Geopolítica do chip

China registra patente chave para tentar escapar de cerco tecnológico dos EUA

Companhia chinesa pede registro de tecnologia envolvida em máquinas de litografia, necessária para fazer chips avançados

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Fábrica chinesa de semicondutores em Nantong - AFP

Uma máquina de fazer máquinas. Esta é uma das definições possíveis de uma máquina de litografia, responsável por imprimir semicondutores, os processadores que movem celulares, videogames, navios e drones de guerra. Este equipamento é um dos elementos da luta global por hegemonia entre China e Estados Unidos — e a empresa chinesa Huawei pediu em dezembro a patente de uma das tecnologias necessárias para uma máquina de litografia de ultravioleta extrema.

O mundo todo depende da empresa holandesa ASML, a única que consegue fabricar máquinas de litografias avançadas que são usadas para imprimir os processadores mais avançados. Conseguir fazer negócio com a ASML é, portanto, essencial para o desenvolvimento tecnológico de um país. E a empresa holandesa tem laços históricos com os Estados Unidos e segue as sanções de Washington contra os chineses, ainda que essa proibição de exportações reduza suas vendas.

Para buscar frear o desenvolvimento chinês, os Estados Unidos aplicam sanções contra o setor de tecnologia do país asiático. No documento "Estratégia de Defesa Nacional", publicado em 2022, a Casa Branca aponta a China como seu maior "desafio geopolítico" e destaca "a importância da cadeia de suprimentos de semicondutores para nossa competitividade e nossa segurança nacional".

Além das sanções, que impedem a venda de determinadas tecnologias de empresas dos EUA para os chineses, o governo de Joe Biden também faz investimentos bilionários no setor. A Casa Branca patrocinou, e conseguiu aprovar no Congresso, um projeto de lei que prevê até US$ 52 bilhões para impulsionar fabricação de chips no país.

A União Europeia também tem sua política pública com investimentos estatais massivos para garantir sua tecnologia no setor de semicondutores. A Comissão Europeia tem uma proposta de investir até 43 bilhões de euros para aumentar a participação de países europeus nesse campo.

É nesse contexto que a Huawei anunciou ter pedido a patente de uma das tecnologias necessárias para uma máquina de litografia de ultravioleta extrema. De acordo com a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Esther Majerowicz, ainda que o anúncio seja importante, ele está longe de significar que a China conseguirá fabricar chips avançados como os feitos em Taiwan e na Coreia do Sul.


Fábrica da TSMC, companhia de Taiwan, em Nanquim, na China / AFP

"O cerco vai se fechando cada vez mais para que a China desenvolva chips sofisticados. Nesse contexto, não sobra alternativa para a China que não seja a substituição de importações. É nesse contexto que surge a patente e o governo chinês não economiza capital e suporte governamental, e apoio, para que se desenvolva a produção de chips, a manufatura de chips e também, agora, os equipamentos para produção e materiais para produção de chips", diz Majerowicz ao Brasil de Fato.

Os chineses também fazem investimentos multibilionários para garantir sua autonomia no campo de semicondutores. O setor é citado em documentos estratégicos do planejamento chinês, como o mais recente plano quinquenal.

"Embora os chineses venham fazendo esforços monumentais em política industrial por um longo período de tempo, eles ainda não conseguem suprir nem 20% da sua demanda doméstica por semicondutores", diz a professora da UFRN.

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Além da importância econômica de deter as mais avançadas tecnologias, e a capacidade de receita para o Estado que elas geram, este setor é marcado por mecanismos de uso dual — tanto civil como militar. Os chips avançados de um tablet também podem ser usados para máquinas de guerra, como um míssil de alta precisão.


Drone militar chinês durante desfile na Praça de Tiananmen, em 2019 / Greg Baker / AFP

Guerra Fria?

A oposição e a disputa entre China e Estados Unidos pela hegemonia global fez ressurgir o termo "Guerra Fria". O próprio presidente chinês, Xi Jinping, já afirmou durante reunião do BRICS que os países precisam abandonar a mentalidade de "Guerra Fria" ao criticar a adoção de sanções unilaterais. 

Esther Majerowicz, todavia, avalia que não é adequado pensar no termos de uma espécie de Guerra Fria reeditada porque não há uma disputa entre dois modos de produção distintos. 

"A competição, em última instância, é pautada também por uma disputa sobre frações do mercado mundial. Muito do que incomoda os EUA é porque a China vem ganhando parcelas da economia mundial e do mercado mundial cada vez maiores, essa é uma disputa que não estava colocada com a União Soviética. A questão que está colocada é como acomodar a China nesta economia capitalista global", afirma a professora da UFRN.

Edição: Arturo Hartmann