Jerônimo Rodrigues

Governador da Bahia defende demarcação de terras para acabar com violência contra indígenas

1º governador autodeclarado indígena, Jerônimo Rodrigues, afirma compromisso com os povos originários

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Jerônimo Rodrigues participou de reunião de governadores com Lula, em Brasília (DF), em 27 de janeiro - Reprodução/Instagram

O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), disse que a violência contra povos indígenas não vai acabar enquanto as demandas por demarcações de terras não forem resolvidas. O chefe do Executivo baiano concedeu entrevista exclusiva ao Brasil de Fato e mostrou empolgação com a criação dos Ministério dos Povos Indígenas e as políticas do tema que devem ganhar força no governo Lula (PT).

Primeiro governador autodeclarado indígena no país, Jerônimo Rodrigues afirmou que, mais do que a importância da representatividade dos "parentes", tem compromisso com a pauta dos povos originários. "Trazer esse debate e dizer que temos “um de nós”, um negro, um indígena, já é uma contribuição, mas não dá para ficar só nisso", declarou o governador, em entrevista concedida na última sexta-feira (27).

Jerônimo Rodrigues recebeu a reportagem do Brasil de Fato na sede do escritório de representação do governo baiano na região central da capital federal. Poucas horas antes, Lula recebeu, no Palácio do Planalto, os chefes dos 26 estados e do Distrito Federal. Na ocasião, recebeu propostas de obras e investimentos específicas de cada Unidade Federativa e outras compartilhadas pelas regiões do país.

:: Dois jovens indígenas Pataxó são assassinados no Extremo Sul da Bahia ::

Na conversa com o BdF, o governador da Bahia ainda tratou de temas como políticas públicas para comunidades quilombolas, juventude e do combate à violência policial. Jerônimo Rodrigues ainda falou do caso dos dois jovens indígenas Pataxó assassinados no Extremo Sul da Bahia em janeiro, crime que reforça o contexto de violência na Terra Indígena Barra Velha, que teve outra aldeia invadida no final de 2022.

Jerônimo Rodrigues nasceu no povoado de Palmeirinha, em Aiquara (BA). É formado em Engenharia Agronômica com mestrado em Agronomia, ambos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É também professor licenciado da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e compôs a equipe da Secretaria de Planejamento no governo de Jaques Wagner (PT).

Em 2011, foi secretário-executivo adjunto do Ministério do Desenvolvimento Agrário, secretário nacional do Desenvolvimento Territorial, e ocupou diversos cargos na administração federal até 2014. No governo Rui Costa (PT), a partir de 2015, assumiu a missão de implantar a Secretaria de Desenvolvimento Rural. No segundo mandato de Rui, assumiu a pasta da Secretaria de Educação.

Leia a entrevista completa:

Dois jovens indígenas Pataxó foram assassinados no Extremo Sul da Bahia neste mês. Como a vinda do senhor à Brasília pode ajudar na elucidação desse caso e de outros episódios de violência contra indígenas no estado?

Eu estava conversando agora sobre isso. Me perguntaram como que é ser o primeiro governador no Brasil autodeclarado indígena. Sempre que fiz o concurso para ser professor de universidade, preenchia lá. Aqui em Brasília, quando vim para ser secretário nacional no governo Dilma, da mesma forma também está lá na minha ficha escrito isso. Não imaginava que daria essa repercussão porque não fiz para ter um efeito eleitoral. Fiz pela minha origem, pelo meu reconhecimento.

Trazer esse debate e dizer que temos “um de nós”, um negro, um indígena, já é uma contribuição, mas não dá para ficar só nisso. Eu tenho compromisso com a pauta dos povos originários. Na Bahia, criamos uma superintendência dos Povos Indígenas com status de secretaria, dentro da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, para organizar a política. Coincidiu que o Lula criou um ministério. Me pressionaram a criar uma secretaria, mas não havia orçamento. No futuro, pode ser feito. Isso é um embrião.

A demarcação de terras indígenas e a violência nas áreas indígenas não são responsabilidade do governo estadual, é da União. Queremos contribuir, é claro, mas não podemos entrar em área indígenas sem autorização. Até para construir uma quadra, é preciso ter aprovação federal, da Funai.

No tema da Educação, vamos agora fazer um fortalecimento da valorização da profissão de professor indígena e a adaptação do currículo para ser cada vez mais apropriado ao fortalecimento da cultura indígena. Da mesma forma, vamos tentar conseguir recursos na União para criar programas e projetos de geração de renda para que os indígenas não sejam submetidos algo como ocorreu com nas terras dos Yanomami.

Tratar da questão da violência é tratar da demarcação. Se não cuidarmos da demarcação, não vamos resolver a violência nos territórios indígenas. Tem muito disputa.


Jerônimo Rodrigues interage com criança durante visita à Itaparica, no litoral baiano / Reprodução/Instagram

Sobre o caso específico dos jovens indígenas mortos, logo em seu primeiro mês de mandato à frente do Executivo da Bahia, como o governo estadual atuou e como foi o diálogo com o governo federal?

Sobre esse fato especificamente, Porto Seguro e Prado são duas áreas com conflito. Nós viemos à Brasília dizer que fizemos o que nós pudemos com a investigação da Polícia Civil, com a Polícia Militar. Reforçamos o efetivo na região, fizemos um contencioso, mas não está resolvido. Viemos para dizer: “Por favor, criem uma comissão. Nós queremos estar dentro, o governo do estado vai querer estar dentro”.

Falamos com o ministro Rui [Costa, da Casa Civil], com a ministra Sônia [Guajajara, dos Povos Indígenas], e o ministro da Controladoria-Geral da União [Vinícius de Carvalho], mas nós viemos aqui para resolver esse caso. Queremos tratar desse caso logo porque está em investigação. Dissemos, mais ou menos assim: “O filho é meu, mas a responsabilidade é sua”. É o meu estado, não vou me ausentar.

Mandamos quase 100 homens para lá, mas pedimos reforço da Polícia Federal e os ministros puxaram para si. Relatamos as informações ao governo federal e eles ficaram de se reunir durante a semana para criar essa comissão a partir da semana que vem. Temos que revelar o que houve na morte dos dois, se foi relacionada ao território ou se é outra causa. As investigações deverão sair nessa semana, espero que ajudem a elucidar o caso.

A Bahia também tem a maioria dos territórios quilombolas do país. Muitos dos processos de demarcação de terras estão parados, como o da Enseada do Paraguaçu que está há 15 anos esperando. Como o estado pode atuar para acelerar esses processos e garantir o direito à terra e ao território dessas populações? Além disso, quais políticas públicas são direcionadas a esse segmento?

Nós já temos política para quilombolas. Temos uma experiência boa de quilombos bem organizados. Temos uma política pública de geração de renda, que é um edital específico para financiar a agroindústria dos povos quilombolas, criado quando fui secretário do Desenvolvimento Rural. Esse edital não foi construído nos escritórios, foi construído com os quilombolas, com a Conaq [Coordenação Nacional de Articulação Quilombola], com o pessoal que coordena essa política em âmbito nacional e no estado, com quem temos uma boa relação.

A educação quilombola, da mesma forma, é um desafio porque há uma diferença: o circunscrito de uma aldeia é fechado, não tem a presença de terceiros. Diferentemente de um quilombo, que é mais aberto. Normalmente, a comunidade quilombola está mais perto da cidade. Muitas vezes, não há o respeito ou uma educação dirigida nas escolas, como fazemos com os indígenas. É mais difícil implementar uma política específica. A Laje dos Negros, maior quilombo do Brasil, no município de Campo Formoso, tem uma escola de alto padrão, com teatro, quadra coberta, campo de futebol society e laboratório. Existe um conjunto de comunidades que tem uma escola de qualidade. 

Agora, a Bahia é o único estado que tem uma secretaria da Igualdade [Racial], que trata dos povos quilombolas e tradicionais. No nosso programa de governo, temos a pauta da saúde quilombola e o pensamento nosso é que a gente possa fazer a primeira feira ou mutirão de saúde e chamar uma comunidade quilombola para poder ser uma referência no tratamento de saúde desse povo. No PPA de 2023 para os próximos anos, vamos encaixar ações estruturantes, como o fortalecimento dos editais para geração de renda e o programa de habitação quilombola. A água também é um tema fundamental, porque as comunidades quilombolas tem problema de água. Vamos priorizar as comunidades quilombolas.


Jerônimo Rodrigues completa seu primeiro mês no cargo de governador da Bahia / Reprodução/Instagram

O tema da juventude negra e da violência política foram pontos de tensão entre o movimento popular e entidades do movimento negro e o governo de seu antecessor, o hoje ministro da Casa Civil, Rui Costa. Como o senhor enxerga essa questão e no que o governo baiana pode avançar?

Em primeiro lugar, assim como o tema dos parentes indígenas, o tema da juventude também ganhou uma superintendência no governo estadual. Era uma coordenação e, agora, virou uma superintendência com status de secretaria estadual, alocada dentro do meu gabinete. O Nivaldo [Millet, superintendente estadual de Juventude] está ali para desenhar e arrumar essas políticas públicas.

Qual matemática que a gente faz? Na Educação, temos, por exemplo, a qualidade das escolas novas, o programa de alimentação nas escolas, que é um dos melhores do Brasil, o programa Bolsa-Presença, criado na pandemia e que dá R$ 150 aos estudantes mais pobres, além da educação profissional e integral.

Na universidade, para os estudantes das universidade estaduais públicas da Bahia, temos o programa Mais Futuro, que é uma bolsa que chega até a R$ 600 por mês, se for de Cad-Único. E, ainda, o Partiu Estágio, que é garantia de que o estudante vai poder trabalhar na área que faz o curso. Então, temos um programa de assistência forte sendo envelopado na política de juventude. Não vamos abrir mão. Tudo isso com cota para negros. Em todos os programas sociais, a grande maioria é de negros, mulheres, e todos são pobres, inscritos no Cad-Único. Essa é uma agenda positiva que falamos pouco. E estou falando de uma política desenhada pelo governo Rui Costa, que agora vou dar continuidade e ampliar.

Com relação à violência, não vamos aceitar nenhum tipo de violência. Nós precisamos dialogar fortemente na formação policial. Se a queixa ou o reclame é pertinente e for por conta de violência policial, nós temos que fazer uma formação adequada. Na polícia, a maioria é negra. Não posso acreditar que a polícia com essa cor faça isso de forma intencional.

Como tem sido o primeiro mês na relação com as forças policiais?

Está boa. Não deu tempo de aprofundar, mas a relação, agora com o novo secretário, deu uma estabilizada. O novo secretário é da Polícia Federal e ele tem um trato, um jeito de abordar. Mantivemos a delegada da Polícia Civil. O comandante da Polícia [Militar] também continuou.

Está tranquilo, com uma relação de estabilidade, mas é preciso fazer umas agendas para que a polícia se sinta valorizada, que ela possa compreender o seu lugar. A confiança que nós temos quando estamos diante da Polícia é a Polícia que queremos, que dê confiança.

Edição: Rodrigo Durão Coelho