R$ 45 bi em dívidas

Americanas entra em recuperação judicial para tentar escapar da falência; entenda 

Gigante do varejo pediu à Justiça tempo para elaborar plano para pagar seus credores

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
A empresa diz empregar direta e indiretamente mais de 100 mil pessoas - Mauro Pimentel/AFP

A Americanas está oficialmente em recuperação judicial. O pedido que a empresa fez para isso foi aceito pela Justiça do Rio de Janeiro. A companhia agora tem 180 dias para elaborar e aprovar junto a credores um plano para sanar suas dívidas e tentar escapar da falência.

A empresa declarou à Justiça ter dívidas de R$ 43 bilhões, tanto junto a outras empresas como pessoas físicas. Isso é mais do que os R$ 32 bilhões que a companhia arrecadou com suas vendas durante todo o ano de 2021 – último dado disponível. Também é cerca de quatro vezes o valor de mercado estimado da Americanas ainda antes do estouro de sua crise repentina: R$ 11 bilhões.

A crise emergiu no último dia 11, quando o então presidente da empresa, Sergio Rial, renunciou ao cargo apenas dez dias após sua posse. Rial disse ter pedido demissão após detectar “inconsistências” de R$ 20 bilhões em balanços divulgados pela companhia.

Essas "inconsistências", até onde se sabe, seriam fruto da omissão de empréstimos contraídos pela empresa para pagamento de fornecedores. Sem informar isso a investidores e credores, estes entendiam que a companhia estava em situação melhor do que a que realmente se encontra. Assim, as ações da Americanas eram negociadas a preços mais altos e os pedidos de outros empréstimos recebiam tratamento mais favorável.

Isso mudou desde que as "inconsistências" foram declaradas. Bancos resolveram cobrar pagamentos antecipadamente. O BTG chegou a apropriar-se de R$ 1,2 bilhão da empresa que estavam depositados no banco para cobrir dívidas da Americanas com ele.

Para tentar escapar da falência, o que restou à Americanas foi a recuperação judicial. “Recuperação judicial é um instrumento jurídico para fazer com que uma empresa em crise momentânea não tenha falência decretada de imediato”, explicou o advogado Lucius Marcus Oliveira, especialista em Direito Tributário e em Direito Empresarial e membro fundador do Instituto de Direito de Recuperação de Empresas (IDRE). 

Como funciona?

Oliveira explicou que, após a Justiça aceitar um pedido de recuperação judicial, a empresa –no caso, a Americanas– tem 60 dias para apresentar a seus credores um plano para pagá-los. Esse plano pode envolver pedidos de descontos nos débitos.

Esses credores, então, terão até 180 dias do início da recuperação judicial para votar a aceitação desse plano. A aprovação deve se dar por maioria simples, mas levando em conta a proporcionalidade de alguns débitos. Por exemplo, um banco que tem uma dívida maior a receber pode ter um voto proporcional a essa conta.

Se aprovado, o plano começa a ser executado. Se não, há possibilidade de credores apresentarem sua proposta para a recuperação e há também a possibilidade de a negociação ser definitivamente encerrada. Neste caso, a falência da empresa tende a ser decretada pela Justiça para que os bens dela sejam usados para abatimento das dívidas.

A Americanas diz manter cerca de 100 mil empregos diretos e indiretos. A recuperação judicial visa, entre outras coisas, preservar o emprego dessas pessoas, lembrou Oliveira.

E os sócios?

A Americanas pertence, desde 1983, majoritariamente a três dos homens mais ricos do país: Jorge Paulo Lemann, o mais rico do país, segundo a revista Forbes; Marcel Telles, o terceiro; e Beto Sicupira, o quarto.

Em petição encaminhada à Justiça, o banco BTG acusa os três de fraudarem as contas das Americanas. Lembra ainda que eles têm patrimônio de R$ 180 bilhões juntos.

O advogado Jefferson Kasinski, outro especialista em recuperações judiciais, explicou que, a princípio, os bens dos donos de uma empresa não são afetados pelas dívidas dela. Isso significa que, no caso das Americanas, somente se forem comprovadas as fraudes e a conveniência dos sócios nelas é que o patrimônio deles pode ser comprometido.

“Via de regra, o patrimônio pessoal não se confunde com o patrimônio das pessoas jurídicas”, explicou. “Excepcionalmente, havendo a fraude, é possível o credor estender a cobrança contra o patrimônio de quem cometeu o delito.”

Essa regra também vale para diretores da companhia. Se eles tiverem manipulado as contas da empresa, eles podem ter de arcar com os prejuízos da empresa.

Os diretores da Americanas mais que dobraram suas remunerações de 2020 a 2022, período no qual a empresa teoricamente já estava acumulando dívidas. Diretores da empresa também venderam R$ 240 milhões em ações da companhia que eles pessoalmente possuíam no segundo semestre de 2022, meses antes da crise.

A Americanas também pagou dividendos recordes a seus acionistas no ano passado. Foram R$ 333 milhões. Lemann, Telles e Sicupira foram os maiores beneficiários disso, já que são os acionistas majoritários da companhia.



 

Edição: Rodrigo Durão Coelho