GOVERNO LULA

Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora negra, assume direção do Arquivo Nacional

Professora da UnB foi nomeada para chefiar órgão que foi alvo de censura durante governo Bolsonaro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Arquivo Nacional terá mulher negra na chefia: historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto foi escolhida para cargo - Divulgação

A historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto foi escolhida como diretora-geral do Arquivo Nacional na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente do governo federal. Com a nomeação, a brasiliense torna-se a primeira mulher negra em assumir a função em 185 anos do órgão.

A nova diretora-geral do Arquivo Nacional tem doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mestrado em História pela Universidade de Brasília (UnB), licenciatura em História pela Universidade Paulista (Unip) e bacharelado em Jornalismo pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).

:: Troca no Arquivo Nacional intimida servidores e ameaça acervo da ditadura, dizem especialistas ::

Ana Flávia Magalhães Pinto, que também é professora adjunta do Departamento de História da UnB, desenvolve pesquisas em suas áreas de formação com ênfase em atividades político-culturais de pensadores negros, imprensa negra e luta racial.

O Arquivo Nacional terá status de secretaria dentro do recém-criado Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que está sob comando da ministra Esther Dweck. As modificações foram determinadas recentemente, após a posse do novo governo do Brasil.

Sob Bolsonaro, cenário de censura e ameaças

Funcionários do Arquivo Nacional, órgão responsável por preservar e divulgar documentos históricos do Brasil, relataram em reportagem publicada pelo Brasil de Fato no ano passado um cenário de "censura não escrita", mas presente na rotina interna: ordens para evitar ao máximo divulgação de datas e documentos do regime militar.

A reportagem ouviu três servidores de carreira do órgão, sob a condição de anonimato. Além do clima de vigilância e de possíveis retaliações, eles apontaram manobras nas gestões ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL) para minar o trabalho em temas considerados incômodos.

Uma delas é a mudança nas regras de gratificações, consideradas diferenciadas no funcionalismo público, que "ficaram maiores para cargos de chefia e menores para quem realmente toca o trabalho do dia a dia".

Eles também comentaram as consequências do Decreto 10.148, assinado pelo ex-ministro Sergio Moro em 2019, quando ainda estava à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que retira do Arquivo Nacional a prerrogativa de decidir sobre a eliminação, ou não, de documentos produzidos pelos diferentes órgãos públicos.

Nenhum dos profissionais disse ter conhecimento sobre a destruição deliberada de documentos públicos que já constam na base de dados de arquivos relativos à Comissão Nacional da Verdade (CNV) ou outros que possam ser considerados ameaçadores, mas temem pela integridade dos que ainda estão em posse dos diferentes ministérios e órgãos de governo.

:: Comissão da Verdade 10 anos: “Importante lembrar o que é regime de exceção”, diz Dilma Rousseff ::

Decreto esvaziou atribuição do órgão para avaliar eliminação de documentos

Jaime Antunes, ex-diretor do Arquivo Nacional e longevo ex-presidente do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), explica que a norma retirou da entidade a função de arbitrar sobre as decisões de preservação, ou não, de documentos em ministérios como o da Defesa, por exemplo.

:: Maria Rita Kehl: Comissão da Verdade veio muito tarde, após esquecimento da história ::

Bruno Morasutti, advogado e membro do Fórum de Acesso a Informações Públicas, critica que uma decisão "tão importante" tenha sido tomada sem ser debatido com a sociedade, que é a maior interessada no controle da administração pública, inclusive por fóruns de controle externos, como os tribunais de contas regionais ou federais.

"Nos preocupa que a gestão e destinação de documentos públicos estejam sendo tomadas por pessoas que, em muitos casos, não possuem qualificação adequada para isso e que não observam critérios reconhecidamente importantes para fins de preservação de conhecimento”, protesta.

Por sua vez, a direção do Arquivo Nacional refutou as acusações de desvio de finalidade e argumenta em seu site oficial que o decreto possui o aval do corpo técnico e visa dar "maior autonomia técnica e responsabilidade para os órgãos e entidades da APF [administração pública federal] na análise e destinação final dos documentos públicos por elas produzidos e recebidos".

Edição: Rodrigo Durão Coelho