria, o primeiro-ministro polonês Mateusz Morawiecki manifestou críticas em relação ao mecanismo de barganha no processo de negociação do apoio financeiro à Ucrânia.

“O apoio à Ucrânia não é apenas uma questão moral, é um momento geopolítico crucial e não devemos chantagear outros países com esta ajuda à Ucrânia. Isso é o que alguns países estão tentando fazer. Nós nos opomos fortemente a isso”, destacou.

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O cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Escola Nacional de Aviação da Ucrânia, Maxim Yali, afirmou que, enquanto Orban estiver no cargo de primeiro-ministro - ele foi reeleito em maio - e depois que seu partido Fidesz teve vitória convincente nas eleições parlamentares de abril, dificilmente será possível ver a Hungria fora da esfera de influência da Federação Russa.

Citado pelo portal ucraniano Telegraf, o pesquisador afirmou que "o Kremlin despejou muitos recursos em Orban e seu partido", além do fato de que Moscou dá "descontos no fornecimento de gás e petróleo russos".

Visto como um dos principais aliados da Rússia na Europa, Viktor Orban é acusado no Parlamento Europeu de abusar do direito de veto nas decisões referentes à Ucrânia.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista-chefe do Fundo Nacional de Segurança Energética da Rússia, Igor Ushkov, declarou que a Hungria negocia com a UE para defender seus interesses nacionais.

“A Hungria parte dos seus interesses nacionais e, nesse plano, não é que ela se recuse a apoiar a Ucrânia e ajudar a Rússia. Ela ajuda a si mesma. E as elites políticas húngaras entendem que no país há uma demanda por uma política racional, que não vai adotar os interesses gerais de solidariedade da UE, mas os interesses nacionais, sobretudo econômicos”, diz Ushkov.

Em julho, Viktor Orban declarou que a estratégia dos países ocidentais de apoiar a Ucrânia na guerra com a Rússia havia falhado. A Hungria também se opôs ao  embargo ao fornecimento de petróleo russo, explicando que tal proibição prejudicaria sua economia.

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“Ou seja, (a Hungria) apoia a relação com a Rússia porque isso permite que eles recebam hidrocarbonetos em um volume suficiente a um preço confortável. Ao mesmo tempo, eles ajudam a Ucrânia revendendo o gás russo para a Ucrânia, com a energia elétrica que eles recebem das usinas termoelétricas que trabalham com o gás russo”, argumenta.

“Eles apoiam praticamente todos os pacotes de sanções. Sim, eles negociam longamente com Bruxelas e outros Estados, já que a decisão precisa ser unânime, mas ao mesmo tempo, com oito pacotes de sanções já adotados pela UE, a Hungria vota por certas medidas de forma a maximizar uma posição confortável para si mesma. E nesse plano ela não fica de fora de certas políticas de grande escala da Europa, mas é claro que exige que seus interesses nacionais sejam contemplados”, completa.

Edição: Arturo Hartmann