Abandono

Visita de Lula ao povo Yanomami repercute diante de situação de abandono

Visita presidencial pautou as redes sociais e atraiu atenção para a tragédia vivida pelos indígenas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita ao hospital indígena e a Casa de Apoio à Saúde Indígena em Boa Vista, capital de Roraima - Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto

A tragédia humanitária vivida pelos indígenas ganhou atenção pública nos últimos dias, em especial após a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima. Ele foi acompanhado pelos ministros do Desenvolvimento Social (Wellington Dias), da Saúde (Nísia Trindade) e dos Povos Indígenas (Sonia Guajajara), marcando uma mudança drástica em relação ao seu antecessor na forma como o governo federal pretende lidar com o garimpo ilegal em terras indígenas e suas repercussões.

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"Não vai mais existir garimpo ilegal. Eu sei das dificuldades de tirar o garimpo ilegal. Sei que já se tentou e eles voltam. Mas nós vamos tirar", disse Lula após visita a um hospital indígena e à Casa de Saúde Indígena em Boa Vista, capital de Roraima, neste sábado (21).

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"Se alguém me contasse que, aqui em Roraima, tinham pessoas sendo tratadas da forma desumana que eu vi o povo Yanomami sendo tratado, eu não acreditaria. Não podemos entender um país que tem as condições que têm o Brasil deixar os nossos indígenas abandonados como eles estão aqui", afirmou o presidente.

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A visita presidencial repercutiu mais do que qualquer pauta levantada pela extrema-direita em 24 horas nas redes sociais, segundo o analista de redes sociais online com foco em política Pedro Barciela.

"Uma visita presidencial nunca é apenas uma visita. É também uma forma de pautar o debate. Com a visita ao povo Yanomami, Lula pautou e desbancou qualquer pauta da extrema-direita: em 24 horas, o tema teve 5x mais menções que a fake news sobre o Auxílio-Reclusão em uma 7 dias", publicou o analista em seu perfil no Twitter.

O mesmo foi registrado em relação ao tema aborto. De acordo com o pesquisador, "foram 1.5x mais menções aos Yanomamis em apenas 24h do que sobre o termo aborto ao longo da última semana. Aqui, vale ressaltar o intenso engajamento de atores bolsonaristas que tentaram – em vão – pautar o governo".

A extrema-direita até tentou associar a condição dos indígenas Yanomami a uma suposta "farsa da esquerda", como o próprio Bolsonaro. Mas a tentativa foi um fracasso diante das imagens estarrecedoras de desnutrição infantil, insegurança alimentar e abandono.

Estado de emergência 

Na sexta-feira (20), o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para "planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas" a fim de reverter o quadro de desassistência instalado na TI Yanomami.

Deve ser realizado "o acionamento de equipes de saúde, incluindo a contratação temporária de profissionais" e a "aquisição de bens e a contratação de serviços necessários para a atuação" na emergência.

Também foi instalado o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami "para dar conta do problema de desnutrição, fome, saúde, muito grave nessa região", segundo o ministro Wellington Dias. O comitê terá duração de 90 dias e suporte das Forças Armadas e da Funai.

Garimpo ilegal 

Nos últimos anos, a situação dos indígenas Yanomami se agravou expressivamente. Segundo o Ministério da Saúde, "casos de desnutrição e insegurança alimentar, principalmente entre as mais de 5 mil crianças da região, foram registrados. Profissionais de saúde relatam falta de segurança e vulnerabilidade para continuar os atendimentos, dificultando ainda mais a assistência médica aos indígenas".

Uma das principais causas foi a conivência do governo do ex-presidente Bolsonaro em relação ao avanço do garimpo ilegal na região. De acordo com Ivo Cípio Aureliano, indígena Macuxi e assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), "todos os garimpos existentes em Roraima são ilegais e estão localizados dentro das terras indígenas. A promessa de legalização dessa atividade por parte do governo Bolsonaro, por meio do Projeto de Lei 191/2021, que está no Congresso Nacional, estimulou as invasões e aumentou a cooptação de indígenas, causando vários tipos de violências".

::Entenda como acontece o garimpo ilegal em terras indígenas na região Norte do Brasil::

De acordo com um levantamento do Conselho, apenas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TI RSS), também situada em Roraima, estima-se que existiam, em 2021, dois mil garimpeiros. Na TI Yanomami, as estimativas sobem para 20 mil garimpeiros.

"Em uma das regiões na TI RSS, a região Raposa, surgiu um ponto de garimpo (Garimpo do Atola ou Tarame), em 2018. Vários garimpeiros chegaram nas comunidades próximas Raposa I e Raposa II, principalmente na comunidade Napoleão, e começaram a cooptar as lideranças para os apoiarem com a promessa de que os indígenas receberiam uma porcentagem", afirma Aureliano.

O impacto é direto nas comunidades indígenas. "Hoje tem várias máquinas chamadas de 'moinho' instaladas nesse garimpo para triturar as pedras para extrair o ouro. Depois lavam o material triturado e despejam os resíduos, inclusive o mercúrio, nos igarapés e lagos que estão ali próximos", diz Aureliano.

Ainda em 2020, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou a reativação de Bases de Proteção Etnoambiental (BAPEs) na Terra Indígena (TI) Yanomami e medidas de fiscalização e repressão ao garimpo ilegal.

A inércia do governo federal "evidencia necessária atenção redobrada para evitar a disseminação de epidemias virais e outras moléstias decorrentes da contaminação de rios e fauna com mercúrio, (…) situação que se agrava pelo atual contexto de pandemia pelo qual passa o país", afirmou a desembargadora federal Daniele Maranhão na ocasião.

::Garimpo gera problemas sanitários, ambientais e culturais em terras indígenas::

Também ainda em 2020, o Instituto Socioambiental (ISA) indicou que a degradação mensal do garimpo na terra indígena Yanomami cresceu expressivamente em junho daquele ano: 179% em relação ao mês anterior. Naquele mês foram 109 hectares degradados, diante 39,1 hectares destruídos no mês anterior.

Edição: Nicolau Soares